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folhasdeluar

folhasdeluar

Um longo silêncio fechado ao mundo …

Vestias seios duros que bebiam nas minhas mãos mornas..todos os cânticos do dia
Enquanto preguiçávamos sobre as nossas línguas...longas como céus...
E rolávamos na crista das ondas ...morenos como ares encantados...
Era nosso o triunfo do dia...e todo o suor que nadava nos corpos ensopados... era nosso
Sentíamos na boca o sal saído da noite esvoaçante...
Como se fosse uma renda de bilros...tecida com fios de espuma....
Era bom nadar...beber a água morna da noite...
E depois...estilhaçar na areia...com um enorme grito... profundo...todos ao ardores
Lembro-me daquela noite em que fomos corpos que escorregaram...
De uma paixão nascida numa pequena onda...
Para um longo silêncio fechado ao mundo …

Não há curiosidade no olhar pousado numa grandeza apagada...

Escuto o precipitado piscar de uns passos frementes
Escuto aquele amontoado de sons proferidos em surdina
Sons abandonados nas ruínas de uma inquietação  ausente...sem tempo...
Sons desligados dos lugares...das vinganças...sórdidas...
Sons totalmente falhos de vozes e da quietude silenciosa do tempo ondulante
Não há curiosidade na argila vermelha de onde saem emanações de grotescas farsas
Não há curiosidade no olhar pousado numa grandeza apagada...
Tudo está permanentemente em declínio...
Tudo decorre inutilmente..
Como se fosse um desenho feito por serpentes desencantadas
Sobre amarrotadas bandeiras enxutas de vida...
Não há regresso nem vozes acaloradas...não há emanações misteriosas
Tudo é como uma vigília de onde uma ingénua face se ausentou
Tudo é como uma angústia que segue num cortejo de poucas palavras...
Como um jejum judaico...ou um gorgolejar de ventos batidos pelas árvores...
Onde penduramos saudades como achas para a lareira...
Abrasando-as num ardor de fagulhas ...
Que desesperadas se erguem em risos incontroláveis...


Como torrentes de pés descalços
Ou como venenos atiçados por espumas anquilosadas...
Não há ânsia nem desprezo nesses dias...apenas uns belos olhos ofuscados...
Que riem como se tivessem encontrado...
Dentro de si ...um pranto majestoso que os libertasse...

Como se fosse um silêncio queimado pelo sol...

Quem não quer aliviar o ser carrego de vozes que se fazem raras?
Quem não quer ver esvaziar-se a luz sobre uma lenta rua deserta?
Sabemos que os reflexos se agitam nas folhas das árvores
E que uma lâmpada apagada é um vazio de luz...
Imóveis ruídos nos olham debaixo de um sol ardente...imensurado..
E nas escadas profundas dormem bocados de dia...aliviados da nossa carga....
Olhamos os cães que atravessam os espelhos partidos...sensíveis...
Somos bocados de mesas...de camas...de facas e de garfos...
Riscamos o porto de abrigo com unhas inundadas de horizontes luzidios
E ardem-nos os olhos presos em cadências de prata...
Somos um enorme barulho universal...impulsos surdos...corações desordenados...
Burros de carga que miam como gatos que lançam queixumes floridos
Lâmpadas alcoólicas que se arrastam como cascos de navios...
Mas...dentro do nosso sono...nasce lentamente uma rara flor secreta....
Como se fosse um silêncio queimado pelo sol...

Lembrei-me que havia uma linha fechada que respirava chão

Lembrei-me que havia uma linha fechada que respirava chão
E que podia ver ...de dentro do mar...o sol a abafar as ondas...
Ofegavam as âncoras embriagadas pelo murmúrio cortante da atmosfera
Tudo era esmagador....imóvel...e de dentro dos meus olhos....
Brotava uma poeira faiscante...um preguiçoso acordar...uma nascente inflamada...
De onde avistava as coisas perdidas...fossem apenas momentos...breves pancadas....

Lembrei-me que havia uma linha fechada que respirava chão

Lembrei-me que havia uma linha fechada que respirava chão
E que podia ver ...de dentro do mar...o sol a abafar as ondas...
Ofegavam as âncoras embriagadas pelo murmúrio cortante da atmosfera
Tudo era esmagador....imóvel...e de dentro dos meus olhos....
Brotava uma poeira faiscante...um preguiçoso acordar...uma nascente inflamada...
De onde avistava as coisas perdidas...fossem apenas momentos...breves pancadas....

Todos procuram quebrar o gelado desespero do coração...

Confusos os mistérios recuam perante os olhos que as paredes não suportam
Paredes que se confessam piedosamente...
Como desesperados túmulos que as tardes de Inverno carregam no coração
Mistérios que morrem em convulsões...
Encobertas pela névoa acesa de uma desolação sombria...
Homens mistério e misteriosos homens...todos suportam um fardo...
Todos se sentam perante e atrás da janela ao cair do Outono...
Todos agarram o coração...com as duas mãos...todos o contemplam embevecidos
Todos são absorvidos pelo vício que uma luz ocasional acende no olhar...
Todos procuram quebrar o gelado desespero do coração...
Atirando para os abismos as recordações silenciosas...
Que as sombras guardam em palácios de estranhas portas sem saída...

Abrimos o coração ao mistério..

