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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

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Poesia e outras palavras.

Sou a cidade...

 

Eu...debruçado sobre o meu vazio...

Pego na noite como quem agarra uma queixa

Sou a cidade...e o lento circular do vento conduz-me ao tempo dos silêncios

A noite não quer saber do cais que brilha na insónia

Na suspensão da luz há um ritual de cedros fluorescentes

Límpidas são as paredes...altíssimas são as vontades

Pelas janelas espreitam rostos inacabados

Nas fímbrias do azul espreitam estrelas transparentes

É o destino a chamar... a clamar por mais ruas

Onde as folhas carcomidas das faias se ergam dentro de nós

Como realidades indistintas...como sóis de trazer por casa

Como perfumes de coisas intransponíveis

 

A vida é feita com a brancura das mãos

As palavras são instantes largados no papel

O luar é uma teia que nos devora...

Como um fogo de estátua a acenar na brisa dos instantes

Como uma luz quebrada...como um mar de céu...calmo

Como um vazio de barco...que passa rente ao nosso promontório

Sem direcção nem forma...apenas um barco... liso...de chão sagrado

Que voga na ressonância da nossa alma...roxa de frio...

 

A lucidez do fogo...

No escuro do mundo...um gesto de paz agita a brisa

A crina das coisas toca na solidão

Mas o chão não se ergue...o perfume não passa

O frio inteiriça a lisura das pedras...

E os homens...esses misteriosos nautas da luz

Cortam as águas como quem se atravessa no destino do chão

E passam por dentro do fogo....

Com a poderosa lucidez de quem não é nada...

 

Contigo vesti o meu destino...

Nenhum nome...nada... apenas a força de ser...gelada...

Nenhuma terra...nada....apenas a força de cortar a vida...à espada...

 

Quando eu morrer...busquem em mim o deserto que já não sou...

 

Quando eu caminhar...direi que no silêncio há labirintos de saudade...

E que as searas...são lisas tardes de calor....

 

Despedi-me do tempo...despedi-me do mar...e vi...

Que para além de todos os instantes...há uma verdade perdida no medo...

 

Contigo vesti o meu destino...sem ti serei um despido...peregrino...

 

Vestirei com gestos de segredo...todos os ventos que aportam ao teu sorriso....

Gaivota branca

 

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Diz-me que luz se encerra no pranto da memória

Diz-me que futuro já perdi

Diz-me de onde vem a fala dos poemas

E que rostos longínquos velam por nós... dentro dos cânticos da morte.

 

Tudo o que sei...

É que por dentro dos rostos há segredos

Segredos que nos cercam....fachadas...sombras que se esvaem

Tudo o que sei...

É que por dentro da humidade dos rostos há lamentações de terra.

 

As noites... são distâncias...o mar... é um nome sem futuro

Não procures encontrar a linha cava do horizonte

Nem conhecer o corpo das leis que regem o vento

Não queiras saber com quantos nomes se constrói uma vida

Nem saber que febre aquece a esperança

Apenas te peço...que preenchas o vazio das formas que te habitam

E que te gastes...como se te dividisses...

Entre tempo e asas...entre voo e e água

E sejas a gaivota branca...que se cala em mim...

 

 

Vento nordeste

 

Vejo o meu perfil numa cratera funda

Vejo um deus de neve numa máscara branca

Vejo um luzir de sal numa noite imensa

E uma pedra...calada...numa dor intensa

Com um braço aceno e com outro calo

Com um dedo aponto e com outro falo

Mas a flor da bala é um segundo lento

Mas a perdição do sono é um entrudo denso

E se um grito aperta e se o mundo estala

E se a mágoa se planta numa aragem rara

É porque o mundo foge é porque a sombra azeda

É porque o lume se acende e o vento brilha

E o longe é perto e o frio é rente

Mas quem disser que o coral é pedra e o vinho é mel

Verá bem longe... um céu sem fundo num país de fel

Onde uma pétala de neve escuta o cair do tempo

E o vento nordeste faz um eco seco..,



 

Sombras impossíveis..

 

Que se ergam os loucos e que uivem os lobos

Que a fome apodreça na fúria do tempo

Que as portas se abram e as pálpebras se alegrem

E o eco dos dedos percorra a esperança.

