Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Verbosidade de plástico

Exibia-se com uma verbosidade de plástico insuflado 
Da sua boca saíam melodiosos roncos de boçalidade.
Procurava disfarçar uma dúvida irrefreável
Estaria bem... com o seu fato de risca fina
Mesurando os outros convidados...
Ou era um ádvena microscópico na sala da festa
Falando de artrite reumatóide e caducidade?

A serra da idade

Delirantemente escalo a serra da idade
Rumo a uma velhice enfastiada
Já só me restam os rabiscos que o tempo deixa recordar.
Com a erudição do inevitável definhar
O passar do tempo foi como uma esponja invisível
Que apagou os contornos do real
Tornando-me uma paródia grotesca de mim
Como uma carta desconhecida
Inserida no baralho interior da minha alma
Algo que se foi infundindo taciturnamente
Como uma espécie de vida
Apenas o som da minha voz é autêntico.
Cravado na alma do tempo infinito
Tenho um espinho que infecta de saudade,
Os elementos orgânicos a apodrecer no meu corpo
Exalam cheiros venenosos que profetizam inquietação.
Percorri de uma enfiada as salas onde me deixaram entrar
Como numa quimera feita de asco e falta de paciência
Atingi a estagnação plangente das contas feitas com a vida
E a soma mostrou-me a regra de que nada vale a pena
A vida é estigma feito de insanidade
Uma chaga cravada nos dias que exalam um odor infecto

Rede de memórias

Balanço-me na minha rede feita de memórias.
Como um navegador solitário
Embarco numa viagem aos tempos da minha juventude.
Perdido na vida e expirado o prazo da meninice
Volto agora para ela procurando o Graal
Vêem-me à memória os tempos antigos,
Erguem-se nos escombros da recordação
Sentimentos de anos duvidosos e turbulentos
Que falam de resquícios de situações vividas.
Sinto a sensação instantânea
Da violenta força do passar do tempo
Mas percebo que as memórias não têm tempo
É como se esse tempo estivesse arquivado e catalogado
As memórias conservadas em álcool puro
Dentro do frasco memorável das vivências
Arrumado a um canto da alma
E preservado do ódio assassino do tempo.

As formigas cantam

As formigas cantam ordeiramente
Numa desconcertante polifonia teatral
Formula-se várias hipóteses
Vários homens sábios
Ajuizam circunspectamente o fenómeno
Esbracejam energicamente as palavras
Mas o prodígio é inalcansável
As formigas adquiriram cordas vocais.
As cigarras calam-se estupefactas.
Perante isto o homem absorve-se.

Terrificante sociedade

Terrificante e reles sociedade
Que vives num artifício fraudolento de ti
Dominada por uma vital manipulação da realidade
Sinistramente só e ausente de sentir.
Num confronto problemático com a existência
Encaras a extinção completa da alma
Como uma sentença inquestinável.
Estranhamente digeres a matéria da vida
E aceitas drasticamente a chuva de fogo
Que queima o pórtico frontal do Humanismo
Numa explícita debilidade hereditária.
Aniquilada e adaptada, a inconformação é,
Um macabro e obcecado parecer sem ser.
Converteste o homem numa criatura de estábulo
Pitorescamente ruminando palha
Com o cérebro apoiado em porcaria lamacenta
Alagado em fantasias mas seco de si
Perseguindo caminhos vazios e nebulosos.
Contente e cego pela bengala da ilusão
Arremeda aniversários metamorfoseando-se em senilidade
E como um fero gerador de quimeras vozeia abastanças de amor
Mas os seus lábios verbosos expelem astúcia e trapaça.
E eu,como um lunático da fraternidade
Desacreditado destas fés tenebrosas
Esbracejo fortemente numa jangada de nojo
E instalado numa mantilha de solidão palpável
Vomito palavras propositadamente estúpidas
Rancorosas, ásperas, fósseis e abundantes de sílabas
Gritadas para que originem
Dramas e chagas nos ouvidos de quem me escuta.
Eu renego estas vidas assombradas
Fecho-me no meu casulo sideral
E agoniado parto para o meu espaço cósmico.

