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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

A insónia secreta das gaivotas....


Falaste-me..ouvi-te..e percebi que a tua voz era a minha


Senti-te na frescura da água que resvalava pela praia


Os nossos dias eram aves imensas que nos percorriam de alto a baixo


Línguas em desassossego..humidades de laranjas sumarentas


Fulgurantes olhares varrendo a mansidão dos nossos corpos nus


Rimo-nos... enquanto a espuma se desfazia num travo de veludo


Colhemos a flor da maresia que a música do vento encaminhava até nós


E fomos sementes imaculadas..flores de leves açúcares


Regadas pela saliva húmida da ternura..que gemia..gemia...


Perante a insónia secreta das gaivotas....


 

CÂNTICO 2


Antigas melodias ecoam na obscuridade baça dos olhos


Sinto que a língua se consome em gotas de luz


Não há mais palavras...


A música é agora um paraíso gravado em pedras cristalinas


E do candeeiro saem pássaros acesos...


Que me levam de encontro à minha infância


 


 

Solitários como gritos no vazio...


Explodem grinaldas como bandos de pássaros que esperam a sua própria cor


O céu é uma recordação de águas profundas...um gosto...uma vida...


Na curva do verão iremos dormir junto de todos os tempos..


Suspensos na asa branca da lua..tomaremos todas as formas...desapareceremos


E nas nossas almas veremos os dias despidos...os corpos enfunados...repetidos


E o vento? A quem fustigará? Que aves dormirão na sua profundidade?Que sonos recordarão?


Há curvas e curvas perdidas na suspensão das horas...


Regressos adiados presos em árvores solitárias...


Enquanto nos campos se deleitam universos paralelos


Adejam sensações de límpidas águas..e tudo desaparece no nosso sono...


Depois...na berma do tempo encontramos a prisão do corpo..ossos de côr violeta fingida...


Despidos procuramos a nossa pele...a luz branca perde a forma...e nós cantamos...


Como pessoas que dormem em sonhos de animais...ali estamos...invernais..


Solitários como gritos no vazio...ou como pedras atiradas por um louco....


 

O anoitecer dos corpos

 


Talvez sejas tu quem me espera por entre o reflexo filiforme das sílabas


Escolho-te como se escolhesse uma luz que atravessa o frémito da folhagem


És a minha ficção pousada no papel onde escuto o teu riso


Os teus cabelos lançam gritos ao vento..libertam-se do anoitecer dos corpos


És agora a cor do tecido que me veste a alma...entro em ti e sonho-te


Voo no teu peito onde o dia amanhece e onde a minha voz ecoa


Como hei-de saber o teu nome?


Eu que já não tenho nome e sou apenas a aresta de um pássaro sonhado


Que se move em direcção a um sol embevecido.


 

Literalmente palavras...


Suspenso num enorme espelho azul...toco a luz branca dos sonhos


Imerso...ancorado num céu onde as árvores se pintam de flores doloridas


Sigo o caminho do não-regresso...lá fora... o gelo despede-se do seu próprio frio


Todas as coisas estão suspensas num tempo que se desenrola de dentro para fora


Brincam às infâncias que correm pelas ruas desertas...


Onde há brechas nos ossos opacos dos sonhos...


Só as árvores pintalgadas de flores violetas penduram em si os dias felizes...solares


Há no ar uma sensação de olhos colados ás vidraças..há aquele céu sempre presente


O gelo que se derrete acorda os animais...límpido gelo que toca o fundo das vidas


E se o céu fosse um espelho onde as águas se mirassem?


Quantos campos vazios nos ouviriam assobiar? E o inverno? Seria uma cama inacabada?


Podíamos nadar em corpos espessos...feitos de cores solitárias...


Ossos salientes...magreza...pinhais que se desmoronam em bocados de papel...palavras


Literalmente palavras...gestos suspensos....cores...apaixonadamente frágeis...despidas


E nas águas profundas desenvolvem-se vidas secretas....brancas..cegas...luzes


E pelas janelas escorre a maresia da noite...explodem sóis matinais....há uma sensação de fuga


Presságios vagueiam como cometas..luminosos espelhos onde se escreve dor..


Com o dedo indicador!


 

CÂNTICO 1


É preciso encontrar a palavra transparente


Aquela que atravessa a nostalgia..aquele som que atravessa o céu-da-boca


Aquela palavra que arde em todos os tempos sem fazer ruído


Como uma janela sobranceira ao castanheiro cujos ouriços picam o chão


E nessa palavra renasceremos...


Como se fôssemos o calmo balir de um dia ensolarado...


Onde os nossos grilhões se deitam em sossego.


 

Um homem escuta o seu interior..


Um homem escuta o seu interior...ventrículo...aurícula...os braços crescem dentro dele


Corre...a neblina vinga-se do dia...distorce as faces...


E o homem desliza como um bailarino..bardo ressequido...poeta da floresta...


Foge...o vazio persegue-o..o vento é a poesia do ar em movimento...


Talvez uma melodia o recorde....que nas praias rastejam partículas de sóis doirados


Sempre luminosas...sempre iluminadas....


 


 

Deslizo para dentro de mim...


Pintam-se as fachadas....uma nuvem abraça o mundo..distorcidos braços incendeiam-se


Das árvores sopram vagas de folhas..como homens caídos..sintéticos..desavindos


As cores absorvem a neblina..é outono..paro...o vento restolha..vagueio


São outras as minhas cores...é outro o meu sol...escuto o ruído ressequido das oliveiras


O mundo desconhece a minha melodia... a minha dança acrobática...a minha escala


Algures..na floresta vivem homens nus...outros vestem folhas...verdes


As aves agitam-se como melodias inacabadas...o céu espera...o verão adia as nuvens


Nos passeios soam violas...Bob Dylan renascido...a fala da vida a desfazer-se em vento


Nas margens do rio dançam pedaços de madeira...lixo de outros lugares


Mulheres passeiam...amarelecidas pelos dias procuram a grinalda...a máscara..a névoa


O vento esqueceu a poesia...o ruído rasteja pelo medo..acre..alma...fascínio


Sigo para dentro da chuva..acalmo a morte..arquejo perante os relâmpagos...não os temo


E sento-me sobre a minha brisa...como se fosse um punhal que corta o mundo


Deslizo para dentro de mim...descanso...enfim...tornei-me uma partícula de nada!


 


 

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