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folhasdeluar

folhasdeluar

E nas nossas mãos nasçam insónias

E do rio que perpassa sob a pele resta apenas a ponte levadiça


A água levou a canção perdida...turvou-se a sombra larga dos ulmeiros


O que senti...formava fragmentos de coisa nenhuma


Mas agora posso-te dizer o que esqueci ...


Nos portos onde o véu roxo da neblina habitou


Esqueci o estremecimento do crepúsculo rente ao meu corpo


A música líquida dos mares..o sussurro do sangue


As horas ressuscitadas das ilhas envoltas em sobras de nada


Sonho dentro do sonho..corpo espreguiçando-se dentro de outro corpo


O horizonte tem palpitações de cidades perdidas


Mostra as manchas das cartas inscritas nos astros


Amanhece...e a minha pele estremece com ausência do teu passado


Espreguiço-me..flutuo..e coloco ao pescoço meu amuleto feito de chuva


Conta-gotas onde os silêncios cúmplices se instalaram


Até que o amanhecer das planícies desça ao nosso passado


E nas nossas mãos nasçam insónias


Esgueirando-se por entre o eco do nosso sono.


 

Talvez um dia ao acordar..

Uma noite...quando o fechar de olhos era apenas um instinto


Desci dos segundos que foram o meu nome


E recordei-me da respiração do teu rosto feliz


Perdi a memória dessa noite num amanhecer


Em que o peso da folha de papel vazia...refulgia na minha solidão


Hoje...escavo o buraco onde a tua presença se despiu


Levanto essa poeira com olhos de criança tatuada


E sei que uma estrela...com o peso da minha idade


Sulca um olhar anterior a mim


Talvez um dia ao acordar..recupere na candura de um riacho que me atravessa


O meu rosto...e a tua idade...


Então recomeçará o nosso regresso às folhas das árvores


E saberei então o teu nome...


 

Somos filhos do Nada

 


 


Todos os homens nascem da mesma fornalha e do mesmo molde e são feitos com os mesmos materiais, são portanto iguais no formato, no entanto a sociedade valoriza o que tem mais poder, o que mais oprime e o que mais manda, em detrimento do mais bondoso, do que mais distribui, do que mais se equipara aos seus irmãos. E porque vivemos nesta sociedade absurda, onde os sentimentos são impostos pelas regras do ter e que se assim não for o mundo desaba. A matéria de que somos feitos veio dos confins do Universo, provém de um tempo onde não existia nem maldade, nem dinheiro nem ambições, portanto, somos   filhos do Nada, e não queremos perceber que para lá voltaremos.


 

A fala das vagas...


Sobra-nos a morte deitada sobre as quilhas dos barcos...


Esqueceste o olhar...perdeste a história...os peixes agora temem os mares...


No oceano extingue-se a nossa luz...e tu ..tu que és a poeira incandescente das marés...


Deixas-te ficar aí deitada...e não contas a ninguém a fala das vagas...


 

O relógio de sangue é cúmplice de Ares

Sangram as raízes das estátuas..


Mandrágoras velam os dias por dentro dos sussurros


A seiva do passado é a origem da música esquecida


As flores enfeitam o cemitério dos feitiços


O tempo sobra-nos..o relógio de sangue é cúmplice de Ares


Afrodita desliza pela chama da noite erótica.


E rochas lunares espreguiçam-se na fénix das cidades.


 

Breviário XIII

Distraídos pensamos que o futuro ficará connosco


E na sombra da luz que alumia os nossos medos ...acreditamos nas cartas dos oráculos


Mas o tempo está morto..afogou-se na respiração das horas


É uma formiga-de-asa em delírio...voando para o extâse do céu.


 

A morte é a poesia desprovida de respiração

 


Calcárias areias falam-me dos afogados


Nas grutas a água escorre em lágrimas estalactizantes


Contemplo os pingos que caem das vozes de quartzo


O coração é uma eternidade reclamando pela fosforescência da luz


Um manto feito de rosas explode numa memória de cristal


O infinito é um pássaro alheado das suas belas penas


A morte é a poesia desprovida de respiração


Porque quem se afoga reveste-se de sal-gema


E fica para sempre deitado na indefinição de um mistério.


 


 

Um novo tempo de nos olharmos

 


Despe-me desta morte que me veste o corpo


Aquece a frieza que por mim passa..rastejando como a serpente negra


Altivos rios pedem o regresso dos meus passos às margens do teu olhar


Ainda que a sede de fontes me procure


E que a milenar voz da infância deserte


Sei que é nos bosques que os rios se prolongam


Conheço o delgado enlouquecer da Hydra


E a perfeição transparente do barro frio


Hoje a ninfa de jade ecoou no lodo feito de pele arrepiada


Disse que a ausência das aves é um desvario das pedras


Que os sonhos nos tocam com mãos de ouro


E o fogo arrefece no silêncio de cada jardim.


Mas um dia..em cada árvore nascerá uma utopia


Em cada caminho haverá um desejo


E quem sabe..com sorte...os fragmentos da morte enlouquecerão


E dirão que nos rostos vivem paisagens


Nos olhos o horizonte não terá fim


E seremos todos mágicos..inventando uma nova escrita


Um novo tempo de nos olharmos


Porque do único sol que existe embutido em nós


Desprendem-se os caminhos da ternura e da água.


 

O tempo que adormeceu na sombra de uma sebe


Jardim de alamedas fugitivas onde alcanço a poeira da minha idade


Aqui o tempo renasce em cada orquídea...aqui se perde a minha face


Uma pérgola fala de olhos..de tacto..de cumplicidades


Aqui o dia é uma árvore frondosa...é o amansar da tarde


Pergunto onde vai o tempo que perdi nos desencontros


O tempo que adormeceu na sombra de uma sebe


Persigo esse tempo colado a mim...essa imagem cheia de olhares impacientes


Estou vivo na harmonia de um canteiro de begónias


E sonho com murmúrios de regatos onde as árvores deitam os ramos


Mas já não sou eu...sou apenas a parte de mim que a natureza me deixa espreitar..