Um olhar feito de olhares
Escrevo o último instante... sobre o sono murcho das buganvílias
O sono é mais pesado que o ladrar dos cães
O silêncio dilui-se nesse ladrar acidental
Recolho-me dentro do sorriso que me disputa o barro das estrelas
Circulo na noite para lá de todos os receios
O jardim abre-se todo para mim..como uma ave liberta do sol
Recolho nos meus olhos o azul-celeste...é um azul deserto de respiração
Nu... como os passos da aparência
Viro-me para o outro lado...não receio as águas que deslizam pela calada da noite
Vejo-me com um olhar espesso...um olhar feito de olhares
Um olhar que deito para as costas ..como se fosse uma fotografia nocturna
Não há horas para os moinhos..apenas vento e uivos tristes
Na profundidade de um corpo surgem inesperadas estrelas
É possível que a eternidade dos relâmpagos faça lembrar os receios
Mas a memória ergue-se das fotos...como bolor saindo dos rostos
Sei que nas asas sonhadoras do espaço habitam mares nítidos
O destino é uma ave caída do ninho
Ignorando as memórias empoadas da terra
Reluz a cal ao sol do deserto...é excessivo o mundo que me enche a mão
Finjo silêncios..ignoro-me...a casa atravessa-me os ossos
A minha fantasia cria musgos verdes em paisagens desertas
Fujo de todos os limites..de todas as viagens..
Resguardo-me na caleira que leva ao coração
Escondo as mãos num rosto ardente..
E escoo-me pela noite fingida.