Contra-luz
Para onde nos leva a água que corre sob a luz do nosso abismo?
Essa água difusa que se espraia no nosso corpo arrepiado.
No seu brilho palpitam as asas abertas de um tumulto
Nas suas páginas estilhaçam-se silêncios gelados
Há uma impureza que vagueia no escuro..
Há um peito cavado no arrepio de nós
Cegos...somos a cegueira da paixão que se desprende de si própria
Somos o brilho encandeado pela sofreguidão dos extremos
Somos a tempestade que floresce no fumo filtrado da luz
Translúcidos..somos translúcidos como anjos descomunais
Estilhaçamos as pétalas das flores...
Comemos penumbras de margaridas melancólicas
Crescemos dentro de um arvoredo deslumbrado pela alvorada
E quando a lividez das açucenas nos cobrir com as suas pétalas
Seremos o livro das orações guardado na gaveta.
Onde sobressaem os odores do incenso
Como se fossem neblinas de dias esfacelados
Dias... onde o seu começo é um rio a desaguar nas raízes dos canaviais
E os seixos arrastados pela corrente
Dizem que somos o fio da meada
Que somos a teia de aranha que se suspende na contra-luz
E que não pode mais disfarçar o seu vulcânico palpitar
Porque já não há disfarce... para além da cortina enfeitada com assombros...