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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

O sol arde sobre os gestos

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Aceita a dor que o teu sorriso esconde..lava a bruma do teu olhar

O sol arde sobre os gestos despojados..a terra é uma ternura feita de esquecimento

Tão certo como os bosques rirem das auroras...o amor leva para longe o mundo

Onde tu estás..também há alguém que por momentos se esqueceu de ser feliz...

O prazer raia o mistério das coisas eternas..repousa sobre a longa cauda dos cometas

E os sorrisos...

Esses pássaros despidos de madrugada onde as nascentes evocam poemas

Essas nascentes nuas..que se espreguiçam longamente pelos vales

Prometem ser felizes e espelhar os céus

Em todas as possibilidades há um universo...

Em todas as paisagens há pálpebras que riem

Em todas as promessas há a eternidade das pradarias

E na natureza da carne entreaberta..despeço-me da tua fronte envidraçada..

Porque em todas as coisas há um aceitar de despedidas...

Um dia alcançaremos a terra e o céu...

Que há dentro de nós....

 

Desconheço a luz que me despe

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Um dia ...quando a minha alma que chega do lado mais escuro...saborear o vento

E a claridade dos deuses me cegar os ossos...devorarei as raízes das coisas impuras

Enviarei mensagens encriptadas ao medo..serei a seiva espalhafatosa dos astros

Nas ilhas ascenderei ao olhar dos mortos...

Pois conheço esse caminho de cegos onde os deuses estremecem

Um dia...quando minha pele se vestir com os cantos que ecoam na noite

E as raízes se cobrirem de vergonha...

Serei eu próprio quem dormirá sob a seta de Apollo..e serei o relâmpago que matará os Cíclopes

Sei que no azul silencioso todos os caminhos se cruzam..por isso estou vivo e avanço

Reconstruo-me..escoo-me...ascendo às asas do meu lume..incendeio-me

Adormeço quando a manhã avassala e desampara...sou o respirar dos pássaros

Desconheço a luz que me despe..por isso envio falaciosas rimas aos infernos

Misturo-me com as constelações..dispo-me com a estranheza dos desassossegados

Com um encanto de Sibila refaço o mar...visito Michelangelo...

E caio desampado no meu abismo...

 

O direito à preguiça - Paul Lafargue #3

Um poeta grego do tempo de Cícero, Antipatro,celebrava assim a invenção dos moinhos de água., uma descoberta que iria emancipar as mulheres escravas e trazer de novo a Idade de Ouro:«poupai o braço que faz girar a mó, ó moleiras, e dormi em paz! Que o galo vos avise em vão que já é dia! Deméter impôs às ninfas esse trabalho dos escravos, e ei-las que saltitam alegremente sobre a roda, e que o eixo rola com os seus raios, fazendo rodar a pesada pedra giratória.Vivamos a vida dos nossos primeiros pais e, ociosos, regozijemo-nos com os dons que a deusa concede.»

Isto escrito em 1880 na prisão, continua a ser actual, na verdade a máquina não nos veio libertar, veio escravizar-nos...hoje somos escravos da produção em massa,e vivemos sem tempo para viver......

Vestimos as memórias

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Vestimos as memórias com fissuras de poucas palavras..lisas palavras

Dissemos que a noite ardia nos corpos derramados sobre o rio

Procurámos um espaço no tempo para saltar de folha em folha

Como poeira arrastada pelas margens...

Fizemos estalar o nosso nome sobre os anos do silêncio

Feliz era o tempo em que as minhas mãos alcançavam os poros da noite

E a humidade lacrimosa da aragem tecia estrelas na nossa pele

Desenhámos espaços e escalámos sonetos...

Fomos a primeira árvore que dormiu na plenitude do átomo

E fomos também a fonte que abre a porta ao que ainda não sabíamos

A linha da costa desapareceu com as chuvas...o coração despedaçou o choro das tardes

Eróticos répteis agarravam-se à nossa idade..intactos silêncios cresciam nas flores

Deixa que me perca nas coisas simples..a noite quer voltar ao exílio das crianças

A noite quer transformar o coração em palavras..

A noite quer escrever na neblina sem nome..quer atear nela os fogos de julho

Não sei nada das coisas que cantam melancólicos amores

De vez em quando..visito as calosidades da infância..subo ao meu rosto antigo

Com a vã esperança de ser um astro que não se perdeu

Nada atenua a verdadeira idade das horas sonolentas

Perdidos os momentos em que o céu se riscou com os cometas

Desaparecemos no frio dos sem regresso...

E os nossos passos fecham-se como conchas ...

Sobre a solidão...

 

Quero beber os restos do dia...

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Não voltarei a sentir o olhar que cintila nas aves

Hoje descanso a minha cabeça..onde a cada dia traço esquinas e metamorfoses

Quero beber os restos do dia...e amar o sangue das cobras

E...como se te amasse num abrigo feito de alfazema

Sei que nunca é tarde para contemplar a negridão das memórias

Nem mesmo para viver dentro do teu sonho

Serei como uma pirâmide que lateja no deserto..

Aliso a nudez do teu corpo com a coragem das adagas

Disparo olhares crus sobre o esplendor das chuvas

Cubro a cabeça com um leque feito de uma harmonia estranha

Um dia serei o faraó que voa nas asas rugosas das múmias..

