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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

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Poesia e outras palavras.

O busto vermelho...ou a arte virada ao contrário...

Perante o brilho baço e magro dos céus azulados
Um busto vermelho expunha a sua nudez
Os seios dividiam-se em dois olhos...de veias salientes
Esse busto que respirava com os olhos fechados...
Tinha colado ao rosto uma flor amarela...para lhe dar uma expressão artística
As pessoas passavam...de mãos nos bolsos traseiros...a segurar as nádegas balofas
E admiravam aquela escultura...
Onde... por debaixo da epiderme... circulavam formigas brancas
Não era propriamente uma reprodução de uma pessoa...
Era mais....um poeta...ou um filósofo...sem filosofia...
Um anatomista diria que era...um microscópio...voltado ao contrário...
Ou uma ideia sem glândulas...nem papilas gustativas...
Pelo pedestal escorria a gordura de velas derretidas
E um conjunto de pessoas entusiasmadas e de testa enrugada
Ruborizavam-se e diziam coisas desinteressantes e incompreensíveis
Enquanto reviravam os olhos...como se vissem luzes indesejadas...
Outros aconselhavam o busto a tratar da pele...ou a exprimir um pensamento...
Uma cantora lírica de vestido preto... aberto lateralmente até às nádegas
Elogiava a pureza artística dos ângulos obtusos do rosto...
Os médicos foram convocados para analisar o tamanho do coração
E a sua opinião... muitíssimo correcta aliás... foi fundamental...
Para dizer que estava ali... uma cagada com vários matizes...

As tarefas destinadas às mulheres em 1967

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 De onde acham que vem esta imagem? Muita gente não sabe, mas isto é a contracapa do Livro da Primeira Classe de 1967. Como vêem era um livro muito educativo, que logo no início exemplificava as tarefas mais indicadas para as meninas. Hoje quem se atrevesse a publicar um livro destes, teria (no mínimo), direito a várias manifestações à porta de casa.Pode parecer-nos incrível como as crianças,(e os pais), eram  manipuladas, e não era sub-repticiamente, era mesmo à descarada. Este era o pensamento de Salazar exposto em desenho, e incluído no sistema educativo da altura.

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Profanadas foram as calçadas

 

Profanadas foram as calçadas

Infinitos foram os beijos e as esperas

Boca de anis a dividir as tardes

Boca de sol a fitar os ventos

Infinitos gestos a amar as brisas

Luz de colinas a suplantar as horas

Brancura de prantos em rostos repentinos

Náufrago de luas atadas aos olhos

Em todos os gestos as aves despontam

Esquemáticos céus dançam nas algas

E os poemas desfazem-se no verde da espuma.

O mundo navega na voz das medusas

E o amor acende-se nos castiçais puros da memória.

 

No meu vazio dorme o sorriso de um amor leve

 

No meu vazio dorme o sorriso de um amor leve

No meu vazio há uma chuva violenta que floresce nas estrias da luz

No meu vazio dispersa-se a pureza das gotas que alimentam o orvalho

 

Suspendo o meu olhar sobre a noite azul

Desmaia sobre mim o silêncio da espuma

O bico de uma âncora desponta na areia

Como se fosse nada...e eu fosse...

A transparência de tudo.

 

Na perfeição exata das flores

Galopa o eco imaginário do mar

 

Quebra-se a distância de um rosto antigo

Um nome sem rua ergue-se nos olhos dos pássaros

E eu sei que toda a terra será minha

No dia em que o meu corpo se tornar um Deus sem pátria

 

Há uma encruzilhada onde a vida se balança

Confusos pescadores soletram o nome de praias inconsequentes

Enredam-se nas redes do mar cinzento

Chamando-me com olhos de mentira

Para dentro da caverna do Destino

 

Parei o tempo na suspensão das lágrimas

Nevava sobre as profecias dos confins da carne

Era alta a noite e bela a face perdida do espaço

E eu não descobria o caminho que me levasse

Para junto do riso da primavera.

 

 

Magnificente luz...anel de fogo...lenta insónia...

