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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

O anoitecer dos corpos

 


Talvez sejas tu quem me espera por entre o reflexo filiforme das sílabas


Escolho-te como se escolhesse uma luz que atravessa o frémito da folhagem


És a minha ficção pousada no papel onde escuto o teu riso


Os teus cabelos lançam gritos ao vento..libertam-se do anoitecer dos corpos


És agora a cor do tecido que me veste a alma...entro em ti e sonho-te


Voo no teu peito onde o dia amanhece e onde a minha voz ecoa


Como hei-de saber o teu nome?


Eu que já não tenho nome e sou apenas a aresta de um pássaro sonhado


Que se move em direcção a um sol embevecido.


 

Literalmente palavras...


Suspenso num enorme espelho azul...toco a luz branca dos sonhos


Imerso...ancorado num céu onde as árvores se pintam de flores doloridas


Sigo o caminho do não-regresso...lá fora... o gelo despede-se do seu próprio frio


Todas as coisas estão suspensas num tempo que se desenrola de dentro para fora


Brincam às infâncias que correm pelas ruas desertas...


Onde há brechas nos ossos opacos dos sonhos...


Só as árvores pintalgadas de flores violetas penduram em si os dias felizes...solares


Há no ar uma sensação de olhos colados ás vidraças..há aquele céu sempre presente


O gelo que se derrete acorda os animais...límpido gelo que toca o fundo das vidas


E se o céu fosse um espelho onde as águas se mirassem?


Quantos campos vazios nos ouviriam assobiar? E o inverno? Seria uma cama inacabada?


Podíamos nadar em corpos espessos...feitos de cores solitárias...


Ossos salientes...magreza...pinhais que se desmoronam em bocados de papel...palavras


Literalmente palavras...gestos suspensos....cores...apaixonadamente frágeis...despidas


E nas águas profundas desenvolvem-se vidas secretas....brancas..cegas...luzes


E pelas janelas escorre a maresia da noite...explodem sóis matinais....há uma sensação de fuga


Presságios vagueiam como cometas..luminosos espelhos onde se escreve dor..


Com o dedo indicador!


 

CÂNTICO 1


É preciso encontrar a palavra transparente


Aquela que atravessa a nostalgia..aquele som que atravessa o céu-da-boca


Aquela palavra que arde em todos os tempos sem fazer ruído


Como uma janela sobranceira ao castanheiro cujos ouriços picam o chão


E nessa palavra renasceremos...


Como se fôssemos o calmo balir de um dia ensolarado...


Onde os nossos grilhões se deitam em sossego.


 

Um homem escuta o seu interior..


Um homem escuta o seu interior...ventrículo...aurícula...os braços crescem dentro dele


Corre...a neblina vinga-se do dia...distorce as faces...


E o homem desliza como um bailarino..bardo ressequido...poeta da floresta...


Foge...o vazio persegue-o..o vento é a poesia do ar em movimento...


Talvez uma melodia o recorde....que nas praias rastejam partículas de sóis doirados


Sempre luminosas...sempre iluminadas....


 


 

Deslizo para dentro de mim...


Pintam-se as fachadas....uma nuvem abraça o mundo..distorcidos braços incendeiam-se


Das árvores sopram vagas de folhas..como homens caídos..sintéticos..desavindos


As cores absorvem a neblina..é outono..paro...o vento restolha..vagueio


São outras as minhas cores...é outro o meu sol...escuto o ruído ressequido das oliveiras


O mundo desconhece a minha melodia... a minha dança acrobática...a minha escala


Algures..na floresta vivem homens nus...outros vestem folhas...verdes


As aves agitam-se como melodias inacabadas...o céu espera...o verão adia as nuvens


Nos passeios soam violas...Bob Dylan renascido...a fala da vida a desfazer-se em vento


Nas margens do rio dançam pedaços de madeira...lixo de outros lugares


Mulheres passeiam...amarelecidas pelos dias procuram a grinalda...a máscara..a névoa


O vento esqueceu a poesia...o ruído rasteja pelo medo..acre..alma...fascínio


Sigo para dentro da chuva..acalmo a morte..arquejo perante os relâmpagos...não os temo


E sento-me sobre a minha brisa...como se fosse um punhal que corta o mundo


Deslizo para dentro de mim...descanso...enfim...tornei-me uma partícula de nada!