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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Despeço-me de ti...abraço-te...quero-te...retorno sempre a ti!


Perfeita é a catástrofe que gera o mundo..largos são os caminhos onde já passei


Os dias eram meus...deixei-os noutros lugares...talvez se encontrem agora nas areias


Talvez sejam mitos inacabados...esperanças? Certezas? Nada encontro dentro deles


Sigo a minha memória...encontro lugares esquecidos...a casa pequenina...a esperança


Vejo o olival inclinado...o luar assustado pela escuridão do rio...deixei cair longe a minha herança


Na minha pele nascem plantas...como estilhaços de pétalas acesas...feridas profundas


O futuro fragmentou-se em fotografias descoloridas...sorrio...não me queixo...


Tudo o que possuo são memórias dos dias em que o futuro era tão longe...envelheci...


Tenho agora as mãos povoadas por pequenos fragmentos de letras espalhadas sobre o teclado


Grandes histórias de recomeços...jogos de morte...heranças de feridas apagadas...


Sombras crescem sobre os canaviais...regresso ao amanhecer....perdi a noite...envelheci


Agora vagueio sobre uma inútil pele cansada...caminho sobre um luminoso raio solar


Despeço-me de ti...abraço-te...quero-te...retorno sempre a ti!


 

Não resisto...durmo sobre o meu abandono...


Enquanto espero pelo próximo espectáculo...descubro vestígios de rostos extintos...


Reparo nos estertores das galáxias...vejo o abismo encantado das amendoeiras


Escorrego...escorrego pelo hálito da cidade...sou a floração da floração do excesso


Uma trança dourada pousa sobre mim...está na hora...estremeço...conheço este corredor


Nada sei das horas nem dos pesadelos...extingo-me num fogo deleitoso...subterrâneo


Cheguei ao dia dos nevoeiros...atingi a santidade sepulcral...alucino como um astro branco


Não resisto...durmo sobre o meu abandono...desfilo pelos sonhos como um sonâmbulo


Atravesso-me na estrada de algas...cheguei ao desfile dos rostos...mato a sede com loucuras


Parto os espelhos...não preciso de nada...sou um fogo branco!


 

E possamos ser mares acordados...


Para lá de mim existe a queda dos corpos inacessíveis ...contornos de pálpebras brancas


A perda de tempo...o relógio parado em todos os lugares da vista...


Para lá de mim estão as sombras que se erguem num vagar vigilante...


Como uma lua enfurecida...nua...estremecendo junto às árvores tatuadas...amo-te...


Enxertos de marés vêm juntar-se às insónias...ácidos....gases....caímos na corola da noite


Vulcões explodem na lua coberta de abelhas...inquinações de subterrâneos esfomeados...


Sobrevivemos devagar...alarmamos as imagens..bebemos as circunstâncias...crescemos


Dormimos sob o coração...somos a metamorfose da alma...um espírito tatuado pelos dias


Plantas crescem sobre as ruínas...o luar prateia a água...luz e pele...


Olhos alvos espreitam fotografias de manhãs desgastadas...lugares onde esquecemos os corpos


Enxertada chuva subindo passeios...inundando a pele arrepiada das pedras...


E nós cantamos sentados sobre um espaço desfocado...murchamos como plantas vazias...


Aspiramos rostos...imagens flácidas de cidades em embrião...bebemos...bebemos ácidos corrosivos


Alternamos a alucinação com a obsessão...existimos numa loucura pesada...territorial...


Rua e pele vazias...vidrado de chumbo descolorido...devastação morna...


Até onde iremos? Em que corpo habitará o nosso veneno? Que quedas devastaremos?


Até que a viagem purificante elimine dos nossos poros o azedume...


E possamos ser mares acordados...navegando ao encontro de praias solenes..


 

E nós...corpos estreitos na solidão purificada das palavras....abraçamo-nos!


Lembro-me das portas ocultas...do verniz abandonado sobre as unhas...de paisagens...


Pequenas coisas que a minha memória persegue produzindo silvos agudos e estreitos


Lembro-me dos teus dedos soltos sobre o vento acariciando os peixes voláteis


Respirávamos ar antigo...penumbra de vómitos na madrugada...dispersões de haxixe


Num pequeno espaço imitávamos o tempo...sabíamos que nunca mais lá voltaríamos


Abandonámos os nossos rostos à nostalgia...ao misterioso silvo que ecoava num vento distante


Esperámos que as areias sossegassem...que tudo se acalmasse...que a noite viesse


Até que os nossos corpos se desprenderam...e se elevaram como máscaras ao vento


Dentro de mim ressoa ainda aquele marulhar das ruas...aquela memória encoberta


Aquela cinza que se sente na espera e de derrama por entre os canteiros de flores


Sabedoria de borboletas...recomeçar de certezas absolutas...não há quartos onde dormir


A rua suspira por nós...afastemo-nos...persigamos os pulsos golpeados pelo prazer...


