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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

A anunciar a rendição a um novo tempo....

Não sinto a agonia da encruzilhada onde desfaleceram os risos
Não sinto sobre as minhas pernas o peso de uma afeição aniquilada
Agora sobra em mim o descanso que gorgoleja sobre o vento
E do fundo das enormes noites perfumadas chegam-me palavras de paz...
Nada perdemos...apenas nos perdemos...
Não há saudade angustiada...preservada numa fotografia em sépia...
Apenas uma bandeira branca eriçada sobre os meus ombros...
A anunciar a rendição a um novo tempo....sem tempestades...

Dias em que as bonanças seriam irmãs dos paraísos...

Já não sinto a água que espumeja pelo teu sobrado de ébano
És...como se fosses um piscar de olhos.. um fogo de que já só resta a cinza...
Ou uma precipitação extravagante...uma inutilidade...
Um sinal gratuito que o vazio esfarelou da minha mente...
Os teus risos impulsivos já não me tocam...
Porque estabeleci um tempo...e o teu silêncio aclarou-me o olhar
A tua constante contradança mostrou-me que as afinidades se perdem
Que a curiosidade escasseia...que o silêncio é uma cortesia...
E que do vazio que se cria... se pode fazer um desencontro
Porque não há nada que da terra eriçada de lugares absortos e ausentes
Não possa renascer...
Mas da semente enterrada em terra árida...
Apenas podem frutificar olhos marejados pelas brasas irónicas
De quem não quis mais que amarrotar os dias em guerras...
Dias em que as bonanças seriam irmãs dos paraísos...
E os dias felizes... um achado terno e sedutor...

Cessam então as excêntricas mágoas libertadoras...

Enquanto te mostram a castidade exposta numa deslumbrante travessa de prata
Os sinos tocam como crianças que devoram sepulturas...
Numa extensão de tempo sem estilo nem piedade...
O dia ainda não saiu das cavernas e já te aflora a vertigem das coisas tristes
Deslumbras-te com esses dias em que não sabes quem és
Desagregado como uma flor que não sabe de onde vem...
Porque o presente é uma poesia tóxica...insolúvel...um enjoo de fé...
Excêntricas sombras te protegem...desse caldo infame...dessa cadência pudica...
Desse espaço repugnante e açaimado...devorador de corpos e de fúnebres desejos...
Enquanto uma vaga camisa de cambraia ondula no segredo de um leito amado...
Como uma trémula iluminação do espírito...ou um espaço onde não cabe mais nada..
Cessam então as excêntricas mágoas libertadoras...
Os aflitos pensamentos caem de joelhos na laje fria e de fortes matizes acastanhados
E uma dolorosa pureza desce dos céus...e disseca-te num extremado arrepio...
Como se fosse um compasso de música celestial...
Ou uma sonata interpretada no maravilhoso corpo nu.. de uma mulher omnipresente...

Como se fossem agonias de candeeiros apagados...

Nada me impedirá de flutuar sobre a paz eterna...como se fosse um vestígio encoberto
Pois sou feito de uma sibilante futilidade que se derrama pela noite imóvel
Onde o meu brilho vago desperta vozes atrevidas...vorazes e pesadas....
Como gargantas enroscadas em gelo...ou em leitos arrepiados...
Pois são minhas todas as possibilidades...todos os andrajos...
Assim como são meus todos os fantásticos lábios que me pesam no corpo
Liberto-me em convulsões de vómitos gelados...demoníacos...sinistros...
Que me apontam luzes sulfúricas...de um esplendor agudo e pesado...
E que me fazem vomitar distracções de corpos sólidos...
E que me fazem chegar às narinas vapores sufocantes de sonhos prolongados...
E que me fazem estremecer como brasas escorridas sobre água escura...
Porque estou deitado numa cama de presságios... de onde saem rugidos...
Como se fossem agonias de candeeiros apagados...

Como um pátio que se iluminasse de escuro...

Nos dias em que o dia se torna na nossa cela...
E os minutos são pombas a voar sobre gestos bruscos
Nos dias em que as árvores morrem sobre as pedras febris..queimadas
Por um penoso sol que se derrama como insustentáveis flores brancas
Nesses dias sabemos que somos sempre o mesmo...
Sabemos que não temos idade..que temos todas as idades
Como uma pedra sem brilho ou um calor de rachar...
Somos esse calor que vem do princípio de tudo..
E que se derrama sobre nós de costa a costa...de brisa a brisa...
Como um pátio que se iluminasse de escuro...
E que escurecesse o planalto onde residem os nossos desejos...
Febris e inconstantes como uma pele transparente e sonolenta
Ou imóveis como um mar parado sobre um chão desumano...
Porque das nascentes de águas gritantes...sai poeira que cobre o nosso corpo ansioso
Então..mergulhamos a pique...nesse brilho triunfador...nesse silêncio imóvel...
Nessa respiração abafada...porque simplesmente já não sabemos respirar..
Já somos o cabo sem esperança..boa ou má...
Já somos como uma flauta sem orifícios...com o som sufocado pela areia ofegante...
Que nos cobre os olhos...como se fôssemos simples danças azuis...
Ou como se fôssemos uma geada de fogo atiçada pela crista das ondas...
Que nos submerge em dóceis delírios...em canduras de criança...
Em abafados e esquivos amores...a que chamamos distâncias...

