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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Gentis pensamentos cortam os ares...

Uivam os cães... perante as vénias carcomidas dos loucos
Gentis pensamentos cortam os ares...
E um violino taciturno murmura poemas que rangem de encontro às portas...fechadas...
Como se tivesse pressa de encantar o céu...ou de poisar nos prados...
De onde...subitamente...aves negras se elevam...num voo ilimitado
Para além das terras e das árvores...que o tempo habita
Como se fosse uma criança...com todo o futuro dentro de si...
Usando uns olhos profundamente sonhadores...que correm pelas montanhas...
Onde jazem abismos entorpecidos...pelo marulhar do mar...
E é nessas montanhas... que no cimo são habitadas por uma pequena casa...
Que vive o nosso amor..recluso...

Veste o teu vestido...deslumbra-me...

Que sombras restariam de mim se a lama comesse a minha alma?
Que flores inocentes floririam sobre os meus cabelos de prata?
Que vaidades a vida faria perante a maré ...cheia de lua...mas vazia de mim...
E os afectuosos espectáculos matinais esperariam pelo sol?
E os desejos..doces...perturbadores...ficariam a pairar de alegrias
Nas copas das árvores prostradas pela secura das lágrimas?
Diz-me secreto grito aspirado pelas minhas profundezas
Responde-me obscuro sonho de liberdade...
Veste o teu vestido...deslumbra-me...
Porque eu sei que a manhã com os seus profundos tons laranja
Virá assediar-me a abandonar este encantamento...caprichoso...
De onde não pretendo sair...

Dentro das minhas olheiras negras!

Oh vaidade da carne lavada em sombras...
Tu que tudo podes e tudo queres...dá-me o sabor da perversidade
Deixa-me passear na noite do teu jardim...
Deixa-me ser o ágil leopardo de olhos profundos...
Que escala a tua pungente muralha de sonhos vagos
Deixa-me ser a manhã graciosa..que acorda nos teus lençóis de linho branco
Deixa-me ser o teu obscuro raio...que de tão fulgurante perdeu a luz
Na secreta noite assediante e caprichosa...em que guardei o teu corpo...
Dentro das minhas olheiras negras!

As mulheres de Botero

As mulheres de ventres altos e coxas volumosas...
Modelos de Botero...angelicais...tempestuosas....belas
Ocupando o pedestal sagrado da criação...
Têm qualquer coisa de princesas...de fogueiras...de calor...
Têm espessura e alma...meninice e candura...
Emitem uma radiação silenciosa...
Que me arrepia como uma música cristalina...

Fosse eu um vidente desenfreado...

Luzes profundas iluminam os ermos onde passamos
Lugares onde vivem as coisas...transparentes... como flores sem seiva
E onde os gritos que damos...mudos... não ecoam para além de nós
Entras em mim como uma noite esgotada...
Sou um pobre cavalgando uma onda fugaz...hesitante...como uma corda bamba...
Cansada de te ver... de olhos fechados...e de tantos equilíbrios precários
Que se abrem em breves portas... onde se abraçam mulheres e se beijam cabelos...
Tivesse eu uma voz forte...e tu estarias à janela...
Tivesse eu um riso ligeiro...e tu dançarias... com a tua meiguice encostada a mim
Fosse eu um vidente desenfreado... e rolaríamos nos campos doirados
Mas...sou um fogo silencioso...que arde...
Sem tu dares pela minha presença...

Iludidos pela eterna fonte vaidosa...

Se eu pudesse despedir-me do meu corpo e viver de pensamentos
Se eu pudesse lavar o coração com quase nadas..
Se eu reservasse para mim o espectáculo melancólico da verdadeira alegria
Talvez o tempo voasse...como uma flor feliz por ter murchado...de desejos
Iludidos pela eterna fonte vaidosa...
Por onde o destino escorre insaciável e deslumbrante
Como um bicho de olhos profundos...perturbadores
Postos num perfume de carne florida...
Que uma primavera vaga e pungente...guarda em si...

Os dias são corredores...cheios de escadas infindáveis

Que obscenos e sagrados...nos erguem as tempestades
Que nos aqueçam...como aquecem a lama vermelha nos dias frios
Que nos arranhem para as sentirmos através da pele...
Que nos entre nas papilas... que se levantam com a excitação...do sabor a fel...
E nos arranquem os cabelos... que se eriçam-se no corpo
Como ventres prenhes e ardentes...
Que nos interessa a vida...se é a morte que nos conduz...
Que nos interessam as formas...se seremos etéreos...
Queremos nós lá saber de energias positivas...se somos vidas negadas...
Quando tudo é agressivo... quando a melancolia nos cobre os olhos
Quando o tempo não é uma surpresa rara...mas um coração egípcio mumificado
E os dias são corredores...cheios de escadas infindáveis
Onde... suceda o que suceder...no cimo
Teremos o Inverno com que sonhámos...