As sílaba movem-se...as paisagens respiram através de todos os rostos...


E nós...corpos estreitos na solidão purificada das palavras....abraçamo-nos!


 


 

Sentada numa nuvem feita de rosas fumegantes!


Envolve-me a teia tecida pela imaginação...abrigo-me nos restos das flores sobreviventes


Poros invisíveis bloqueiam balões de mármore...onde se reflectem incêndios de migrações descoloridas...


Como cavalgadas de trevas sob o sol estático...o mundo coloriu os olhos das serpentes


As flores bebem o infinito...as ondas sibilam...a espuma indica o sul...


Psicadélicas estrelas desfazem-se em olhos esfumados...sento-me virado para ti...


Espero...desejo que flutuemos num lago cheio de sítios perigosos...baixios de lama invisível


Vigio a tua pele...apago-me junto ao teu corpo..assalta-me o esquecimento da terra


Como se fosse um resto de mim...um rasto de mim...um corpo em comunhão incendiada


Aflito rasto de sedas ferrugentas...terrestre globo sorridente...


Enfastiado pelos dias putrefactos que enegrecem os corações...


Como murmúrios de cinzas gotejantes...tudo me passa pela cabeça...


Tudo se apaga numa água dourada...


Crepuscular incêndio que navega numa lata pintada de azul cobalto


Escondo-me na circulação do corpo...os meus dedos purificam a tua pele...boca...boca...


Desejo ser um sol cobrindo os teus olhos...calcinando os teus medos...bebendo-te


Cegando-os numa ternura de cidade incendiada...ou num sono de sonhos rasgados...


Circulo por ti sobre um chão coberto de algas..ouço ao longe os sons sincopados de um sax tenor


Tempo plastificado...inerte...dobrado sobre mim com a força de um solo de Hendrix


Tempo que geme nos tremores de sílabas alimentícias...sangue empastado...


Murchas pálpebras cobertas de espuma prateada...tudo me puxa para a vigília...


Tudo me encerra num respirar tatuado com as luzes da loucura!


E tu..beatificamente segues alheada..sentada numa nuvem feita de rosas fumegantes!


 


 

Passo por ti num voo sem rumo..


Há um fulgor branco que atravessa as tuas tranças aneladas...uma luz inexplicável


Passo por ti num voo sem rumo..desnorteado...dormente...sou um excesso alucinado


No meu íntimo rosto trago algas e lagoas...sedes de extinções...dedos imperfeitos


Perco-me num fogo rápido...sou um cometa excessivamente veloz...um fogo esguio...


Atravesso os nevoeiros de cinza..extingo as cidades...descubro noites em rostos calados


Procuro o meu oásis...a minha palmeira alucinada...um lume que me recolha...


Flores subterrâneas crescem nas paredes...sobem aos quartos...conhecem-nos


Trazem memórias de outras flores... de outros destinos...de outros estremecimentos


Esguias estrelas amanhecem junto aos narcisos amarelos...putrefacções de silêncios...


As amendoeiras estão em flor..estou longe...recolhi-me na extinção de uma nebulosa


Num quadrado imperfeito...num regresso a um falso grito de concha encerrada...em mim


Sonho com oásis e percorro todos os teus dedos enfeitados com anéis que guincham...


Extingo-me lentamente numa memória sepulcral...deito-me...esqueço-me de ti....


E embebedo-me numa dança ventral...que ondula na sombra do teu corpo ausente!


 


 


 

E nas almofadas...demolir todos os cansaços...


No meu quarto estanco a necessidade de ti..hei-de ver o teu rosto passar..


Mastigá-lo numa fome de olhar...acordar de noite e não me importar....


Hei-de respirar por entre os becos ensanguentados...pelas poesias doridas...


Por entre a branca geada da memória desfocada...filme de alucinação transparente


É preciso tapar os buracos da noite...possuir vulvas ascéticas...mastigar silêncios...


Desaguar em câmara lenta sobre uma sede de veneno asfaltado...permanecer amargo


Desfeito em pequenos pedaços que se distribuem por cartas que não enviamos...


E nas almofadas...demolir todos os cansaços...ser um animal em cima de uma luz


Comer úteros...suavemente...cuspir sedas cicatrizadas...romper com a noite...resistir...


Porque sabemos que da tremura escavada na alma...nascerá uma nova terra...um grito...


Uma cicatriz infernizante..que parece resistir a todas as respirações...


A todas as cintilações...a todas as gotas de suor que caem do nosso corpo...dormentes...


Rotas...cuspidas na fúria da sede...memória de vozes vermelhas...esburacadas...


