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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

C


Que fizeste do mundo onde as vozes caminhavam até nós?


onde está a ampulheta que conta as vezes que o céu nos engoliu?


confundimos o sangue com a árvore sem data nos anéis


ou com as nostálgicas vozes que tripulavam os barcos famintos


como se fossem rajadas de lágrimas que nos vinham lamber as mãos.


 

XCVII


Construímos a meia-noite sobre as cinzas de uma pedra


que esperava pela agonia da ampulheta do tempo...


onde havia um nome feito de alquímicas tenazes...


mas na trituração dos dias... crescemos sobre a escada que vai dar ao sono


e bebemos a sombra sonora das espadas que nos atravessavam...


 


 

XC


Mergulho na viagem onde as cores cerradas pescam o tempo dourado


a água não é aquilo que os olhos vêem...é uma lamparina que mede o despertar das pedras


ouço o entardecer e os meus lábios beijam as sombras encarquilhadas das sementes


a luz prolonga-se para muito além dos relógios que medem os risos


os olhos refulgem nas vogais abertas às palavras impuras...


como pontos cardeais das cidades envoltas em neblinas coroadas com elmos vermelhos


e o negro é agora a espada que desce em direcção ao nó na garganta.


 

XCI


O ácido corrói o fundo sombreado do pensamento..


a mão beija o sem-valor do magro-mar e revolta-se perante as vagas abertas ao futuro


quem afagará agora os teus cabelos sonolentos?


que tardes se empinarão na tua garganta sôfrega...


enquanto coses os dias com a agulha romba da luz embaciada?


 

LXXXIX


Na escoriação dos mapas roubados ao relógio intemporal das pedras esfoliadas


a vida segue num barco feito de cometas esféricos...nas sombras o divino espreita


todos querem aquela dor pontiaguda que se agarra ao mastaréu...


aquela sombra da baleia que se alimenta de mágicas vogais...


e emerge perante a brancura dos pensamentos


como se passasse por entre diáfanos dedos despidos


até tocar a felicidade da luz cúbica... que vive no tempo roubado às palavras.


 

XCIII


Conversas de dementes que se deitam no fumo negro do Inverno


a noite segue-os como fumo que se encontra com as lágrimas


as fagulhas saltam à vista...a melancolia deita-se com as flores da amendoeira


enquanto as flechas assobiam cânticos que os dentes mordem....


 

LXXXI


Só quem partiu e tanto sentiu


é quem a tanto se atreve


só quem sorriu e tão largo viu


foi quem sorveu essa boca de neve.


 

LXXXVIII


Exultam as searas..videntes de rosto abrasado pelas gotas da geada


engolem as lágrimas como sensíveis corações desbaratados


e na nudez de um tempo eterno...o infinito espera a hora do abraço...


 

LXXXVI


Nos sorrisos as palavras despertam...o fim é uma ponte para a crina epistolar do céu


mas eis que chega o mel que nos adoça os segredos...


 

LXXX


Há palavras escritas nas árvores desfolhadas...


mensagens de brilho espesso como a imobilidade do Oriente


mistérios de mundos clorofilinos...


como se fossem âncoras côncavas habitando na profundidade dos corpos...


 

LXXXV


Vais para onde a vida despe a sua pele no vazio...sabes o segredo das folhas despertas


adormeces dentro de um passo que desponta no corcel estendido no fim dos mares


és a bengala...o lamento quebrado...a escada que sobe até às raízes tubulares


a coragem onde despes o braço cansado...e o barco que se afoga numa ironia distante


mas não és o passo que encontra a carta...a premonição que estala sob o casco das orações


mas vives...como um cego agarrado à ponte emancipada do entorpecimento


está contigo o fim e o começo... o segredo...a fuga do Egipto


e todo o perfume que as tâmaras maduras expelem....


 

LXXIX


Para além de todas as órbitas singram as estrelas do mar


o escuro ondula nos peixes brancos que transportam as mensagens


tudo se mistura nos sons inaudíveis das sombras


incensáveis sombras que pernoitam na profundeza dos brinquedos


e se desviam das palavras que seguem..imperturbáveis...


nas folhas prateadas do inverno.


 

LXXIII


No começo eram os nomes que nos chamavam


as palavras que saíam de nós eram a caixa da nossa ressonância


o ovo posto no casulo coberto com musgo verde


mas a corola flutuante das gaivotas levou-nos por ruas


onde nos entregámos à nossa parte dos incêndios...


 

LXXII


Imperturbável é a dor do sonho que passeia contigo ao lado


um sonho que rumoreja nas colinas florescentes da música de fogo


iria contigo até onde as pétalas se desfolhassem em submissos tapetes maravilhados


e tu...no mais alto de ti..passeasses esvoaçando sobre a areia escarlate...


como uma filosofia onde o amor fosse apenas carne...


 

LXX


No sítio invisível do desejo...a música floresce nas crianças


bem sabes que no alto os glaciares vigiam os lábios....o frio corta..o sémen escorre


e no granizo incendiado as flores cobrem-se de azul-leitoso..


 

LXVIII


Passam os fiéis..borbulham os fogos reflectidos em conturbadas preces


as bocas agitam-se nas cinzas vermelhas...


os barcos rebocam os cânticos enfastiados das tartarugas...


nada ostenta o escuro...


e a manhã é uma escada infinita para a imortalidade...


 

LXVI


Ainda a manhã vermelha jura que a nossa sombra é outra


e já o tempo nos cega as palavras que nos sobram


as estrelas traçam rumos no céu original


e a vida senta-se no fundo de uma cova aberta no mar


rindo-se...


sentada sobre a infinitude de um coração enfeitado com sombrias flores de aço...


 

LXIV


Era o tempo da chuva


a noite..o gesto..a cova...


a dança que se apaga na linguagem de um olhar cheio de estrelas


esperas o acontecimento...a ferida..agitas a a luz


o teu corpo esvoaça..supremo prazer de outonos negros


e bem no fundo de ti ...o nada acontece...


 

LXV


Negro..escuro...como a memória de um fogo extinto


dorme a eternidade numa cama de palavras que se percorrem a si próprias


dentro desses olhos intactos...a água já não possui a dança salgada das imagens


é agora um simples caminho feito de leitos e sémen...


uma miragem onde o pássaro de prata polida...


caiu ferido pelo outono das estrelas do mar


e desaguou numa estrela mordida pelos nossos olhos...


 

XXXII


É neste silêncio que as azenhas ainda resistem aos sinais do fim


e as estrelas glaciais respiram fundo...consolam a eternidade e dormem juntas


as horas despejam luzes sobre o azul marinho das bocas


imperceptivelmente o ar corta a manhã


e as pedras parecem-se com bocados de eternidade


não há tempo nos escombros de uma imagem


não há tempo no beijo aceso que embarca no veleiro


respiramos a nossa mudez..


como um consolo que gravita na polpa de uma medusa


não temos pressa...somos o nosso próprio refúgio!