 

Que o grito da sede se oiça no soluço dos dias

Que o olhar se perca no grito estrangulado

Que a carne se esqueça do que é proibido

E um ferro de sangue nos marque na alma o soluço do amor.

 

Que um ventre se abra ao perfume dos mitos

Que dele nasça uma febre de vento

Que os cães nos olhem como quem não nos vê

E que nós sejamos ladrões de infinitos.

 

Que não nos seja interdito o que não é possível

Que uma tatuagem nos faça lembrar o tempo sem medos

Que os vergões da angústia não criem raízes

E a seiva dos frutos escorra pelo frémito dos corpos.

 

Que um deus de lama se erga de nós

Que uma cidade se povoe de palavras

Que uma estrada se abra aos corpos nus

E as rosas estalem em tiras de azul.

 

E nós...como sombras impossíveis...caminhemos...

 

O jazz da vida...

Tropeçamos em pedras como quem respira fundo

Bebemos os sonhos que escorrem pela ampulheta da raiva

E...como quem guarda poemas em gavetas...absorvemos o vinho que alegra o mundo

Mas nunca somos nós...nunca damos vazão ao lento desabar da tristeza

E se as pedras ganham vida quando lá gravamos o nosso nome

E se pensamos que o mar é um milagre de azul e cinza

É porque esperamos que algo se erga dentro de nós

É porque as palavras são pastosas...colam-se a nós como cobaias da felicidade

Com as palavras amamos violentamente o cerne das coisas

No seu vazio construímos muros e arcadas...facas alquímicas...fomes

Podemos proibir o sangue de correr...podemos proibir o vento de soprar..somos sonhos

Vestimos um xaile negro ...desatamos um nó...desafiamos tudo o que não faz sentido

Em cada noite...minguamos...em cada tigela depositamos a sopa do medo

E também precisamos desatar as correntes do silêncio...gritar...

Precisamos conhecer o ventre das trevas...trespassar caminhos...demolir desterros

Ao longe acende-se uma vela como se fosse uma cicatriz na escuridão

Mas não nos alumia...esconde-se...transforma-se em choro de barco à deriva

Enquanto nós...fechamos os olhos...escutamos um saxofone...

E somos o jazz da vida...

 

 

A noite é pouca para tantas dúvidas

Digamos no silêncio o que não temos coragem de dizer

Encontremos o sossego na paz das coisas que não dizemos

Fogo e brisa...relento e desejo...

Caudal de gelo a consumir o fogo

Olhos de séculos a abraçar fantasmas

É preciso dar um nome à ternura que não damos

É preciso soltar as amarras que nos prendem ao chão insano dos dias

E quem não pode mais...que pouse os braços e siga...como um mortal sem tempo

Ou como uns braços que não abraçam.

 

A noite é pouca para tantas dúvidas

Os caminhos são tantos para tão pouca luz

No regaço branco dos desertos conhecemos as saudades que não sentimos

Na intemporalidade desponta a ingratidão da vida

Nas gavetas dormem retratos de vidas e de bolor

Caras que se desfizeram...sopros que se fecharam

E ao mesmo tempo... tanta coisa inútil a chamar por nós

Tanto crer...tanto desacreditar...

Que até chegamos a dizer que nos abismos nasce a vida.

 

Inventar...é o que precisamos

Dizer que já não nos queremos lembrar de nós

Dizer que queremos ser outro...que queremos sentir que somos outro

Que despontamos com o azul que nasce dentro de nós

E depois...não há amarras...já nada nos prende aos nossos fantasmas

Tudo o que havia para ser...fomos...não fomos...ficámos...partimos...existimos...existindo

E por entre a chama que se desprende da nossa alma

Sopramos para dentro de nós o temporal que nos assola

Perante o rubro vigor dos dias...criamos longínquos sonhos

 

Impossíveis soluços desprendem-se do mar que nos visita

E através da espessa neblina que se ergue em nós

Sabemos que é inútil carregar a vida

Como se ela fosse um caminho que vai desembocar numa subida...íngreme

Sem música e sem sol

Apenas como um espinho... que em desvario...

Resolveu fazer-nos rir...rir...rir...rir...