Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Com a sua manta feita de brisa..

marta-azevedo-5.jpg

Com a sua manta feita de brisa...passa os dias suspenso no sono das imagens

Sonha com o movimento leve dos corpos..

Olhos de avelã...clandestino alicerce de si mesmo

A sua sombra distendida reflete-se nas tábuas que cobrem o soalho

No ar... o sal enebria os caminhos...e o sol recorda-se das velhas figueiras

Na distância que fica rente ao cativeiro do horizonte...as ruas apagam-se no mar

Pega neste segredo e segue pelo desconhecido...

No fim descerá ao olhar branco dos seus passos..sai do seu corpo

Sabe onde os carvalhos tecem lendas..

E onde as flores se espalham pela ironia dos jardins

Sabe que há um lugar no mundo...uma praça feita de homens sós

Um lugar esquivo...entrançado nas imagens cruéis da guerra

Não sabe bem o que procura..talvez um casario branco..talvez uma margem ou uma ave

Passa rente a todas as catástrofes..dispersa-se pelo rosto das crianças..é o verão

Percorre todas as memórias..acaba dentro de um milagre..é a noite

Ou o tardar evasivo das almas...

Conhece os cardos..refugia-se na agitação das ruas...desconhece a idade dos templos

Mas move-se..como uma memória ou um fugitivo que desembarca em Lesbos...

 

 

Que se quebrem os dias..

30Ossification.jpg

 

Que se quebrem os dias..e os perfumes dos corpos invadam as ruas

Que as vozes digam alma em vez de solidão

Que nos rostos vejamos os traços da poesia

E quando chegar a nossa vez...

Digamos que dividimos a desolação das horas pelas frinchas do sol

O dia volta..suspende-se clandestino pelo langor dos jardins

Do sono despertam agora os gritos da manhã...

E no bulício dos corredores..as fotografias lembram-se dos tempos da pobreza

Há nas cidades um frio entranhado nos rostos

Há uma imagem de crueldade em cada mão estendida

Enquanto as estrelinhas saltitam no céu invisível

Todas as noite haverá um suícidio de imagens disformes...

No fumo dispersado pela aragem veremos cidades

E nos alicerces das vozes veremos a miséria dos malditos

Veremos o voo da morte a ensombrar as paredes

Veremos as mãos desarmadas a limparem a ansiedade nos claustros das igrejas

Bailemos..bailemos dentro do nosso cativeiro...

Que todos os que bebem água pelas mãos..um dia serão sono e doutrina

Caminhemos..e que os nossos calcanhares pisem as guerras

Que o inverno beba em nós a agonia do frio

Sejamos distantes e desconhecidos poetas

E que os nossos passos se despenhem no mar...

Enquanto o nosso corpo vagueia pela nossa maldição

Dividamos as estrelas..uma para cada um...

Sejamos nómadas e esqueçamos os códigos dúbios da alma

É preciso estar de pé..reconhecer a bruma original das vidas

E erguer dentro de nós uma constelação granítica...

 

 

Que amor antigo voltará no fim da sede?

images.jpeg

 

Que visão do céu ofuscará o fim do verão?

Que amor antigo voltará no fim da sede?

Que canção embalará as aves que voltam na primavera?

O sol invade o deserto..as horas cismam dentro do nosso peito

Derramam passagens..abrem caminhos...como cal que arde na seiva da nostalgia

Desdobro o meu olhar pela nudez das mãos..os dias passam lentamente

Dias quebrados pelo afrouxar de vidas...

O sonho nocturno faz esquecer a corrosão da realidade

São horas de ficar imóvel e fingir que dentro de nós não há cansaços

O vento derrama-se pela tarde...é difícil suportar o quebrar das flores

Dentro do medo o silêncio fala...a chamada do sul é uma alucinação

Pertencemos ao sonho e aos abismos..pertencemos às palavras e à insónia

Fingimos que o nosso olhar é real...e quando falamos de aves falamos de pensamentos

Talvez um dia voltemos a correr pelas margens do Tejo

Talvez um dia vejamos as primeiras luzes da manhã..espraiando-se no lodo

Inesgotáveis luzes que não sabem porque vivem...

Quebradas almas que deambulam pelo molhe

Se os olhos não brilharem ...quem brilhará?

Se o que vive dentro de nós se esconder quem saberá encontrá-lo?

