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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Íamos ao encontro das primeiras chuvas

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Íamos ao encontro das primeiras chuvas

Não queríamos nada...não esperávamos nada

Éramos a música incessante da paisagem..os olhos do verão..deuses ardentes e gasosos

Possuíamos todas as chaves..a da ausência...a da felicidade..

E a da porta...

De onde talvez se avistasse uma fresta de alma coroada pelo canto das cigarras

Nada fazia sentido..tudo era o sentido..o trigo..o beijo... a alma esvoaçante

Para quê falar das coisas que acabam?

Se avistamos ao longe o desenho inacabado da luz que irrompe da vibração dos dias

Talvez a leveza de um muro de pedra no relembre a paz dos campos

Talvez o frio nos torne a apaziguar a fome do sol

E a lembranças das pétalas roxas das orquídeas nos diga que partimos

Mas há um fulgor nas janelas que abrimos...um cavalo que volteia no pasto

Que nos diremos quando o nosso nome se chamar lume?

E das sílabas se erguer um azul fustigado pela paisagem aflita?

Nada..possivelmente nada...apenas esperaremos que do profundo dos nossos olhos

Se erga a estrela...a estrela primeira...matutina

Feita com o silêncio do bafo das nossas bocas...

 

Cheio de poemas e pedras...

Frente ao apelo salgado do horizonte ergo os meus olhos...ardor de raios oscilantes

Em face desta morada reconheço as areias que dançam no flanco das ondas...

Lembro-me delas e de ti junto ao reflexo da luz

Traço o meu retrato nessa luz que cai a pique sobre o desejo

É tempo de renascer dentro de um ciclone

É tempo de dançar nu sobre a memória marítima das ilhas

As indecisões são apenas vento que empurra os lábios para a água

Secretos rumores erguem-se próximos do êxtase

Reconheço estas flores que falam alto...estes secretos vinhos extasiantes

Estes passos que se penduram nos navios carregados de noite...os teus passos ligeiros

No ar brilham interrogações...dúvidas...águas inocentes de olhares infantis

E vamos derreados pelas revelações e pelas as redes que nos sustentam a angústia

E vamos inclinados...corpo dobrado e ecoante como a tristeza que singra pelas vielas

É tempo de largar essa tristeza...deixá-la em qualquer parte...

E embarcar num barco magro...que seja o berço do nosso renascimento

É tempo de deixar os dias passar pelas quilhas...raspar o lodo dos remos

Seguir em direcção a uma luz matinal....como uma flor-ave que derrama carinho

É agora a maresia que clama por nós...como um verão emplumado e ternurento...

Ofegante..puro..cheio de poemas e pedras...

 

Doirada e pungente como um bago de luz

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Era no tempo em que nas planícies repousavam eternidades

Que a minha voz ecoava por todos repousos onde te deleitavas

Despojados pelo frio branco do sonho...

Éramos como corpos transparentes de fantasmas precoces

As horas...as ilhas... a doçura tardia do céu de esmeralda

Envolvia-nos como lembranças de espelhos despejados sobre a terra

Vi-te através da poalha onde repousavam tardios desejos

Senti-te como um rio que corre pelas paredes do espanto

Irreconhecível sombra alada..boca repousada...corpo tardio

Entre o sol e as chamas enxugam-se as marés

Os pântanos...são espelhos frios onde as brumas se atolam

Lá...o sangue envolve-nos como um lençol onde se acalmam dores

Quero ouvir o teu rosto a envelhecer junto ao trigo..

Doirada e pungente como um bago de luz

Transparente...como se o mundo inteiro te esperasse

Repousada...como um sono onde eu ardo...

Alimento e fome de dunas atoladas em sorrisos

Se alguém nos reconhecer...é porque somos claros...sobreviventes...terrosos

Sei que sou tão leve como o lugar onde os olhos se põem...lado a lado

E não há melhor suplício...

Do que o de um coração que navega pelas tardias fontes do amor...

 

Saciávamos a profundidade de nós com pequenos gestos

Lembro-me que havia um rasgo infindável no interior mitológico de nós

Sabia que havia areias e saberes a perseguir a tua sombra esquiva

Lembro-me do lume que habitava a noite...onde o mel escorria pelo lado oculto da cidade

Passávamos pelas ruas com o coração aberto sobre a vontade de gritar

E no nosso rosto as ausências marcavam os olhos...como manchas descoloridas e vazias

Saciávamos a profundidade de nós com pequenos gestos

Precários gestos que a tristeza enjaulou...latentes gestos que ninguém percebia

Serei eu o último a saber de ti?

