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folhasdeluar

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Porque não tenho sonhos.

Tenho todo o universo perante mim
Como uma praia deserta
Esperando a marca do meu pé na areia.
Recreio-me nessa visão sem fim
Porque não tenho sonhos.
Os meus sonhos incendiaram-se...fugiram a galope...
Cavalgando uma nuvem com asas de anjo,
Foram em todas as direcções...
Restam-me as vibrantes e sinistras palpitações da alma.
Sigo-as nesta estrada a grande velocidade,
Persigo-me..mordo os meus calcanhares...
E como tenho um olhar insano e magro
Poisado num rosto alucinado
Os meus olhos deitam chispas
Como um comboio a lançar faíscas nos carris.
Ganho asas... ganho uma vida em segunda mão
E lanço labaredas como quem abre caminho
Em direcção à fonte da vida...
Não me detêm as cidades..as pontes...as serras...
Sou chuva miudinha...vento lamentoso...um êxtase ignorado...
E ensaio uma dança ardente,
Enquanto me vou dissolvendo em fumo...
Dispersando-me no ar!

Rodeados por miragens de esperança

Seguimos pelo trilho da vida
Rodeados por miragens de esperança
Procurando oásis que sequem a nossa sede.
Erguemo-nos todos os dias
Para vasculhar no lixo o cadáver do sonho
Como recoletores de sentimentos perdidos...
Sujamos a alma com coisas vazias...
Somos corpos sem cabeça...
Esgrouviados e sujos por coisas que desconhecemos...
Somos como esqueletos de automóveis
Enegrecidos pela ferrugem...
Objectos sem sentido nem utilidade...
A vida é como a merda de cão no passeio
Que pisamos sem saber...e...de repente...cheira mal.
Somos o resultado do acaso...do querer de alguém...
Seríamos nós se a nossa mãe tivesse engravidado noutro dia?
Mas...embora carregando todas as dúvidas
Quotidianamente saltamos os dias...
Como crianças a saltar à corda...alegremente...
De vez em quando..lá vem o cansaço...a decepção...
Mas o futuro continua lá...à nossa espera...
E... esperando sempre a chegada...
Da Luz que vem iluminar o mistério...
Não nos rendemos à desistência!

Sou a memória tudo o que me aconteceu

Sou a memória tudo o que me aconteceu
Ao entardecer...abro a minha janela e,
Espalho essas memórias alegremente
Para dissolver no ar a minha loucura.
Espalho-as com quem semeia trigo...
Às mãos cheias...
na minha janela vive todo o tempo do mundo!
Sem tédio nem obrigações...
Sou o louco da janela...
Mas é lá que liberto a cabeça de todas as coisas inúteis,
É lá que agradeço os revés da vida...
O cansaço do mundo...
O tempo desperdiçado em nadas..
Os anos de silêncio...
A vida cheia de vazios que já não cabem em mim...
É lá que me acalmo...
Na minha janela nada me incomoda!
A insónia é bem vinda...
O sono...
É como um fumo ou um nevoeiro onde não me quero perder.
À minha janela não sinto saudades!
As sombras do passado são vagas que já morreram na praia.
E eu...sou a maré que vai enchendo a noite dos sonhos...
Nunca saio da minha janela...
Porque nunca posso abandonar a minha alma!