Se na imobilidade do desejo..sumarentas vozes se calarem..quem as ouvirá?

E depois..como crianças que pisam a areia pela primeira vez...desejamos tudo

Desejamos todos os frutos e todos os outonos...as cores douradas e as ocres

Os dedos ...que percorrem o brilho cromado dos desejos

O correr dos dias..as verdades..os telhados que protegem o nosso coração ...destelhado

Mas a surdez inesgotável da escrita..permanece como uma entrega..uma cumplicidade

Um comprimir de águas muito antigas..que breves se despenham nas páginas em branco

É tão linda a textura do mar...aquele espelho enterrado na água que desperta as gaivotas

A nossa memória que se fecha nas conchas...

Só o homem sabe abrir o tempo dos reflexos prateados da vida

Suspeito que daqui a nada..apenas me espera o verde amargo da velhice...

E que um peixe vermelho me levará...como uma alma aberta ao sol...

 

 

 

És o sentido do meu texto...

4943b80d477028a171baa09ead017c85.jpg

 

És o sentido do meu texto...o meu drama e a minha sorte

És a chuva que passa pela vidraça e escorre pela minha alma

Cheiro o teu fascínio..o teu odor reside no mais profundo de mim...

No lume do teu abraço..reconheço as gotas de suor que se desfazem no teu colo

Conheço contigo a existência...

Sem ti como poderia falar de existir...ou de coração em sobressalto..

Ou do cantar dos anjos...ou até mesmo da felicidade de escrever só para ti

Tu tens o amor gravado na cegueira trémula dos meus braços

Tens o meu corpo a deslizar pelo momento da tua atenção

Esqueço o sono..basta-me um pouco de tão pouco de ti...e a insónia é o meu milagre

Deixa que te diga...que guardo dentro de mim..a frase quase absurda do amo-te muito...

A frase sem finalidade...tu és a finalidade e para isso não são precisas frases

Só me falta... o ontem e o hoje..e o teu abraço...

 

 

 

Escavo a forma da cidade..

PaoloTroilo8.jpg

 

Escavo a forma da cidade...longe de mim pensar que na sedução da chuva há um festim

Na penumbra dou nomes às coisas que me habituei a olhar

Ano após ano abro a terra...crio mundos onde nada obscurece a visão

Divido a noite em pequenos passos..habituei-me ao fogo dos corpos

E passo pela treva como quem quer pertencer apenas a outro tempo..a outro espaço

Por vezes incendeio as ruas...faço delas argila..levo-as ao lume brando do fascínio

Germina então nas calçadas...um sono de estrelas..um pomar de corações em delírio

Longe de mim tremeluzem os nomes das coisas que invento..

Ninguém sabe que ali estou

Sou o lusco-fusco do lume que afaga as paredes..a sombra subalimentada do vazio

Ludibrio os dias com a insónia de quem sabe o nome de quem passa

Reconheço nas cores da cal..os corações angustiados e a docilidade das trevas

Sei de onde sopram os ventos....abrigo em mim todos os que querem sonhar

Abrigo em mim todos os vazios da cidade..e as cicatrizes das línguas

Anoiteço e a penumbra senta-se comigo nos degraus ensonados da noite

De súbito esqueço-me de tudo..elevo-me até aos confins dos desolados

Relembro os cantares das cigarras...passos ecoam na minha pele...

Sou apenas ar...

 

Reflexão sobre a imortalidade da alma

Pensamos sofregamente na imortalidade da alma queremos acreditar profundamente que ela não morre e desse modo poderemos viver eternamente. Se a alma não morre é porque também não nasce, se tudo o que nasce morre, não pode haver algo,(alma) que nasça e não morra. No caso de a alma não morrer,( porque não nasce), ela é algo de intangível, algo perene, algo que flutua por aí, algo que nem sequer se pode comparar com o vento, pois do vento sabemos tudo. podemos pensar que a alma está em todo o lado, podemos acreditar que ela é vive por si e não por nós, e que o nosso corpo é apenas uma carapaça que a cobre...mas como nada sabemos da alma é muito difícil acreditar na sua imortalidade ...