Terei eu os dedos oxidados pelo tempo que se quebra nas vidraças?

Escondo-me na foto amarelecida pelos dias...

Olho-me e esqueço que fui aquela imagem incongruente de mim..não me percebo

Rasgo os dias...decido ficar onde ninguém perceba o meu monólogo com a noite

Sento no chão de barro o corpo que pernoita em mim...olho os barcos e o lodo

Há medo neste crepúsculo precário onde me sento

Há um diário manchado pelo sal...enquanto um gato dorme... perdido na imensidão do tédio

Sei que nas sombras esquivas das casas a memória dói...

Pouco resta do sono dos insectos..tudo se quebra na suspensão fulcral do tempo

Depois..nas veias onde o sangue aquece os dias...

E a vontade de te chamar acode à minha garganta

Celebro uma metamorfose estelar...perdido numa noite sem nome

Agarro-me à tua imagem...como a uma catástrofe insana...pesada ...afrodisíaca...

 

 

Curiosidades

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 Nos recantos mais profundos de Portugal há sempre uma surpresa à nossa espera...neste caso o galo "usa" um sino....mas é só o galo... as galinhas coitadas têm que debicar sem som...e caladinhas....

Há um silêncio que abrasa o corpo...

Há um silêncio que abrasa o corpo...

Uma palavra que esfria perante a palidez do olhar

Sobre os dias corre um imenso coração...surdo e impalpável

Rodeia-nos o prazer de uma boca em brasa...

Uma carne que desperta na tensão do amor

O coração desvenda todas as angústias..acaricia o sonolento despertar da luz

E nessas horas que caem sobre a relva...tudo é fogo...tudo é descoberta

E há um fruto que desce pelo corpo...um imenso bulício que amanhece

E nas horas...e nas nuvens...e em todas as coisas surge a festa

Velhas e eternas lembranças nos envolvem..sonolentas carnes refrescam-se no prazer

Acariciamos as cidades que nos vêm à lembrança

Desvendamos o fruto que nos amaciará os sentidos

E nas planícies e nos sonhos...por entre as vozes íntimas dos fantasmas

Sempre nos reconheceremos...

Porque do chão duro...nasce a fartura do nosso prazer...

 

Um lume inóspito...

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 (Foto Fernando Piçarra)

Tenho medo que as palavras fujam e que o despertar seja apenas um sufoco

E não basta que os espelhos nos sepultem a alma numa candura opaca

Inesperadamente...podemos ser o turbilhão que regressa ao que fomos

Podemos acordar no lugar onde tudo se revelará

A noite será como a cinza apagada...mas dolorosa...uma vontade ou um vestígio

Nunca é tarde para regressar ao branco da insónia

Nunca é tarde para saborear a candura inóspita da alegria

Deixa que eu percorra o teu coração com o meu rosto desperto

Bem sabes que dentro de um esquecimento há um lume aceso...latente...

Um lume inóspito...

Mas cheio de vontade de beber de ti o sumo que revelam os teus olhos

Não basta afiar a memória nem desafiar os tigres

Porque nos becos...a ausência do desejo é um mar apagado e sem regresso

Não basta acordar e dizer: ofereço-me a ti

Não basta acordar e perceber que o mel que saboreamos..é um sorriso

Nunca é tarde para perceber que as palavras estão cheias de sílabas de amor

E que nada pode substituir a brisa carregada pelo perfume nocturno das giestas

Há uma boca...há um dia...há uma noite em que tudo brilha como um gesto pacífico

Nada pode roubar-nos a memória que sepultámos em nós

Nada pode apagar o riso..o rosto...o escorrer dos lábios pela pele serena e doce

Talvez as palavras estejam desencontradas...

Nada nos pertence..nem mesmo o nosso rosto

Somos de outros...somos de todos os outros que não nos vêem..felizes?

Mas sabemos que ainda é possível mergulhar na trepidação dor

Sabemos regressar ofegantes às nossas vozes nocturnas...às cidades obscuras

Onde apagamos os nossos corpos insaciados pelas manhãs...

Nas espirais de ausências e manchas de sal...

Regressar...regressar sempre..ao mar.

Ver ao longe o fogo da espuma a entornar música pela areia

Enquanto no crepúsculo ardem nítidas flores vermelhas

Flores que rodopiam como luminosas manchas estelares

Eixo de corações prestes a extinguirem-se no fundo escuro da praia

Breves...breves como a brisa encapelada dos dias

Que pingam sobre nós...como aguarelas translúcidas...

 

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