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folhasdeluar

folhasdeluar

Falaremos ao fundo dos lagos...

 


 


De cidade em cidade procuraremos as sombras da Grécia antiga


Esbeltas imagens de deuses sonolentos...perfis de miragens...o trono de Jasão


Argonautas de leite e sangue de víbora


Em Cólquida o amor aumenta o frenesim do dragão


A solidão deixa um rasto de indiferença nas madrugadas


Medeia espanta os insectos do deserto...há uma erecção de luz


A ambrósia contenta o Olimpo...e o pesadelo atravessa todos os rastos


Quando a madrugada nos ofuscar...tocaremos nessa luz com o nosso sal


Falaremos ao fundo dos lagos...onde insanos linhos tecem a nossa nostalgia


Buscaremos a crueldade dos instrumentos de tortura


Inventaremos receios e empalaremos a luz


As pérolas deixarão as conchas...para depois amarelecerem na erva sorumbática


Lunares outonos desfazer-se-ão em graníticas Ítacas


As flores selvagens despertarão no fogo das bocas


O nosso corpo extravia-se no canto das aves


E regressamos ao nosso jardim..com o rigor de quem cumpre um desejo


Que até as insensíveis trompetas-de-anjo nos perdoarão as mágoas.


 


 


 

Amanhã cresceremos!

 


Caminho ao teu lado..sorrio..conheço o meu destino


Através dos teus olhos vejo falésias verdejantes..cavalos selvagens...crinas doiradas


No véu que cobre o teu rosto...estampa-se a serena voz dos espelhos


Ao longo de ti agrupam-se cadências de rosas amarelas


Folhas de rostos delicados acordam com o canto as cigarras


É a fusão dos olivais em comunhão com o Estio


A espiar-nos estão os lagos onde nos debruçamos a sede da nossa ausência


É a água verde a abater-se sobre o tecto da terra..


Margens isoladas perpetuam a nossa fome de gritar


Alongo a distância dos teus olhos..espreito-te...


Amanhã cresceremos!


 


 

Deixa que a serenidade da tua carícia se quebre na minha alma

 


Há uma labareda que queima o vento


Um vapor de cores geladas adeja na mansidão do voo das andorinhas


O sonho tece as manhãs com alamedas desfolhadas


Penas suaves desprendem-se das flores do sonho


Subimos pela palidez de Março..vamos ao encontro do sol e da espuma


Mas há um gelo que queima a luz nua das manhãs


Um vapor de onde emergem rosas frescas


Há frémitos a crescer nos sonhos...palavras a nascer nos versos


Barcos que cantam em pleno dia


Escândalo de jornais onde a banalidade treme de prazer


Ai esta máscara a acordar-me para as flores entreabertas


Ai este flagelo das vozes irreais


Delírios de felicidade aquecem o teu cheiro...aquele que ficou nas minhas mãos


Vamos acender o nosso candeeiro..


Vamos atear o nosso sol despido da pálida neve da ilusão


Por favor..deixa que a serenidade da tua carícia se quebre na minha alma


Como um aflorar de bosques caprichosos


Onde a melancolia morre na tarde rasa de água.


 


 

É fértil o olhar que não nos define

 


Hoje as aves visitaram o meu oásis


Falaram-me de magias e de cobras-de-água


Disseram-me que o peso dos rios desponta na pele da noite


Que peixes vermelhos se perpetuam no solário das ausências


E que de manhã visitaremos os bosques de escritas delicadas


Onde as palavras adquirem a nobreza das paisagens


É fértil o olhar que não nos define


Como também o são os dragões a irromper da irrealidade


O sol ensina o caminho aos frutos silvestres...mostra-lhes a beleza do néctar


Assim o tempo nos roa o veludo da voz interrompida por soluços


Partimos..e nas nossas mãos crescem dias demorados


Olhamos a fuga de tudo o que acumulámos na memória


Esquecemos o mágico feitiço dos pomares


Onde as laranjeiras se encantam pela delicada aranha


Teias feitas de lodo interrompem o nosso caminho


Perdemo-nos na milenar manhã das paisagens nacaradas


Somos agora o que já não somos...


Conhecemos os fragmentos dos nossos minutos


Mas nunca o ouro dos dias se derramará sobre a nossa pele despojada


Porque o ouro dos dias se perde nas paisagens que se tecem na argila fresca


Nesse barro que amassaremos na nossa fome de pedras preciosas


Meditando sobre o estará para lá das montanhas desconhecidas.


 


 

Breviário XIV

Vejo espelhado no céu o voar das pombas brancas que nos vêm absorver


Sei que os barcos deslizam ao longo dos canais


Porque na candura de um céu lívido...


A rósea aparição do dia desperta nas brumas dos anjos


A campainha dos desejos insanos.


 


 

A hera

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A hera cobre-me as paredes da casa..


Cobre-me o silêncio como se fosse a nitidez da noite


A hera arrasta-me para dentro da sua voz...fustiga-me a cama desfeita


Desliza pelas paredes..acolhe as osgas..abre os braços


Nenhuma voz se ergue perante a hera


A hera é a fissura dos dias agarrados a mim


É o som da terra subindo pelas minhas paredes...


É o meu sono profundo...a minha pertença a uma terra distante


É o meu sonho..a minha água...os meus braços...


A hera sou eu agarrando-me ao corpo dos dias


É o fogo de um passado colado ao chão do teu corpo


A hera é o silêncio onde encaro o seio das fotos antigas


Gosto de olhá-la e de me recordar de mim mesmo...


Até que o meu grito ecoe na deriva do sonho


E sinta que pertenço a uma paixão..


Transportada nas asas de uma borboleta.


 

Agarro o vento..

Sob a face fria da estátua cresce a expressão do destino


Iluminura de mortos a cintilar no escuro dos segredos


Inquieto-me..nunca saí do meu sono...nunca me apeei do teu corpo


Subo à tua gávea e imagino metamorfoses de estrelas


Os barbitúricos adormecem nos frascos perdidos na noite


São a tempestade das estátuas silvestres


São o corroer das terras distantes...a velhice das insónias


E eu que sou tão nítido como um passado fustigado por ecos


Agarro o vento..a vida..a tempestade..


E escrevo por cima do abandono das manhãs envoltas em lugares brancos


E nítidas partes de mim...falam-me da ignorância dos mares.


 


 

O céu é um jardim de segredos perdidos

A areia molhada apaga-se nas pegadas das aves


A serpente marinha contempla o estremecer dos corpos lineares


O céu é um jardim de segredos perdidos


As medusas carregam nos tendões a mensagem de uma estrela


Avisto um marinheiro dentro de uma garrafa de vidro


Transporta em si a divisão atómica dos espaços


Um quadro de Miró nasce nas costas de um tigre


A realidade flutua numa roda dentada


E o suicídio é a espera do vento..ansiando pela imagem do céu


Enquanto os goivos esvoaçam pela cintilação de uma nuvem.


 

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