Que nunca terminam...mas que se deslocam dentro de nós....como um mar longínquo!


 


 

Húmidas conchas que respiram sono...


Mas tu...és como uma agonia de bar...transparente libélula...


Que inicia a sua metamorfose numa árvore despida...numa noite larvar...


Que se espraia através de uma janela entreaberta...e se precipita pelas sombras do quarto


Como uma fresca neblina...maravilhosa... gosto suave esculpido na tua face de rosa...


Embriaga-te na precipitação das águas...diz que te queres corroer...


Tens o sabor do eco lento das tangerinas...da precipitação lunar..do sussurro da agonia


Sabes a garganta de mentol...a mãos de geada...a naufrágio de noite branca...


És o imperceptível mel que estanca a melancolia...água benta...escadaria...


Onde poisam os sussurros frescos...as húmidas conchas que respiram sono...agonia


Pernoitas em todas as minhas veias...precipitas-te em todos os meus ecos...


És a nervura da minha mão...sina escrita no sangue a correr...respiração


Saberás tu estancar o sono? Recuperar os meus despojos? Sábia ave de rapina...


Que dormitas na minha penumbra...que penetras no meu tempo triangular...


Que me alcanças no cimo da lenta vereda que leva à montanha...


E depois naufragas comigo numa rota desconhecida...feita de relva e noite perdida!


 


 

Por alguma razão o tempo alisa o peso da memória...


Por alguma razão o tempo alisa o peso da memória....e o escuro peso da vergonha...


É largo o céu que se fecha ao fim do dia...ausência de tempo atacado pelo esquecimento


São longas as pálpebras que murcham nos corpos...e tão bonitos os suicidas das manhãs


Invento uma crença...quero ser uma suspensão de ar...uma mirrada carne esbaforida...


Mortal dia de onde brotam lagoas encurvadas...onde poisam graciosos abutres enfastiados


Copa de árvore ausente da manhã...culpa de ser mensageiro da imortalidade...


Inventor de infinitos campos estrelados...imortal...ser imortal é ser folha seca...


Secura que paira numa ave encharcada de chuva límpida...


Não há moscas...ninguém se estrangula...todos pairam num tempo escuro...


Quem nos ataca de madrugada não se esquece de nós...risos de morcego alado...lunar


Culpa que desaba de uma nuvem sem substância...saltitar de encostas celestes...


Afinal mesmo mirrados estamos vivos...enterramos o silêncio numa orgia milenar...lupanar


Caímos...e o baque do nosso corpo é um fragor fenomenal...uma coisa triste...um charco


Algo que receamos..como aos insectos que nos estrangulam...completamente...


Talvez a terra nos encerre num fogo latente...lamparina vulcânica...profundo contemplar de nós


Mas onde iremos enterrar os ruídos? Onde desabará a chuva cristalina?


Crosta decepada...costa marítima aflita...sombra vertical...meio-dia estrangulado...


Tombei numa letargia de assassino... de troncos decepados...


Como sentenças embriagadas...ou como cordas soluçantes....balanços de mensagens gigantes....


E nós dobrados sobre o medo...escutamos apenas a fria mensagem pregada na parede...


Foto em sépia de ancestrais rostos...frias pálpebras cerradas pela sepultura...ali estamos!


 


 

Como amores que nunca se revelam...


Bebi-te até ao delírio...saqueei o teu jardim...debrucei-me sobre as tuas flores...


A terra misturou-se nos corpos...as pétalas eram doçuras primaveris...


E tu eras um pequeno ramo que eu colhi...um perfume que aspirei...uma flor rodopiante


Como foi possível navegar naquele lago..naquelas graciosas águas coloridas pelas aves


Naquele inebriante acenar de folhas friorentas...ternuras de cais distante...


Disparates de jardins que brilham perante os olhos esfomeados... por mais corpo


Terão as folhas secas perdido a felicidade da verdura? O viço assombrado do prazer?


Tudo se mistura numa doçura de arvoredo friorento...de casca tumultuosa...de coração profundo


Das raízes brotam ribeiros refrescantes...insondáveis...vivos...


Águas que se oferecem como amores imperdoáveis...amores de um azul opaco..irreflectido


Pelas veredas desertas assustam-nos repuxos gélidos...lágrimas de folhas mortas...


Como amores que nunca se revelam...que nunca dizem quem são...


Que se limitam a ser melodias intransponíveis...céus pálidos mas intensos...


Instantes baços...ardentes...carinhosas sombras que se refugiam nos ventres das nuvens


E fogem cantando cristalinas e róseas árias aos dias encobertos...


Podem morrer de melancolia...podem escutar as águas...mergulhar nos ribeiros....


Mas nunca serão mais que um mero e cinzento instante de perdição!


 

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