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folhasdeluar

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O miolo da alma

Com o miolo da alma desarrumado
Deitado no meu quarto e perdido em mim
Vi a sinopse da minha vida
Como uma peça de teatro
Representada na parede em frente...
E o meu corpo transparente despertou do marasmo.
Ao som das trompetas do anjo Chamador
Apareceu o Deus desumano
Então... com tolerância e resignação percebi
que não pertenço à categoria dos imortais.

Numa serena solidão

Numa serena solidão
Caiu-me no colo o bafo inútil da fé.
Vi na face turva das preces
A borrasca peregrina que perturba o mar imaculado.
Aprendi que a intolerância da razão
Mata o sonho da liberdade
E traz reminiscências de clausura.
Vi na luz radioctiva a mudez estupefacta da face incendiada
Conheci a saudade esmagadora
Olhei perplexamente o bem e o mal...
Fechei-me com uma chave enferrujada...
E com meticuloso propósito enterrei-me no meu cerne
E mirrado de expressão e vida
Fiquei como um fóssil numa paralisia orgânica.
Transformei-me numa crisálida
Num apoucamento de mim próprio...
E assim me guardei para futuros dias menos sombrios.

Na mesa do saber

Na mesa fantástica do saber
Degluti sobremesas de explicações
Teses ridículas de filosofias salvadoras
Linguagem plástica de desequilibrados
Feita com a retórica desértica dos insignificantes
E tornei-me uma moldura gritante de ironia.
Ergo o copo e brindo às bifurcações da alma
Ao desassossego aprendido com o espanto
À resina colante do minuto irrepetivel
Aos sonhos alienígenas gotejados
Pelo funil das visões hilariantes e ilógicas.
Brindo à severidade esquálida dos miseráveis
Ao filme mudo e palavroso das acções.
Visto-me de atitudes inconvenientes
E enfadado pela banalidade impertinente
Uso solenemente um fato de barata negra e,
Sento-me num anfiteatro de bancos ásperos
Para assistir ao Sisifo acto da vida
E à petreficação do homem.

Acordei com papos negros nos olhos

Acordei com papos negros nos olhos
E com a cara lavrada pelas rugas
Sentindo-me velho e gasto.
Empanturrado de espanto
Perante histórias infandas e escarniosas
Subiu-me a vontade de vomitar.
Olhei-me ao espelho... tinha o olhar ignorado
Como qualquer coisa quimérica.
Abarrotado de designios tétricos
Quis fugir desta floresta morta
Feita de ruas veladas e inundadas de escárnio
Onde abunda a selva das ideias feitas.
Friccionei a testa onde germinavam
Como num dilatado espaço de razões
Os frutos verdolengos de uma paz insana.
Olhei a infância em retroespectiva
Procurando excretar sentimentos dolorosos
Ouvi-me gemer como se transportasse alguém
Feito de coisas pesadas e gastas.
Os pensamentos desocupados
Eram senhores da odiosa verdade
Olho-me ao espelho onde não estou
Mas onde está a minha imagem que não vejo

A poeira alucinada da catástrofe

Por entre a poeira alucinada da catástrofe
Vi o embrião da agonia do ser
E o esbanjamento humano e terminante
Do discurso atolado num mar de contradições.
Impregnado de reminiscências em vias de desintegração
Com os alicerces carcomidos pelas teses filosóficas
Voltei-me transcendentemente para as estrelas
Esperando encontrar uma alucinação de imortalidade.
Faltou-me a concepção espacial do individuo,
E perante a certeza perene do findável
E de que não passaremos incólumes pela vida,
Descobri que não temo a tragédia.
Convoquei as adversidades pelo nome
Arremessei a minha dúvida sobre a terra
E devorei voluntariamente as ideias,
Depois expectorei os sobejos num delírio insano.

discurso tóxico

Disfarçados por um irradiante discurso tóxico
Expeditamente falam com afectadas mimicas
Enquanto nós...com uma sensação de nevoeiro
Embrenhados numa resignação imbecil
Não descortinamos a argúcia manhosa dos raposos
Vivendo apenas com a excelsa aspiração do ápice final.
Afrontando a vida como um infortúnio existêncial
Somos como mediadores erráticos de perplexidade
Pulpitando numa retórica indigente
Sobre a miséria e a penúria.
Vendados pela estatística da mentira
Vamos sobrevivendo assim até ao dia, em que,
Se finarem os homens crédulos
E como num vendaval de raiva impensada
Abandonem os seus latíbulos de ideias amolgadas
E com feroz arremesso soltem as suas velas
Feitas de miséria e desconsolo
E num ritual de sangue escorrente bebam a libertação
E estendendo o seu braço indicando uma nova direcção
Não mais se espojarão no gasto rumo da miséria
E ungidos e íntegros renascerão em igualdade....

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