Refluxo coronário de estrela assombrada

Lua que entra pelo meu coração adentro

Entre mim e ti há uma queimadura que nos separa

há uma garganta na paisagem que rodopia

Um fôlego que se empina na frieza assimétrica do mundo

Com unhas de escrita abro um buraco a toda a largueza de mim

Cada palavra é um ferro em brasa que atravessa a minha selvática noite

Como uma estática órbita de vento

Tão próxima...tão próxima...da explosão que vai deflagrar

Na minha carne púrpura...na minha cerrada boca...no meu espelho fotostático

Na magreza do meu corpo há uma fenda onde despontam imagens de ilhas distantes

Alguém deveria dizer-me que o espaço é uma imagem circular

Alguém que abrisse a minha escuridão com a força de uma feroz golfada de loucura

Em mim rodopia essa espécie de claustro ligado aos reflexos das luzes

Parar...crescer como uma repentina faísca que absorve o ar

De repente perceber que a música e a água e os dilemas do mundo

São brilhos de um acaso magnificente

São movimentos que o cerne das mãos relembra..sempre....

E de cada vez que um clarão palpita na carne nua

As estrelas brilham com a melancolia da beleza lírica dos poemas

 

Olhar o espaço..conhecer a distribuição dos planetas

Passar pelos dias como uma janela esventrada

Expelir pelas guelras dos peixes o pavor das paisagens encobertas

Paralelo a mim...há um rosto de madrepérola a espreitar pela profundidade dos sóis

As estações do ano deslocam-se como paisagens em torvelinho

Corropio deslumbrante de sangue a escorrer pelos mapas do coração

Espécie de rio a jorrar pela contrariedade dos espelhos

Como uma cicatriz de verão quebrado na clareira dos rostos

Ai braço de poros tatuados com tranças de um tempo sem idade

Ai força que sufoca a vida cravada nas costas das facas

Côncavas bocas beijando a limalha das paisagens

Alucinação de águia sombria a piar em volta da aridez do mundo

Estancado o sangue... aberta a válvula da penumbra...

Olho o charco negro do meu mundo...e rejubilo...

Magnificente luz...anel de fogo...lenta insónia...

Ornamentada por todas as coisas que voam para além da minha compreensão.

 

 

As crianças e a cadeia de Tires...

 

Há na cadeia de Tires a Casa das Mães. É um local onde as mães que estão presas podem conviver com os filhos. Estas crianças a única coisa que conhecem do mundo é o limitado muro da prisão. Há várias questões que se podem colocar e uma delas é a de que não deveriam as mães ter permissão para sair,(pelo menos um dia por semana), com o seu filho, mesmo que fosse acompanhada por uma guarda prisional? Haverá o direito de privar estas crianças do contacto com o mundo só porque a mãe cometeu um erro?

 

Sabemos que o adulto carrega em si todas as emoções que viveu e as emoções que mais marcam um adulto são as que conheceu em criança, são essas que vão definir o futuro adulto. Pergunto-me que peso carregarão estes meninos e meninas um dia quando forem adultos? Que recordações os marcarão na sua vida de adultos?

 

Criar uma criança é pôr à sua disposição o mundo. É mostrar-lhe que tudo se pode fazer, mas que nem tudo se deve fazer, que há coisas que são erradas. É questionar sobre que tipo de ser estamos a formar. Que tipo de valores lhe estamos a incutir. Criar uma criança é mostrar-lhe a beleza das coisas. É ensinar-lhe o que é a integridade, a honestidade, o compromisso e também que todos os actos têm consequências. Quantos pais estão conscientes disto?

 

A carnificina das palavras...

 

Na veia carnificada corre a mão

Que lança o sal sobre a simetria da morte

Na paisagem de pedra rodopia a madeira da memória

O coração respira como um gargalo fechado

Que se redime no galope pueril de uma queimadura

Lunares gargantas empinam-se no gelo de cada mão

O corpo é um remoinho perdido no enredo das ruas

A respiração corta a direito a largura dos precipícios

Dos olhos sai uma imagem cinematográfica

De sangue que levita no vácuo das pedras

O centro do vento afoga-se

As mãos explodem

As raízes entranham-se na leveza púrpura do caos

A carne expôe-se à luz

A órbita dos incêndios expande-se

A foice corta o abismo da paisagem

As ervas ostentam uma elegância hirsuta

É o verão a dormir nos seixos dos espelhos

A respirar pelos músculos da paisagem

A luzir na transparência dos aromas

Todas as coisas correm na torrente que me cerca

As frutas...a escuridão...a doçura profunda de uma luz...

