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folhasdeluar

folhasdeluar

Imagens incertas....

Nada sei do nascer de uma fonte de água trémula
De onde escorrem vozes melodiosas...
Vozes tão naturais como lágrimas viradas para o céu...



Há tantas incertezas na terra vermelha...barrenta...
Como ideias que latejam nas nuvens brancas onde se aninha o azul inteiro...


Uma paisagem nasce sobre as raízes douradas pela chuva...
Que uns olhos vermelhos contemplam de barriga para ar...


As promessas acendem segredos que empalidecem as estrelas
E a cabeça sente o corpo latejar de tanto nascer para a luz nocturna


Nada muda se a nossa voz cantar o fogo e se o nascer da luz
Transformar as ruas em noites iluminadas....


O sangue branco das ervas entorna-se como lágrimas partidas
Que se dividem em máscaras feitas de ruas onde os passeios inventam pessoas...


Em todas as passagens latejam estrelas... em todos os nasceres há orquídeas vermelhas
Em todos as areias o sol esmaga as lágrimas fogosas...
Em todas as noites a vida encontra um estilhaço imóvel sobre um rosto aflito...


Empalidece a noite debaixo do meu rosto
Bruscamente o ar ofega nas ruas que caem sob uma chuva embriagada
E o mar refresca a desgraça cobrindo-a com um véu de névoa fluorescente...

Como se sentisse um frémito de amor ao entardecer!

Quem é esse homem que apenas procura uma certeza
Uma certeza fechada no dia que se esconde como uma esperança implacável
Que fuga pode escolher...que possibilidade tem de se soltar...
Que rituais terá que cumprir...para que sejam suas todas as madrugadas
Para que os dias não sejam apenas a execução da sua pena capital
Para que o seu coração se encha de uma ondulante felicidade
Que bebe uma luz impaciente...um céu colorido...um som de ténue harmonia...
E que as suas noites não sejam envenenadas pela luz solitária...
Porque um dia cessarão todas as corridas...todos os ruídos...
E todos os dias serão novos dias...e todas as janelas serão a sua janela...
E a ele nunca chegará o dia de todas as agonias...
Porque a sua respiração saberá a mar...
E porque o fogo de milhares de anos estará consigo..
Assistirá consigo ao deslumbre da luz
Tão completamente real...como se tivesse a vista encostada ao céu...
E o sangue corresse pacientemente pelas suas raízes...
Inundando-o como uma onda colorida que lhe faz tremer as coxas...
E lhe exacerba o olhar...como se sentisse um frémito de amor ao entardecer!

Uma noite sem telhados para se esconder..

Nunca saberei que impulso me impele para as ruas arruinadas
Nem que  sol me aquece as linhas do rosto
É tudo tão raro...tudo tão inútil...que mesmo que os insectos estremeçam nos flores
Tudo será um excessivo gesto...um entoar de um cântico desnecessário ...
Um período de tempo sem pensamentos ...
Nunca saberei porque razão os ciprestes emprestam à paisagem uma cor fúnebre
Marcando nos muros uma sombra excessiva...
Imposta por uma melancolia sem tréguas...
Entre mim e as coisas há sempre algo que estala...que canta e se parte...naturalmente
Enquanto cruzo os campos...piso ervas que se queixam dos meus passos...
E não volto a mim..sigo absorto por tanta beleza que me passa pela cara...
Nunca saberei que sangue empapou os ninhos das aves...nem a barriga das luzes...
Nem mesmo que todo o céu se cubra de gerânios brancos....
Nunca saberei o que sente um boneco descarnado...
Ou uma cama desfeita cujos lençóis dourados reclamam por mais calor
Nunca saberei qual é a singularidade melodiosa de uma rua ladeada por jazigos
De uma noite sem telhados para se esconder...de um latejar que empalidece os olhos...
Nunca saberei o que sente um candeeiro fatigado por tantas noites em branco
Por tantas incertezas...por tanta gente que passa de olhos curvados sobre a calçada...
Há tanto sangue...tanta carne...tanta lágrima apoquentada...
Há tanto para saber...que até as estrelas se aconchegam em eternos mistérios...
E não contam nada...não dizem nada...mas...
Esmagam-nos com promessas que descem na chuva...e nos empapam o espírito...
E nos deixam como casas despejadas de luz...
Vazias e encantadoras como palavras incumpridas...que nos estilhaçam os dias...
E nos fazem crer que a noite é o triunfo das nascentes...
De onde brota a água que nos lava o sangue...e nos refresca os olhos...
E nos faz acreditar que o azul é o céu inflamado de mar....
Nesse mar onde a nossa respiração balança suspensa numa bóia...
Que um dia nos libertará dançando e elevando-se...
Como se fôssemos uma espécie de poeira ofegante!

