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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Sobre a pureza rara das perguntas

Vivemos com tantas incertezas na certeza incerta dos dias
Que os gestos inúteis correm como insectos excessivos
Sobre a pureza rara das perguntas que a noite sem brilho...faz ainda mais cruas
Desfazemos os olhos...desviamos os olhos...esquecemos as caras...
Comemos os lábios...desdentamos os choros..e pouco a pouco....
Somos um novelo de rugas disformes...num rosto que espreita os dias...
Abraçamos uma máscara fantasma...e cobrimo-nos de incómodos,,,
Para unicamente traçarmos uma vertigem nas ruas cinzentas...
Temos realidade? Pergunto...temos realidade?
Surgem dias... das manhãs...em soluços de luz...
Cada objecto ganha olhos...observa-nos extasiado...a nós...seres sem qualquer préstimo
Os objectos servem-se de nós...damos comida aos pratos...vinho aos copos...
Somos os escravos dos objectos...os vigilantes de um ninho de minutos...
Somos umas linhas que se escondem nas curvas das veredas... rodeadas de ciprestes
Cheiramos a insectos...a bocas desdentadas...a olhos calvos....
Esfregamos as mãos para distrair os dedos...que querem tocar em seres celestiais...
E pouco a pouco a nossa intimidade deprimida...pela vigília do tédio...
Transforma-se num desenho sem brilho...
Transforma-se num dia sem portas...que nos irrita os olhos cansados...
Queremos terra...o corpo pede terra...colinas...céus....palavras atiradas à cara...
Depois queremos tréguas...ervas...gestos luminosos....
Melodias que escorram pelas paredes...cantos de aves...queremos sempre o mesmo...
Queremos a escada ...por onde as lágrimas por mais grossas que sejam...
Escorram em direcção ao sol... que depois as seque
E que nos afague com o seu excessivo brilho... que nos estremeça os olhos
Quando o nosso coração principia a aquecer...tão naturalmente...
Como uma voz que nos chega soprada pelo vento...
E nos diz que é inútil...que é sobre-humano...
Tentar comover o céu com as nossas lágrimas...

Os cheiros entram-nos pelas vidraças... nas noites brancas...

Vagueio rodeando a periferia dos sentidos...projecto uma sombra inútil
Nego-me a dizer que a verdade é uma conquista...ou algo que uma ave papagueia..
Não há fórmulas para vestir um corpo nu...nem prazeres que o coração não sinta...
Cada silêncio tem a sua pureza...a sua verdade...o seu ângulo...
Cada paixão tem sempre uma porta...um absoluto...uma conquista...
Cada realidade é uma enorme incerteza...uma negação...uma tenaz...
Uma tenaz que nos leva a mover o corpo em direcção ao sentir...
Privados...somos corpos privados...de nós...
Mas de corações abertos e crivados de dores
Intimamente cheiramos a sal...salgados...somos salgados e irreais...
Sensíveis...também...mas de uma sensibilidade que não pára de perguntar
Se a pureza é crua...se faz mal aos olhos....se é uma nesga nas nossas rugas...
Os cheiros entram-nos pelas vidraças... nas noites brancas...
A vigília torna os suspiros raros...como se nos despíssemos da solidão...
O sol levanta-nos de acordo com a sua lei...
E nós encostamo-nos às paredes para equilibrar o corpo...para não fazer sombra...
E...como marginais... comemos as flores encantadas...
Que sempre nos esperaram nos jardins...

Até que as mariposas voltem a cintilar....

Invade-me a nostalgia de um tempo que não sei
De corpos que fui...de corpos que despi....vergando os dias sem nome
Invade-me a nostalgia de um tempo cheio de enigmas...
Cruzados com dias em que é preciso outro olhar....outro som...outra cor...
Este tempo cinza... de hoje...pendurado num sol esquivo...
É um lar sem tecto...onde celebro um tempo volátil...exilado...
Não sou mais que um sacerdote que se demora em busca da alma
De um olhar...de um rosto...de um horizonte...de um presságio...
Não sou mais que um peregrino...esquivo...exilado em sonhos...
Celebrando pinturas...sobressaltos...dias obscuros.....
Perfilo-me como uma moldura num barco...vogando em águas soberanas...
Águas que me levam para canais sem porto....sem anjos e sem manhãs...
O meu casulo é envernizado...pela fronteira que só as aves distinguem...
Tu que és uma ave...distingues?...
Distingues os pássaros reais ...do júbilo da aurora?
Não há sono nem mistério....não há inconfidências...
Sou o sobressalto dos pressentimentos...multiplicando lágrimas...
Desfazendo solidões nocturnas... criando vozes eternas...
Ateando centelhas secretas... sôfregas de desaguar no deserto...
Comigo morrerão as telas que segredam cores esgotadas
Que alimentaram o sol ardente...mas é preciso ver o crepúsculo...
É preciso caminhar nessa estreita faixa de onde escorre o alívio...
E para isso é preciso acender velas...iluminar os desertos...
Mas hoje...com o cinzento pendurado na minha janela...
Vigio os afagos que a chuva me traz...os beijos que me promete...
Até que as mariposas voltem a cintilar....