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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Dias encantados

Encantam-me os dias transgressores...os dias em que dou frutos...
Aqueles dias em que a estrada é uma rota aberta
E a minha vontade exclui todas as morais...todas as pontarias e todos os alvos...
Encantam-me os dias em que fixo o olhar numa pedra...
Que depois atiro à água...e que provoca pequenas ondas...onde o meu espírito dança...
Encantam-me os dias em que não tenho planos...nem etapas...nem respeito pela verdade
Porque guardo para mim todas as verdades..as que quero e as que nem conheço...
Encantam-me aqueles dias límpidos...


Em que a minha vista é temperada pelo céu branco
E a redenção é uma coisa abstracta que os homens pintaram de várias cores...
Encantam-me os dias em que posso ver todas as coisas sem que o meu olhar se tolde
Em que me posso servir de mim como se fosse um campo infinito...
Onde vejo todas as cores que a terra me dá...
Porque que não tenho um lugar para me dirigir...nem um respeito para respeitar
Encantam-me os dias em que a fundura de uma verdade não me apoquenta
E em que a minha necessidade é apenas uma falta de necessidade
Encantam-me os dias em que sinto que entre a terra e o céu há um espaço livre
Para que a minha alma errante se fixe num destino...
Como um bago de uva que espera a maturação...

Somos uma pintura espreitando por uma janela fechada!

Há uma voz de ferro em brasa que se mistura com o frio dos recantos sombrios
Há uma ordem que vacila no caminho percorrido pelo espanto
Há violência na luz onde ardem os olhares... lívidos...calcinados...esquálidos...
Há na noite rasgões de luzes que escorrem pelas paredes debotadas
Há tentações nos escombros onde ombros seminus se cobrem de névoa
Madrugada...terra calcinada...mágico presságio de um arrependimento tardio
Humildes espantos... que sobem como fumo exalado por archotes inconscientes
Sangue que se derrete nas veias alumiadas por madeira seca
E vozes...e mais vozes...e os restos da noite sempre ali...sempre a escamar os dias...
E as criaturas a pairar...a cair-lhes a tinta pelo rosto...a invadir-lhes todos os poros
E as indecisões transcendentes que se misturam com pedras calcinadas
E as cobardias que se cozinham em gestos que o lume despreza
E se dispõem em mesas de mármore negro
E as tapeçarias de seda que se enrolam em segredos vermelhos...
E que rolam sobre adros que os pés não pisam
Todos os uivos vacilam...toda a razão se transcende...


Todas as paredes escondem rostos
E todos nos derretemos num velho esquecimento esverdeado
Em que as brasas que a névoa encobre são palavras ressequidas por presságios
Que nos dizem …e mostram ao nosso corpo que corre sôfrego até ao fim da rua
Que somos uma pintura espreitando por uma janela fechada!

Tudo é um agoniar de cores...

É o sol...é o espanto...são as manhãs que descem ligeiras
É o tempo...os ruídos....a terra coberta por corpos que dão semente
E é nessa mesma terra que iremos plantar o desassossego que nos adormece
São as ervas que se lamentam do calor...como mulheres presas em abraços que uivam
É o imenso detalhe do céu distante...é um segurar o choro...
É um amplificar da alma...é o dia infectado por mapas onde se multiplicam chãos
E as flores...as flores silvestres...as flores adormecidas...dissolvidas na natureza...
E as pessoas... comovedoramente cobertas por mantos que se desfazem em caminhos
Onde passam indiferenças...onde se mostram as melancolias...
Onde se multiplicam as gargantas...
Tudo é um agoniar de cores...tudo é um espelho que azeda os rostos..
E porque pouco profunda é a distância que cala a angústia...
Basta virar a página...basta torcer o pescoço e olhar a transparência dos corpos
Basta procurar o regresso aos sons de Março..à primavera...ao escorrer dos dias...
E mesmo que as horas sejam sombras indiferentes
E mesmo que o sol se desfaça em pó...e os pássaros suspendam o seu voo...
Mesmo assim toda a minha vontade correrá ao teu encontro...
Como se fosses a minha paisagem...que me encandeia com uma colorida impaciência...
Que zela por mim...como uma flor viçosa...ou um ramo mascarado de amor!