Uma alma de vidro caída do céu..

Imagino todas as vozes...escuto todos os chamamentos...
Sei que as vozes silenciosas são sonhos ... que falam baixinho
Que oprimem os passos...que chamam os pássaros que voam ao longe...
Para que os levem de mansinho..e me livrem do seu cansaço...
São ondas confusas que se perdem na cidade...
E que me conduzem às noites quentes de verão
São pregões da alma...caminhos de inocentes luzes...sonos de claridades...
São ares oprimidos por um céu indisposto...são itinerários...às vezes esmagadores
Outras vezes são culpas da alma...rumores de cego....lamentos de inocentes dias...
Os sonhos descem as ruas...saciam corações...erguem-se luminosos sobre o vazio
Encontram-se em todos os lados...nas caras ansiosas...
Nos abismos onde a luz crua da noite se encerra
Nos corações vazios...nos odores da primavera...
Até nas prisões onde os não podem encerrar.
Como pode alguém erguer-se de um sonho...como se fosse um facto real...
Como pode alguém conduzir os dias sem que a sua imaginação ansiosa
O recorde que o sonho é incolor...é uma vertigem...um atentado ao inútil...
Mesmo que as horas sejam pobres verdades...e que o sonho saiba a sol poente...
E que todas as fugas são possíveis...
Nada é mais fácil que embrulhar um sonho numa alma...
Pegá-lo com uma tenaz de ferro...exibi-lo no local onde sucumbe o vazio
E sorrir...tornar-se um sorriso saído de uma garganta atroz...condenada a sorrir...
Como se tivesse passado pela tolerância do tempo...
E fosse uma alma de vidro caída do céu...ou um salto no infinito...
Que no seu mais profundo lugar... encontra a sua razão de viver!

Nada é mais triste que um perfume sem mistério...

Outro que não eu...recearia assistir ao espectáculo do vento abanando os dias
A esse sopro incómodo que dobra os corpos e faz faz inclinar as ervas
Como um poderoso momento em que todas as harmonias...
Se esvaem numa missa fúnebre
E todos os infinitos mostram as suas trevas que iluminam a vida.
Por mais que não queiramos...seremos sempre tempestades anónimas
Desertos sem norte...misteriosos seres de cabelos ao vento...
E nada é mais poderoso que as vastas ramarias que nos assolam
E nos fazem encobrir os frágeis dias...e as fontes obscuras onde vamos beber a vida
Porque nada é mais triste que um perfume sem mistério...
Que uma sombra pálida e pungente se agite numa dissimulação de felicidade
E que da música não se derramem corpos enlaçados...sempre enlaçados...
Numa dança que o toque dos sinos aplaude...a chamar os crentes...
Para o milagre do amor!

Secamos as alegrias com maneiras de uma nobreza inata...

