Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Escapar aos dias

a vida está no momento em que estás...a vida é o momento que és.

Se um dia estiveste num sítio onde havia flores...agora pode ser que lá já não hajam mais flores... mas tu podes estar lá...mesmo sem flores..porque és único..porque és um corpo que desde que nasceu sabe que ninguém o vai conseguir segurar nas mãos...ninguém o vai possuir...não há posse de corpos, nem de alma, nem de nada...tudo é uma solidão acompanhada de silêncios que vivem entre as palavras.

 

e o medo que é feito da falta de ter coragem...que é feito da serventia que não fazes de ti

porque ninguém vai usufruir de ti ...tens de ser tu a respirar a tua coragem...a afastar o temor de seres tu

 

e os teus pensamentos...essa solidão da alma que explode dentro da tua cabeça

para onde vão esses pensamentos que apenas tu conheces? Por onde andam esses olhares interiores que não sabes para onde vão?

 

escapar aos dias...conhecer os limites do corpo...arriscar ...enroscar a vida numa aventura sem nexo...

porque nada tem nexo...nada faz mais sentido que a falta de sentido da vida...é por isso que as pessoas escrevem..pintam...cantam...inventam-se e reinventam-se..tudo para estarem perto de si...porque todas as coisas que saem de si...são a sua companhia...o seu aval para a solidão.

 

Ninguém jamais penetrou no mais profundo de outra pessoa...as pessoas são impenetráveis..são duras como as horas...todos somos silêncios e angústias...e contudo todos queremos viver...

 

 

Razão e sentimento

 

O que é mais importante, a razão ou os sentimentos? O que é que nos faz agir com mais sensatez, a razão ou o sentir? Se para atingirmos determinados objectivos temos que agir com a razão, ou seja, com a inteligência, também há casos em que não conseguimos superar o valor dos sentimentos. A razão é sempre comandada pela lucidez, os sentimentos são comandados pelo coração, e por vezes o coração ordena-nos que façamos o que a razão condena.

 

Jardim

Mineral sonoro que mordisca a irradiação da voz

Ruído de mar sem tempo nem dimensão

Sobre mim poisa a viagem....o milagre de um sonho a bailar na imagem do momento

Claro sonho criado na solidão de um dia pousado numa estátua de areia

Espero que o barco passe...que o nevoeiro alcance o quebrar do lodo

Que o teu corpo emerja de uma maré cheia...

Como uma luz quebrada pelo ritual do silêncio

Mergulhar em ti...romper-te com a pureza assolada dos cristais

Sonhar que tudo é um deserto de mãos hirsutas

E que na perfeição dos jardins...

Residem as folhas que nunca escurecem...

 

 

Verde

Noite onde murmura a perfeição das águas

Transparente bailado de fantasma tardio

Dança leve...de neve...sopro de azinho...crestar oblíquo de horas amargas

Na doçura dos jardins os pássaros tecem breves instantes de raras flores

No verde pálido a primavera espera a sua hora

O silêncio brilha em caleidoscópios de bailados lentos

E a cada instante a solidão desce ao paraíso...

 

Conto chinês sobre a moralidade

Mencius filósofo chinês do século IV, A.C., questionado pelo seu príncipe sobre a moralidade, recorda-lhe uma acção que o príncipe praticou. Um dia quando levavam um boi para o sacrifício, o príncipe deu ordem para o libertarem. Não suportando o ar amedrontado do animal, pediu que o substituíssem por um carneiro. Mencius explica então ao príncipe porque é que ele permitiu que matassem o carneiro em vez do boi, é que ele tinha visto o olhar do boi mas não tinha visto o do carneiro, o olhar deste tinha permanecido uma coisa abstrata. É assim com a moralidade e é assim com todas as coisas, reagimos ao que vemos e que nos toca, mas o que não vemos,torna-se uma coisa que está muito para além de nós, como se fosse uma distância esquecida pelo nosso olhar e pelo nosso sentir...

Fusão

 

Sangue de eternidade...imemorial inverno...fio de mar enigmático

Mineral ferocidade de caminhos provisórios...adolescência de outono

Resisto ao adejar de uma tempestade plantada no solstício do orvalho

Que cresce dentro de uma moldura...inundando de água  a fatalidade das fotos

Vivo sob a álea farta  das tílias...sombra escusada...joio de rosto feliz

Como se chama o halo perfeito da fúria das ramadas?

Que dizer do vazio que se cruza com o bafo sinistro do fim das tardes

Cabo de colina a golpear a distância inerte do verão

Sou eu...ou sou a vontade perdida de mim?

Sou a encrespada distância das vielas...ou o dissipado segredo do absinto?

Vento e geada..folha de secura atormentada..mão de sombra...esquivada

Trilho de marfim outonal...movimento...fogo...astro despido...punitivo anzol de seda

Excessivo cardo que se enrola no corpo das palavras

Cúpula de noite branca...fusão de alma e vento...alicerce de vida

Que vive...no espaço sem fim da chuva...

