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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Em redor de mim a chama do silêncio anuncia o dia

 

Em redor de mim a chama do silêncio anuncia o dia

Do chão molhado ergue-se o perfume da terra ressequida

A lua traça labirintos nos caules do poejo

Nesta pureza de verde e prata... tudo me liga ao mundo

Tudo me diz que sou mar dividido....

Mar entrelaçado com o luar que me agarra

Mar de pedra e de gesto perdido...

Mar de mãos que escorregam no corpo da chuva

Mar de brancura e enseada

Onde as aves se apartam das ilhas e dos ventos

E onde o meu corpo galopa no cadafalso das artérias

Como um papel rasgado pela escultura do tempo

Aliança de teias e rostos de mármore rosa

Sozinhos...acoitados numa prece pintada num naufrágio

Onde navega a noite e o vazio da espuma

Onde os homens se resgatam nos cálices do infinito

Com rostos imóveis...com floridos destinos

Com intensos clamores de mãos a agarrar a fúria das tempestades

Que por eles se roçam...que por eles passam

Como imagens de abismos rugindo

Por dentro da sua alma... feito de calma... e raiva...

 

Na pedra e na cal respiram as mãos do tempo

 

Na pedra e na cal respiram as mãos do tempo

Nos terraços alargam-se os horizontes das pupilas

Um perfume de cidade parada sobe pela nossa densa vida

É a noite... é o florir da alma...é vento que se enrosca em nós

E o vento faz-nos  crescer como um ninho que nos liga à vida

E o vento tece em nós o rosto de um cavalo a galope

E o vento divide-nos...e somos pranto e água a divagar

E vamos pelas correntes dos labirintos

E erguemos mastros que se eriçam com as dúvidas do destino

E ligamo-nos a todas as coisas que há nas trevas e nas areias

Como uma rocha pura...como um chão calado

Como uma luz exaltada e solitária...

Vogando nas asas dos promontórios...onde esperamos encontrar a luz do farol

Mas também é lá que nos esperam mais passos e mais jardins de alabastro

Desenhando círculos doidos à nossa  volta..e somos esses círculos doidos

Feitos de uma geometria inconsisa e demente

Além disso... sabemos que iremos rolar como uma imensa luz

Como um corpo liberto das sombras e dos ciprestes

Como uma luz fresca...

Como um pecado sem originalidade...

 

 

 

Tombados sobre a nossa própria pele

Tombados sobre a nossa própria pele

Respiramos as invisíveis luzes do deslumbramento

E mesmo que das montanhas se ergam rugas

E mesmo que a nudez se cole ao nosso corpo

Como o aroma de uma resina fresca

Seremos sempre peixes secretos

A navegar num fragmento de ausência.

E mesmo que perturbemos o silêncio dos fantasmas

Aqueles fantasmas que florescem nas nossas grutas mais secretas

Aqueles cuja agonia é um vazio de estátuas

Expostas à mutilação do tempo

A nossa alma acenderá sempre o brilho antigo da vida

Erguer-se-á sempre do branco respirar da espuma

Como uma tarde que cai nas sombras do ocaso

E se enreda na fantasia de um relógio parado.

Mas nós iremos por esses caminhos...

Iremos preencher o vazio dessas estradas

Como quem escuta as sílabas de um Deus atónito

Ou o som de uma harpa chamada... Vida.

 

Este que vem do outro lado

Este que vem do outro lado

E que procura no luar e na pedra o equilíbrio das aves

Este que se debruça sobre a poesia do silêncio

E que é como que um corpo dividido em mil palavras

Este que pálido tece o vazio com mãos de veias floridas

E que olha para a beleza das coisas como se estivesse em frente ao mar

Este que por vezes se esquece da aliança entre a alma e o infinito

E que guarda os dias numa ânfora feita de retalhos

Este que brilha na ressonância intratável das lajes

E que cospe sobre a estética obstinada do caos

Este que procura vestir-se de matéria intocada

E que acha que a alma das ruas se esconde na sombra das casas

Este que é um corpo de luz a vibrar na fantasia dos Deuses

E que não procura ser coisa nenhuma

Que se encanta com as escorrências do destino

Este que vem não sei de onde ...talvez seja uma pedra preciosa

A balançar nas mãos polidas do sol

E a quem um dia disseram que um poema é um caminho

Traçado nas esquinas vidradas das palavras.

 

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