Embrenha-se a névoa pelos recantos onde a luz vacila
Das bocas sai o fumo da madrugada que se derrete num arrependimento
Misturando-se com a magia de um lume seminu que aquece os rostos
Não há perdões espreitando pelas portadas fechadas
Não há pinturas de mulheres tardias nem róseas criaturas aparecendo à janela
Todos os sentidos se ajoelham num estrado ressequido
Todos os abandonos se entregam às catástrofes...
E as aves espantam-se...batendo as asas com gestos rasgados por pedaços de luz
Nas lajes dos adros ardem telas indefinidas...rugem cóleras aflitas...
E lívidas...as raízes pintam-se de orvalhos vermelhos...
Por fim...o mundo encanta-se...o sol torna-se uma rua calcinada...
E nós amamos o arrependimento... exaustos de humildade...
E secamos as alegrias com maneiras de uma nobreza inata...
Porque temos os olhos embutidas num rosto que desafia a rudeza da inconsciência
E caminhamos...simples e fáceis...pelos dias que as cores das paredes desafiam...
Tropeçando na satisfação suprema...
De sermos como portas forradas por tapeçarias maravilhosas...
Que se abrem para o espanto de uma pintura em seda...
Como uma exaustão embriagada por corais vermelhos
Por onde a chuva escorre em gotas de resina
Traçando um sulco no rosto...daqueles que secam os olhos com lenços de seda...
E imploram que os deixem ser apenas uma imensa vida...
Onde o tempo se entalhe...como uma caligrafia feita por mãos talhadas pela rudeza!

Dos seres informes...nada emana...

Agoniam-me os teus zumbidos de vespa ansiosa...
Agonia-me a tua palidez disfarçada de escuro
Nada do que vive em ti me traz uma recordação agradável
És uma imagem vaga...amarelecida...dissipada...
Hoje és apenas uma...coisa!
Um pátio que a escuridão vomita...
Um esquecimento que a noite já não contempla...
Um ar decepcionado que me dá pena...
Porque de ti ...ser informe...nada emana...

As nossas asas delicadas mostrarão a cor da nossa vida...

A noite desperta nos murmúrios daqueles que se erguem
Daqueles cujo chão é um bocado de penumbra...
Onde a solidão cospe as suas mágoas e a lama coalha o encanto dos rostos
Ao longe....morrem flores que reclamam futuros nas sementes caídas
Sementes que se arrastam como música que enfeita a natureza
E que vencem a solidão como homens que fugiram do seu corpo
E esticam as bocas para o futuro...enterrando o passado...e...
Preenchendo os dias com sorrisos que relampejam ao vento
Sorrisos que todos as manhãs se enroscam nos espelhos...
Sorrisos inevitavelmente breves...
E que inevitavelmente contaminam a fatalidade dos dias...


Como uma gota feita de erros...
Como uma gota que escorre de uma caveira cujos beijos acordam a carne...
Para lhes lembrar que existe uma história feita de laços...
Que nos unem como uma fatalidade...às carícias...às cores...
À beleza de um despertar apaixonado...por todas as coisas...
Por todos os erros...por todos os nascimentos...por todas as derrocadas...
Porque fatalmente todos pisaremos o mesmo tapete...
Um tapete feito de erva e terra...que nos encerrará como se fôssemos um monumento...
Ou um breve e ridículo casulo...onde a nossa alma se fecha...
Até ao dia em que seremos borboletas coloridas vagueando por nuvens e céus...
Onde as nossas asas delicadas mostrarão a cor da nossa vida...
E os trovões acordarão as luzes...e tudo em nós se iluminará...
Como um vasto campo feito de poemas que se espelha numa delicada aguarela!

Somos moldados pela força que transporta o tempo...

Não há palavras que me expliquem o vazio de uma mão
O vazio que nasce de uma verdade... imaginada.
Não há palavras que me expliquem o destino da poesia
Que me explode nos braços ...embriagada.
Não há palavras que me expliquem a doce visão
De uma ternura condensada num gesto de amor
Não há palavras que me expliquem o alumiar da matéria...nem o invisível vazio
Tudo tem o mesmo destino..em tudo reside a verdade e a ignorância...
Em tudo o tempo despende um esforço opaco...desconfiado...fino...
Tudo se acumula em camadas de olhos que ficam presos nos dias
Viver é receber todos os sentidos da vida...encontrá-los é talhar a vida...
É transportar esse mundo nas palavras...é colocar esses dias nos gestos..
É não permitir que a erosão das horas faça descrer as mãos que talham os olhares
Porque somos moldados pela força que transporta o tempo...
E pelo amor que todos os dias nasce nos nossos corpos...
Nesses corpos que são tão puros como uma montanha indecifrável!