O mostruário da vida

No mostruário inicial da vida
A morte não ocupa espaço
A morte é algo impensável...
É como um corpo desconhecido que vive no nosso corpo,
Não nos preocupa...é invísivel ao pensamento...não nos afecta...
É uma coisa longínqua, que,
Na realidade nem sabemos bem se existe.
Somos jovens...felizes... imortais...
Apenas queremos viver!
Mas...um dia...sem saber como...
Repentinamente surge-nos o cavaleiro do apocalipse
E a nossa própria morte torna-se palpável.
A morte passa a viver connosco
É como um paisagem ofuscante
Determinando a meta do nosso futuro.
Questionamos a vida por causa da morte
Perguntamos ao mistério qual o significado
Mas a resposta é muda...e continuamos..
Mais uns anos e estamos decrépitos...gastos...
E para nossa surpresa deixamos de pensar na morte...
Ocultamos essa visão...
Porque sabemos que está tão próxima
Que não a queremos olhar
Estamos cansados...maçados...
E voltamos o olhar para outras paisagens.
Contemplamos então a natureza...
Com o olhar mirrado, mas cheio de luz...
Vemos as flores e as árvores
O belo porte do carvalho, o aroma do pinheiro,
Percebemos que nem sempre estiveram ali,
E que um dia também morrerão.
Percebemos como é estúpida a imortalidade,
Que a vida é uma maré sem peixe
Que a nossa rede é oca e ilusória...
Afinal o peixe somos nós...
Somos que que nos temos que pescar..
E... quando comparamos a nossa vida
com a imortalidade...
Deixamos de nos preocupar com a morte
Afinal temos a nossa janela,
De onde observamos as crianças a brincar...
Aí percebemos que tudo recomeça...
Não há imortalidade...não há vida...
Apenas existe o viver!


 


 


 

Escalei a montanha com vista para a fantasia

Escalei a montanha com vista para a fantasia
Contemplei a minha existência fugidia
E encontrei no vale do engano...ao longe..
Um homem com os sonhos gadanhados pela desilusão...
Aconselhei-o a subir comigo,e,juntos...
Vimos que havia terras e coisas sem fim
Vidas variadas que podíamos viver
Tanto mundo...tantos mundos...
Desci convencido que tinha encontrado a liberdade
Descobri que a poesia tudo abarca...
Que o poeta vive num delírio excêntrico
E que pode acumular em si... tudo o que faz viver,
Todas as sensações...e, ao mesmo tempo,
Passar na rua e ninguém perceber o que carrega...
O poeta é como um ilusionista condenado
A levar o sonho na cartola
Como quem carrega uma inspiração insensata...
Soube depois que podia abrir o peito ao mundo,
E que o meu peito era como um fosso onde cabiam todas as coisas...
E que teria que ressuscitar milhões de vezes
Para poder viver todas as vidas que possuo!

O Homem é tudo aquilo que testamenta aos outros!

É um palco descomunal...é a vida á nossa espera...
Enorme...como um céu infinitamente branco
Que um solitário sol colorirá...
Temos uma peça grandiosa pela frente...do tamanho da vida...
Só que não há tempo para ensaiar o nosso papel...
Improvisamos... e,
Por vezes acontece estarmos a seguir um guião
Que não faz parte do nosso espectáculo...
Mas...continuamos...e sabemos porquê...
É que o homem é mais que a peça que representa ...
É mais que o corpo que arrasta as pernas...
O homem é emoção...é obra..
O Homem é tudo aquilo que testamenta aos outros!

A minha primavera

Amanheço encandeado de poesia
onde achava antes árvores desprovidas,
os ramos estonteados em invocação
consignam agora flores e folhas de magia.


Este concerto que escuto,são os pássaros,
que produzem uma rara sinfonia,
e os trinados são elegantes galanteios
cativando fêmas por ruas e terraços.


Nessa manhã serena em que efluia
essa sequência de cores e gorgeios
eras a diva de uma ária celebrada
perfumada de alecrim e maresia.


O perfume que os meus sentidos enchia
eram essências raras de plantas matinais
o ar estava saturado de aromas especiais
e eu não podia mais conter a alegria.


Plantado estava eu à tua espera
e chegaste num momento tão divino
como um sol que rúbio de fogo explodia
ou não fosses tu... a minha primavera.

Voando com os pássaros alucinados

Acordo zangado com as reminiscências que quero esquecer
Que me fazem remexer nas decepções de um tempo estranho.
A penumbra traz-me coisas desse passado que me incomoda
Desse tempo esquecido...
Desse tempo dissipado e longínquo...
E que agora ondula na minha mente
Como um lapso de tempo desfeito...
Como barcos esquecidos à deriva e que agora querem ancorar ...
Mas eu sou um náufrago sobrevivente
Que quer aliviar-se do eu antigo
E que procura aprovisionar-se com novos sentimentos
Porque está obrigado a permanecer sobre os campos
Voando com os pássaros alucinados.