O desemprego da alma

Sou como um desempregado da alma
Condenado ao castigo dos sem trabalho
Cavo de sonhos como uma coisa vazia
Cansado de ardis perniciosos
E encharcado de experiências inúteis....
Os dias compulsivamente rotinados
Tornam-me as ideias vazias e irascíveis.
Por ver escrito em muitas faces
O estratagema raposino da falsídia
Municio-me de insultos impossíveis
Para responder com sanha ardente
À escória da indiferença colectiva.
Simbolizo com nojo a míngua de prazer que a vida é
E para que a minha alma não desista de mim
Invento ousadias temerosas de querer
Pois só assim a força de continuar
Não se submerge na fraqueza da derrota
E não se transforma num tumor desconhecido
Que incha de descontentamento
E faz as ideias entrarem em desarmonia
Traçando no cérebro imagens distorcidas
Que ignoram o prefácio da existência
Anunciando conjecturas indifiniveis
Para o não futuro deste homem
Carcomido pelo gorgulho dos dias.

Desobrigado de todas as pulsões

Desobrigado de todas as pulsões
Procurando fugir ao desconsolo
Causado pela imensidão de uma angústia celeste...
E pelo espaço cósmico que pressinto, mas que nunca verei
Distraio-me com a árvore plantada em mim
Sinto-a desesperar de ausência
Vejo irromper o tédio escondido na toca cavernosa
Nos ramos as folhas utópicas
Secam e caem como as palavras ditas.
Acedido por um raio de luz absorvente do meu ser
Com os pensamentos ulcerados de assombro
Alucinadamente rego aquela árvore com ilusões
E sento-me... esperando,esperando, esperando........

O miolo da alma

Com o miolo da alma desarrumado
Deitado no meu quarto e perdido em mim
Vi a sinopse da minha vida
Como uma peça de teatro
Representada na parede em frente...
E o meu corpo transparente despertou do marasmo.
Ao som das trompetas do anjo Chamador
Apareceu o Deus desumano
Então... com tolerância e resignação percebi
que não pertenço à categoria dos imortais.

Numa serena solidão

Numa serena solidão
Caiu-me no colo o bafo inútil da fé.
Vi na face turva das preces
A borrasca peregrina que perturba o mar imaculado.
Aprendi que a intolerância da razão
Mata o sonho da liberdade
E traz reminiscências de clausura.
Vi na luz radioctiva a mudez estupefacta da face incendiada
Conheci a saudade esmagadora
Olhei perplexamente o bem e o mal...
Fechei-me com uma chave enferrujada...
E com meticuloso propósito enterrei-me no meu cerne
E mirrado de expressão e vida
Fiquei como um fóssil numa paralisia orgânica.
Transformei-me numa crisálida
Num apoucamento de mim próprio...
E assim me guardei para futuros dias menos sombrios.

Na mesa do saber

Na mesa fantástica do saber
Degluti sobremesas de explicações
Teses ridículas de filosofias salvadoras
Linguagem plástica de desequilibrados
Feita com a retórica desértica dos insignificantes
E tornei-me uma moldura gritante de ironia.
Ergo o copo e brindo às bifurcações da alma
Ao desassossego aprendido com o espanto
À resina colante do minuto irrepetivel
Aos sonhos alienígenas gotejados
Pelo funil das visões hilariantes e ilógicas.
Brindo à severidade esquálida dos miseráveis
Ao filme mudo e palavroso das acções.
Visto-me de atitudes inconvenientes
E enfadado pela banalidade impertinente
Uso solenemente um fato de barata negra e,
Sento-me num anfiteatro de bancos ásperos
Para assistir ao Sisifo acto da vida
E à petreficação do homem.

Acordei com papos negros nos olhos

Acordei com papos negros nos olhos
E com a cara lavrada pelas rugas
Sentindo-me velho e gasto.
Empanturrado de espanto
Perante histórias infandas e escarniosas
Subiu-me a vontade de vomitar.
Olhei-me ao espelho... tinha o olhar ignorado
Como qualquer coisa quimérica.
Abarrotado de designios tétricos
Quis fugir desta floresta morta
Feita de ruas veladas e inundadas de escárnio
Onde abunda a selva das ideias feitas.
Friccionei a testa onde germinavam
Como num dilatado espaço de razões
Os frutos verdolengos de uma paz insana.
Olhei a infância em retroespectiva
Procurando excretar sentimentos dolorosos
Ouvi-me gemer como se transportasse alguém
Feito de coisas pesadas e gastas.
Os pensamentos desocupados
Eram senhores da odiosa verdade
Olho-me ao espelho onde não estou
Mas onde está a minha imagem que não vejo