Eu...os loucos...e risos até às lágrimas

Tenho um Karma com loucos, se eu me encontrar num local onde entre um louco já sei que virá ter comigo. Isto vem a propósito, ( e já não é a primeira vez), de hoje ter passado ali junto ao Miguel Bombarda e há sempre por ali umas personagens que me cativam, gosto de loucos e depois? Gosto de todos aqueles cuja engrenagem está um bocado emperrada...hoje o louco veio ter comigo e eu parei(como sempre faço quando a loucura vem ao meu encontro) e perguntou-me se eu queria a sua opinião...disse-lhe que sim e preparei-me para a ouvir, mas...ele tinha o disco riscado só repetia aquela frase...segui o meu caminho. Este meu respeito pelos loucos deriva do facto de ter tido um amigo que era esquizofrénico, ele fazia tratamento mas por vezes recusava-se e a coisa descambava e era precisamente nessa altura que eu mais gostava de falar com ele. Ele falava muito e um dia perguntei-lhe se não se cansava, ele respondeu-me que tinha que estar sempre a falar porque tinha um gajo dentro da cabeça que quando ele se calava o estava sempre a chamar de cabrão, filho da p...., vai pó c.....alho, e quando ele falava o outro calava-se para o ouvir. Fiquei a pensar que talvez sejamos todos esquizofrénicos, porque todos temos um gajo, ou gaja, na tola a falar connosco, só que o nosso não se manifesta...ou...manifesta??? Não sei!
Ma a cena mais louca que eu tive com ...um louco, passou-se no comboio e foi assim: entrei no comboio em Santa Apolónia sentei-me, havia vários lugares vagos e entra um tipo com um ar alucinado, senta-se ao meu lado...entram mais pessoas, esgotam-se os lugares e o louca entabula conversa comigo, eu retribuo...o comboio arranca e ele diz-me que tem uma coisa dentro de um saco que trazia com ele, saca de um instrumento musical(não sei o nome) era um daqueles tipo flauta mas em vez de buracos tinha teclas, e quer por força que eu toque, as pessoas começam a esboçar sorrisos, eu...estava na maior e lá convenci o louco de que não sabia tocar, se não sabes tocar olha...vamos ver umas revistinhas, tenho aqui queres ver? Disse-lhe que sim, ele mete a mão no saco e tira duas revistas...pornográficas...escabrosas...eu nego-me a pegar na revista e ele...se não queres ver a revista eu mostro-ta e vá de a folhear para eu ver...gargalhada geral...tudo a rir e...eu também...até às lágrimas...

Como um pêndulo....gasto pelo pó da vida!

Escorre a água na bica...suavemente...
Um banco de pedra assiste...tronco deitado sobre quatro pés...
E jorram acordes dessa água...como notas de piano
Pequenas gotas saltam... incólumes.. do volume contínuo...que arrasta a transparência.
Profundamente ensimesmado...encostado a si...
Um homem dedilha a vida...e oscila o pescoço...
Para trás e para a frente....como um pêndulo....gasto pelo pó da vida!

Como anjos inacabados....

Impaciente e austero arrasto-me pela terra negra
Como as folhas sem Outono ...sussurrantes e melancólicas....
O vento leva-me...para onde os homens não vão
E o meu olhar... como uma lamparina esvoaçando pela noite...alumiando-a
Cresce sobre a terra como um grito pesado...
Ou como um arbusto perdido na multidão ...
E eu...que sou o coveiro sepultado por Deus
Que sou a enxada nas asas de um pássaro
Que sou uma flor bravia...como uma alma a correr pelo céu
Sei que a terra é o ninho que nos acolhe...
E que todos estamos cheios de céu...
Que todos estamos fartos desse imenso sepulcro...onde Deus vive...
E...na terra onde as cruzes são feitas de lírios roxos e de chagas... do Homem...
Embalamos sementes de crianças como futuros sem nexo...
que depois erguemos...como troféus...ou como flores profanadas...
Através desses abismos escuros...que não suportam o peso da noite.
E se afastam de asas estendidas....como anjos inacabados....

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