É dentro da noite que se expia a preciosa dor encantada pelo poente
É dentro da noite que amaldiçoamos os dardos que nos ferem
Como se assim fôssemos capazes de dosear as picadas que gemem no coração
Ou como se vomitássemos esse veneno que faz murchar as flores
Não há sabedoria que vença os picos intransponíveis...nem a luz que cega...
Nem a intuição de que somos apenas natureza...sem mais encantos...que a natureza...
Sem mais delírios vagos que uma jóia no pescoço de uma mulher...
Gememos horizontes sobre mares que se afundam em doces marés
E pensamos que da luz virá aquele encantamento que levará o vazio...
E que banhará para sempre o interminável universo...de doces amores...
Pensamos que as flores são melancolias...fetiches de mulheres...deliciosas ternuras...
Abrimos o coração ao mistério..
Que depois se afunda num êxtase de encantos sobrenaturais...
Tememos o inexprimível gemido...que o infinito irradia como uma afronta...
Ou como uma preciosidade sem limite de valor...
Porque nunca saberemos quanto vale a eternidade...nem o mais intenso sentimento...
Somos deliciosamente infantis...cruelmente duplos...melancolicamente insanos...
Porque sabemos que o presente...é uma ferida dolorosa...uma bolha prestes a rebentar..
E que dos nossos gritos serão apenas guinadas nos dias...e nas noites
Em que aflitos...de olhar perdido...procuramos a imagem que restolha noutra noite...
Noutro navio encalhado...noutro desespero sem fim...
Como se fosse uma paisagem cheia de folhas empurradas por recordações...
De um tempo mais alto...de um tempo mais próprio...de um mundo menos vão...
Onde os reflexos do sol...nos encandeavam os cabelos...com tonalidades de outrora...

Agora que lavamos as carícias com vinhos alados...

Agora que a tua chama foge como uma noite sem coração
Agora que lavamos as carícias com vinhos alados...
Como se fossem alfinetes que fixam prazeres que se derramam nas sombras
Não é preciso que as coisas tenham nome...se em tudo se ateia o fogo da fantasia
Não é preciso que os desesperos embaciem o frémito da felicidade
Nem que os sabores perfumados se fechem numa cama de agulhas ferventes
Somos impalpáveis como a beira-mar...ou como um rosto inquieto...
Sonhamos...todos...com o dia em que a fadiga nos traga as penas já lavadas
Sonhamos com romances...
Em que somos heróis alumiados por um candeeiro que seguramos sobre o coração
Sonhamos que vivemos...e vivemos o sonho que subtraímos aos dias de tédio...
Usando anéis...com caveiras encastradas...para que nos lembrem que temos vida...
Essa vida que temos que lavar no mar...ou na melancolia...ou na mágoa...
Mas que temos que marcar...com um ferrete indelével...
No coração de uma misteriosa anémona selvagem...
Que nos encanta com a sua frescura de amante irreal....

Sou fútil e vago..

Sou fútil e vago...tenho a naturalidade do frio
E a recordação de que a existência é uma pintura sem memória
Não me prendo às distâncias...não tenho a grandeza das velas no alto mar
Não vivo os acontecimentos..sou como uma falsa máscara...livre e disponível
Por vezes...sou banhado pela luz suave da doçura...
Depois..subjugo-a com um encanto agreste...com inocência...para que se afasta de mim
Sou inconfiável como um dia arrependido...sem grandeza nem momentos simples...
Capturo no ar os ventos que me afastam de ti...
Segredo-lhes mentiras...para que acredites que a verdade é feliz...
E que a tristeza não é mais que poesia...
Compreendo que não queiras vogar num mar indeciso...
Nem te queiras debruçar sobre o irreal...tendo a embriaguez do perigo por companhia...
Nada é ...daquilo que o horizonte irrealmente mostra...
Tudo é uma miragem... que só enfrenta quem tem a coragem dos desencantados
Que só enfrenta quem não tem mais por onde fugir...
Ou para fechar os olhos e ver fluir os dias...sem perigos nem volúpias...
Ou quem não quer atingir o cume e ver que para lá há mais cumes...infinitos cumes..
Cumes amaldiçoados por prazeres...como ópios que entoam músicas invencíveis...
E dormem com sobrenaturais poemas fluidos..que se abrem como flores...
Sobre a minha inconfiável e vaga futilidade...

Se me basta o fogo que ruge...

Vestidos de sangue negro incoerentes caminhos me perseguem
Brilhantes como fogo..impiedosos como odores imaginários
Surpreendentes como poços afundados em abóbadas brilhantes
Estremecidos como bálsamos pintados nas paredes da alma
Ou como demónios enervados pela frescura iluminada dos pavores
Apontam-me instantes...fundos de cavernas secretas...grutas de carne molhada...
Mas...para que os quero eu?
Se me basta a respiração da minha agonia
Se me basta o fogo que ruge...prolongadamente...como um tempo de brincar...
Se me basta que a minha voz expluda como a de um eterno contorcionista
Que a minha Razão acorde para a noite que se deita na minha cama
E me desperte o supremo desejo... de escutar as trombetas que se sentam na manhã
Que sob uma tempestade de espectros...
Me revelem os mistérios que me atraem para oceanos de fogo
Como incuráveis vícios sombrios...
De um incurável doente possuído por sombrias paixões...

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