 

O retorno à felicidade perdida

Algo nos persegue
Enquanto atravessamos as áleas da vida,
Como uma assombração...ou uma certeza...
Sem sabermos bem de onde viemos
Cobiçamos descobrir o sentido da existência
É o nosso único anseio...o que nos faz suspirar...
Sofremos...amamos...rangemos os dentes...
Pensando o paraíso como algo objectivo
Como a meta que temos que cruzar...
A saída do ventre materno
Ficou como uma cicatriz de felicidade esquecida
Com repugnância pensamos na morte
Mas é após a morte
Que esperamos voltar a encontrar essa felicidade...
Esse paraíso...
E se a morte é o retorno ao paraíso e à felicidade...
E como todos detestamos a morte...
Lá vamos esganando a vida...
Porque ninguém quer morrer!

Se de manhã encontrares um vento que sopra sorrisos felizes

4298432603_0683b86089.jpg

 

E se de manhã encontrares um vento que sopra sorrisos felizes

Se as crianças se emocionarem com a velhice

Se os barcos amarem as lágrimas excessivas das janelas

Contarás a quem encontrares..que deixaste a emoção parar-te os lábios

Que a tua boca sôfrega aprendeu a voar...e que percebeste que no final do mar há prazer

 

Se de manhã encontrares a paz..se descobrires que as ondas do mar carregam longas travessias

E que homens dão abraços a quem sabe das invenções da vida

Se um dia te encontrares com o teu suor..e a tua roupa pestanejar poemas

dirás a quem te vir...que descobriste o território onde o voo das aves começa

e que voaste com elas dentro de um quadro de Miró

 

Se de manhã encontrares tudo o que resta de ti

Se perceberes que o fascínio das incertezas é a canonização da vida

Verás que todas as tentações são apenas restos de existências

E que a ergonomia do amor reside no barulho da chuva que cai sobre os teus lábios

Então dirás a quem te ouvir...que os dicionários já não servem..que as frases já não têm ouvintes

E que tudo o que sabes...é que dentro de um abraço..reside todo o teu mundo...

 

 

São sempre os teus passos que me tocam as mãos...

dali divina comedia.jpg

 

Vem e deixa que a tua sombra seja a festa que passa rasando os olhos

Vem como se fosses o imortal momento do amanhecer

O momento que apaga a saudade e se concentra em nós...

Como se de um tempo indivisível se tratasse

Diz-me um adeus...agita-me...acorda-me do misterioso sono dos condenados

Sabes que se olhares profundamente..verás o tempo acre a sugar os poros das águas

Mas é sempre a tua voz que oiço..ignorando todos os silêncios

São sempre os teus passos que me tocam as mãos...

É sempre esse deslizar de caravela enegrecida pelo mistério das despedidas

Conseguirá o instante aprisionar as tuas mãos desertas?

Conseguirão os espelhos mostrar todas as nostalgias?

Envelhecemos..perdemos a festa..somos o pescador de mistérios

Por quanto tempo daremos por nós a percorrer a imortal beleza dos dias?

Debaixo da saudade dos xistos há um afagar de sedas

Há um pulsar de rugas nacaradas...um estremecer de sombras feitas de deuses

Não te enganes..é sempre o instante que comanda a eternidade

E nós somos apenas o voo da paciência..a cidade em festa..o imolar de fomes

Nas areias nascem olhos...são o lado fresco das feridas

Estica o arco..atira a flecha..é tempo de te salvares do tempo...

 

 

Fui tudo o que a noite quis..

paolo-troilo-8.jpg

 

Fui tudo o que a noite quis..avancei pelos becos e pelos corpos

Por momentos amei o cheiro dos abraços..a nudez dos desafios..o amanhecer do medo

Na minha caminhada pelos néons...encontrei o avanço do mar..descobri-te na praia

O tempo dispersou-me pelos clarões húmidos das pálpebras...

Eu desconhecia os regressos e a cintilação da pólvora..

Desconhecia a minha sombra e o perfume das lâminas

Dizia a mim mesmo que as lágrimas também se escrevem

Que o acordar é um desafio de relógios parados

Ouvi passos....nenhum se aproximou de mim...passaram pela minha orla deserta

Avançaram em direcção às barcaças e abraçaram a ondulação do cais

Nesse tempo desconhecia o valor das palavras...

Dessas hábeis formas de falar e dizer rotas e reversos

Cobri a minha ignorância com estrelas..naveguei pelos cansaços

E fiz de cada verso o tudo ou nada...