Chegou o tempo do silêncio....

És a aragem que ainda sopra das palavras escondidas
Tu não estás...apenas a tua cabeça persegue a minha imprecisão
Podes esconder a tua farsa...os teus esforços são o que nunca saberás...
Estarei sempre na tua cabeça...porque provaste o cheiro que te abriu as asas...
Nunca me saberás descrever...serei sempre o teu hífen...
Ou cepo onde porás a cabeça translúcida e alucinada...
Serei o teu resto de luz..diluído...porque nunca saberás quem eu sou...
Esquece o nome...ele não existe...apenas habita o corpo de outro...
Mas de ti...eu conheço perfeitamente o teu covil...a tua toca...
Prescindo agora de todas as palavras...chegou o tempo do silêncio....

 

 

 

 

Em todas as vidas há pombas que olham imóveis as águas claras

Em todas as vidas há pombas que olham imóveis as águas claras
Em todas as vidas há olhos brilhantes...febris...esmagadoramente insustentáveis
Sobre todas as vidas chove luz e rochas...
Como se fossem estilhaços de um rumo perdido...ou um penoso ofegar da areia opaca
Onde silenciosos lilases despertam num êxtase triunfante e abafado
Em todas as vidas há véus..duplos silêncios intransponíveis...


Fechados sob um céu fresco
Todas as vidas desejam encontrar a espada...a chave...o espesso mistério...
Que lhes abra a fresca nascente onde a chuva bebe o seu murmúrio
Podemos calar-nos perante o ar imóvel
Podemos respirar a embriaguez das ondas
Podemos viajar pela atmosfera azul...inflamada de vagas esperançosas...
Podemos dançar como triunfadores...ou como luzes desgraçadas...
Podemos retesar o corpo...torná-lo um mundo fechado num minuto...
Mas do chão erguer-se-á sempre o fumegante dia...
Erguer-se-á sempre a extenuante âncora que nos prende à vida
Como se alguém imprimisse fortes pancadas na nossa porta...
Ou na nossa alma...

Como um banho de mar

Uma recordação venenosa veio desaguar no meu coração
Deixei-a tombar como um corpo vazio...pronto a encher-se de um dia claro
Percebi nela...um desequilíbrio nascido de um delírio crispado
O dia era uma onda a inundar-me...a inchar-me todo por dentro...como um banho de mar
Vesti essa recordação como se fosse um fato delicado...de homem livre...e parti...

Somos como lamentos fundos...

Somos conduzidos por pássaros de fogo através das noites inocentes...
Seguimos curvas oprimidas que desaguam em cegos verões rolantes
Somos como lamentos fundos...cansaços pronunciados...camisas engomadas...
Escutamos nos ruídos familiares...a obscuridade do tempo...
E seguimos o nosso coração...que nos traça um itinerário de assassino...
Como se apregoasse um cansaço ambulante...ou como um homicida que fala sozinho...
Cristalizado...confundido pelos patéticos tempos que ecoam sob uma luz crua...sombria
Destoada de ar... atravessada por imagens amarelecidas de tempos delicados...
Conservadas num recanto como carícias abandonadas...
Que sobem todos os andares da alma até se despejarem nas ruas...
Crispadas por atentados.. .mas livres!

Bolhas que caem a pique sobre o brilho do mar...

Sopro beatificamente a minha insustentável alegria
Cai sobre mim a luz que domina a sonolenta manhã...
Como se fosse uma música soprada por uma flauta de água...
Do meu peito rebentam estilhaços de prazer...
Bolhas que caem a pique sobre o brilho do mar...
E uma embriaguês de sol e água inunda os meus olhos repassados de maresia
Agora que a tua fonte perdeu a auréola que me cercava...
Agora que o triunfo da luz abafou o teu brilho opaco...
Agora....recomendo-te aos passantes...aos silêncios...e aos pássaros
Só não te recomendo a mim...que passei por ti ofegante ...fechado num chão cego...
Pelos dias em que murmuravas...sob as árvores...abafados hinos de prazer...

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