Solar... de estrela esgotada.

 

Sobra o peso anestésico das metáforas

Sobra a constelação do sono

Sobra a zoológica riqueza de um abraço

A música...o brilho marmóreo

A aterradora substância da água fundida

E a tremenda pontada nas costas

O extravio angélico das catedrais

Que se dispersa no ritmo desordenado de uma boca.

 

Lentamente a matéria circula pelo interior oco dos nomes

Um sopro invade a transfusão dos gritos

Organismos remoinham nas pálpebras

A alucinação dos pulmões clama por mais memórias

Vocábulos tornam-se instrumentos de lembranças

Na massa de cada pão há uma prancha que respira fogo

O mundo é uma noite..de medo...de chuva..de insubstância

A descarregar paisagens...a beber-nos por dentro

Como um enredo de loucos a rejubilar numa textura de gás.

 

 

Havia um muro branco onde o luar florescia

 

Havia um muro branco onde o luar florescia

Pérolas de luz caíam na madrugada

As ruas refletiam o nojo magro da solidão

No quarto uma luz despida dispersava-se pelas paredes

Nocturnos melros assobiavam aflições

O soalho era uma afirmação de velhice obstinada

Havia um drama em cada estrela

Havia um beijo em cada lua

O silêncio dançava a sua própria música

A razão era uma metáfora cega

A escuridão era uma boca a engolir a alma

Atravessava-nos um sentimento de carne violenta

Um clarão de prata desfazia-se na lonjura...não havia horizonte

No meio de nós a insónia sentava-se como uma fábula dormente

Aqui e além o granito tragava as águas

Voltaicas raivas estremeciam na profundidade dos olhares

Os espelhos esgotavam-se em imagens feridas de saudade

Porque sabiam que os poros da alma exalavam ventos glaciais

E a beleza vasta do espaço inclinava-se para dentro das artérias

Como se um cavalo galopasse na penumbra do sangue

 

A Poesia solta-se das jarras...

 

Gotas de chuva sopram pelos corpos das janelas

Água pura a cair num silêncio intrínseco

 

Perfeitos dedos traçam pressas no emaranhado dos vidros

Flores acendem-se na imaginária linha dos corpos

 

Em cada mão uma lua...em cada nome um corpo... despido

Na combustão do orvalho

 

De noite as luzes são mais belas

Invadem os nossos extasiados olhos

Como se nos atirassem cores para dentro das pálpebras

 

 

Uma noite ardi como se fosse um pensamento

Uma noite abri uma porta e cresci

Das ervas saltavam palavras

O mundo era uma anónima fonte de devastadora solidão

 

Na equivalência das horas dormem fervores de alegria

Uma música fria assoma na perfeição das rosas

O esquecimento é uma casa sem infância

O nome do outono faz girar os caules das vidas

 

E eu digo: a morte passa

E os peixes rodam dentro da minha cabeça

O luar é o futuro a absorver o escuro

E para além de todas as essências a linguagem das mães

Perdura na demência absoluta dos dias

 

Sonhava destilar o corpo das magnólias

Só para saber se davas por isso

Só para sorrir da candura das noites

Só para saber se cantavas na delicadeza estrutural de uma manhã pura

 

Uma suave agonia espalha-se na sombra de Deus

Uma mão ergue-se por dentro da ilusão

As ruas têm a suavidade dos sinos

A morte respira pelo sangue das lágrimas

A melancolia apodrece sobre as rutilâncias da carne

E as crianças entoam sinistros cânticos de embalar

Como se fossem flores a explodir nas cordas dos contrabaixos.

 

Que estalem as visões

Que Deus adormeça numa redoma de seiva

E nós...pobres sangues fundamentais

Lavemos os sexos nas penumbras caídas da noite

 

O espírito dos campos ergue-se pelas colinas escarpadas

Tudo o que sei...é que o açafrão se alimenta das papilas dos homens

E a cinza vive da infelicidade do fogo.