 

Paleta

Por mim escorrem subterrâneos sem memória...linhas horizontais

Corpos compassados...marcados pelo paralelo dos dias...

Cheiros que vibram no interior do mistério...horas sem ruído..fibrosas...metálicas

Como se descessem pelas escarpas enferrujadas de mim

E qualquer coisa anoitece dentro das minhas paredes...

Algo devora a minha vontade incendiada no crepúsculo das oliveiras

Indispensável é a face dos rostos que se banham em cores incandescentes

Fugaz é a ardósia onde desenho o lodo que me alumia

Fugaz é a vasta planície que me devora....como uma dúvida de mim

Como uma fugitiva mensagem de passos cegos...de deuses submersos

De aves desinspiradas pelo tufos de uma cegueira sem fim nem princípio

Lentamente recordo a tarde em que vieste engalanada de primavera

A tarde em que atei a minha severa aparição ao teu olhar

E os meus cabelos à mágoa de te ver...aflita

Como uma idade sem passado...poética de espuma que sai do ventre da terra

Suicídio de espasmo...alma incessante...marimba de água verde

Onde o silêncio acaba e as palavras são incessantes prédicas de túmulos sérios

Primitivas valsas espalhados pelos prados...falsas dunas...terra de olhos secos

Lápis que devora rostos...flor de cacto encortiçado pelo sol de nunca

Recordo a textura da luz encoberta pelos teus cabelos...

Era tarde...era o fim do dia..era a alma a mordiscar a linha leitosa do medo

Enigmático seixo...terra de limos...ponte de pedra encoberta pelo desejo

Desgastada sinfonia de sorrisos...secura de orvalho preso nas folhas das papoilas

Submersão de fotografia viscosa..sépia aberta ao tempo dos cortiços...mel de idade

Musgo erguido pela palidez das pétalas...esguio como um rosto trespassado pela névoa

Onde a respiração hiberna...e as tardes se acumulam...

Enquanto um disco toca na paleta imortal da solidão...

 

 

Sombra

Asa nocturna que vigia os contorcionismos da noite

Noite que sobe pela condição decepada da voz

Excessiva mordaça que lambe o fogo que cobre a laje dos dias

Lembro-me de ontem...lembro-me desse caminho feito de apelos ao rubro das aves

Tropeção...espasmo...diz-me quantas vezes passaste a mão pelo cabelo das luzes

Diz-me o que resta desse tempo que repousa na pedra das calçadas

Testemunho de feno escuro...fala de abóbada quebrada...

Dispersão de neblina pelos campos coroados de pétalas manchadas de espaço

Entre o tempo de florir e o tempo de soçobrar...existe a separação das portas

Memória de fontes que descem pelos olhos dos astros

Grito negro...gorjeio de nuvem ampliada pelo escuro do céu

Viverás como vive a tristeza dos choupos

Serás a infindável frágua de águas disformes

Pão de pássaro...flor de gota alada..cola de boda eterna

Em ti vive a sombra..de mim...

 

Aurora

 

É sempre igual o meu assombro perante a crueza do dia...

A noite cai...e com ela a sensação de mais uma consumição...de mais um disparate

Insisto em ser a alma caótica que pronuncia o meu nome

Insisto em ser o sossego que devora a variação da luz

Quero ser a neve... a leve leveza  que desaparece numa greta do mundo

As águas arrepiam a salinidade da primavera...são o reinado das pedras a escorrer pelas encostas

Todos os instantes são de mudança...nada é igual a cada instante que passa

A começar pela nossa idade...essa cor do pasmo que esvoaça na linha explosiva do horizonte

Sinto o meu pulsar como se fosse uma forma de dizer que tudo se pode colher

Como se fosse a multiplicação do verão em dissimuladas flores

Como um impossível caos...um caminhar pela aragem...um nada sobre outro nada

Como um relâmpago a iluminar o cume de mim..

A ser o meu degrau intransponível para a sede rotineira dos sonhos

De que me serve o luar explanado na velha faia...o luar..essa negação da luz

Esse sábio poema que adoça a frágil visão da arquitectura universal

Que conquista o escuro líquido do dia...que ondula na metafísica da alma

Como um súbito chamar da noite ...caiada pelo sono da aurora...

 

Fantasia

Olho o tempo que descansa na minha mão

Algema sem raiz...estrada sem paisagem...metafísica de assombro

Da terra emerge um nome...como uma planta audível...

Segura de viver na sua longínqua fonte de imortalidade

A vida jaz na indiferença de ser apenas uma lenta passagem

Feita de sombrios intensos e de rostos ambíguos

Feita de perenes intermitências de flores...e da rijeza meteorológica das luas

Por vezes a perfeição do dia adormece no ventre desiludido dos poços

Assombro de infinitos.... cambiante de luzes que afloram na paixão dos olhos

Se ao menos uma ave adormecesse nas minhas mãos...

Eu acreditaria que o mundo é um inexplicável deserto de fantasia.