Mas as intermitentes águas..cantam e arrastam as praias

Despedem-se das oliveiras...tecem tapeçarias de coral

Abatem-se sobre nós como flechas festivas...

São o presente e o passado de florescentes searas

Os carvalhos ainda se recordam do tempo em que o linho atapetava os campos

E a lua dormia nos vãos das escadas..ou nos bancos dos jardins...

Mas eis que a brisa azulada trás um odor a metal...

Uma foto feita de nostalgia....

Que rodopia ...como um sítio onde nada se esquece...

 

Pesa-me a noite.

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Há um luto ondulante na brisa que sopra desafogada pelas ruínas das casas

Uma espuma carregada de sal que seca as vinhas...onde ardem desejos

As pessoas ainda não nasceram...no mar as ondas soltam o seu grito

Sento-me na penumbra intermitente..espero que as árvores abram as janelas

Pesa-me a noite..perdi o canto sibilino das estrelas..bebo a geada da manhã

Absurdamente o coração escapa-se..ressurge numa lengalenga de veludo

Pingos escuros absorvem a tinta das paredes..mancham as quilhas dos barcos

Surge um vento que dispersa os gritos das cigarras...

Chega com a espessura de uma paixão

Apalpo o pesado eixo da luz

Abraço o inconsistente cântico das plantas..

Sento-me e espero...

Agora sinto que as palavras embalam as águas

E que as árvores crescem sobre vagarosas luas

O horizonte apaga-se numa colcha de sangue

No leito onde se ciciam ternuras..os peixes despertam e fogem...

E nós... recolhidos no esplendor ténue da noite...

Guardamos o sono numa jarra enfeitada com orquídeas azuis...

 

 

 

 

 

A respiração do amor..

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Na noite...as sombras das árvores parecem crianças à chuva

Rumorejam em volta dos versos...Pessoa e Homero aparecem como setas

O sol queima os passos...as cidades perderam o valor...

São como hastes dependuradas na memória vaporosa das aves

Depois..chuva e grãos de areia são a mesma coisa...

Porém as colinas encaminham-se para a solidão

São a respiração do amor.. António Nobre e a decadência...

Os Alpes são brancos como sonos

Do mais quente do céu pendem sombras desarticuladas...Roma chora Virgílio

Eneias dorme sob a cerejeira...e os cavalos crescem sobre o musgo dos bosques

Nuvens leves como respirações aproximam-se de nós...

Cárites assombradas pelo espanto...cospem doces astúcias...

e nós florescemos nos prados..como imortais...

 

 

Tu..doce e serena..

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Hoje senti que uma poalha se erguia na ténue claridade dos lírios

As abelhas voavam em círculos..como barcos cantando nos redemoinhos

Sentei-me sobre a geada e senti-me grato quando o sol se veio deitar comigo

Ouvi o ciciar das gaivotas sobre as ondas...e tudo me envolveu

A tua atenta face..erguida sobre a névoa..

O teu esplendor que fugia como se fosse um labirinto onde me perdia

O calmo azul do meu coração..as paredes a dissolverem-se numa gratidão pacífica

O peixe que nadava junto às pedras...os versos que caminhavam como meus irmãos

O suor dos muros caiados...o teu peito e a tua boca na penumbra...

Os teus olhos cerrados... sonhando com emoções de adros ...onde se escutam salmos

Uma bela praia abandonada..o mundo todo...a colcha branca...os sussurros das pedras

A extinção líquida do outono..o vento matinal..os nomes das coisas

Sim ...não estranhes...

Os nomes das coisas querem dizer qualquer coisa..falam como setembros

Dizem-nos que tudo pode acontecer na fímbria da noite

O coração que bate..o mel aéreo dos insectos...a avareza da alegria...

Pois também há alegrias avaras..como esplendores inacabados..

E há receios..gatos vermelhos em telhados quentes...e fugas..

Fugas que cantam pelas ruas..entranham-se nas portas..dormem nos umbrais

Espreitam a volúpia das constelações..as pequenas praças..os portos distantes

Onde tu..doce e serena..como uma folha de hera...lá estás...sempre....

 

 

No rosto do céu

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No rosto do céu reside o mistério..a dor..a aurora

No sonho do sorriso está a vida..a viagem..o sol

Estranhas brumas derramam-se pelas noites

Corremos o mundo como se fôssemos feitos de esquecimento

Os nossos corpos despojados

Foram feitos para adormecer dentro de rostos felizes

Tudo se reflete nas paisagens..o prazer..a eternidade..

Tu e eu fomos feitos de todos os prazeres

Fomos bosques e pássaros...pradarias nuas...pálpebras prometidas à natureza

Deixamos que o universo marque o ritmo do nosso corpo

Esse estranho corropio de imagens ...encerradas em pele e ossos brilhantes

Os teus seios entreabrem-se como nuvens paradisíacas

Longos pássaros descem sobre a nossa carne raiada de fogo e paixão

Prometo-te que o Universo durará para sempre..

E que dentro dele estarei eu..também sempre..à tua espera

E..como um sol que se levanta no pulsar das palavras...

Digo-te que és o meu sufoco...a minha luz enternecida

A minha água açucarada...