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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

A dor

A dor vai e vem...

É um pêndulo movido por fantasmas...

 

Ah! a insónia...essa altiva sombra a desmembrar os sonhos

Essa cisterna de angústias...essa impaciência...essa dissolvição da noite...

Essa busca...sem fim!

 

E mesmo que eu carregue o peso de uma lua

Mesmo que me afaste da simplicidade dos dias

Serei sempre uma fogueira a arder no naufrágio do frio.

 

E depois...esta acidez de flores incendiadas

Esta decepação da luz...este sono sem côr

Esta forma de nada dizer...que está sempre presente...

Em cada palavra.

 

 

Sono

E os olhos desfeitos perante a nudez da vida

Ergueram-se do seu trono feito de luas leves

E sentiram o arrastar dos pés...o desabrochar dos lírios

A destruição das pequenas coisas

E caíram...num sono profundo.

 

Onde guardas esse segredo de cólera e lágrimas?

 

Sabes que nasceste para arrastar um nome

Dizes que há um manto te cobre na noite onde desapareces

O teu sono é uma teia de ilhas e céus e terras desconhecidas

E das barricadas onde não há ninguém...sopra uma inquietação

E também tu...te inquietas...

Com nada...

Fachada...

É de propósito...é mesmo de propósito

Que nenhum propósito há em mim.

 

E talvez por saber que o cansaço é apenas um cais deserto

Que o crepúsculo é o abrir da porta da noite...

Eu bebo o vento que me assola

E faço de mim um caleidoscópio...uma estrela rachada

Uma cavalgada de risos...um estrépito...um cimento...

Uma fachada...

A sombra das cores

Tenho a sombra das cores

E quando entro no coração das pedras...ergo o punho

E digo...

Por muito que a minha alma se assombre...

Nunca eu a poderei assombrar...

Porque ela tomba numa noite larga e num céu de estanho

Levando consigo as mesmas flores que me cativam

Enquanto eu... me rio do misticismo dos olhares.

 

Se digo que me compreendo...é porque de mim nada sei

Se absorvo as palavras dos filósofos...é porque vivo dentro de um êxtase

Se os rios me lavam...também as mãos me sentem...

E eu...sou só um....

 

Tudo desaparece e tudo se vê

Entre o abrir de uma janela e o desabitar das tardes

Erguem-se as recordações...alastram os desejos

E cada um é como um pedido de amor...

A desvanecer-se na soalheira varanda...

Da alma!

 

Sombras...

Uma sombra cai sobre as palavras que não digo

Uma densidade de ruas e calçadas espera pela minha aparição

E eu permaneço...parado...

 

Tudo me parece uma longa rota

Tudo me mostra o seu olhar cansado de sobreviver

Até a mais ínfima pedra me parece... apenas e nada mais que um bocado de alma.

Uma alma empedernida...enfastiada...farta das longas esperas

Porque sabe que no fundo de cada tecto...há uma vela que não arde

E uma porta que não se abre...e uma alma que se cala e fecha...

Dentro de si....

 

Sei que dentro de cada pessoa há uma alameda maciça

E que há um caminho para nunca lá chegar...

 

Labaredas

Fugir da teia do mundo...sacudir da pele a angústia

Erguer-me do frio...como uma conspiração de sombras.

 

Não me quero dissolver em alçapões ou em cantos de pássaros

Quero tocar no enredo do mundo e perceber a minha própria luz.

 

E vem sempre comigo este brilho de incêndio...esta voz.

 

Compreendo os becos e ardo no pergaminho ardiloso do silêncio.

E é então que toco na ferrugem da lua

E é então que absorvo a matéria intemporal...da terra...

 

Pego na água...raso de alegria

Impura treva...travo de ardil...

Vestido de luto...compro a Vida.

 

Nas tílias... nos montes...no roçar dos prados

Há um cheiro de húmus...um caminho perfumado

Uma leveza de ouro...um tempo parado...

 

Também do chão se erguem destinos

E das acácias se desprendem flores

Concílio de vida..espuma de deuses...mortos...

 

Nas labaredas da boca se queimam os sonhos

Da cinza do céu sobraram as estrelas

E nós..sozinhos a entoar esperas...a acontecer nas ruas...

Como se vivêssemos só agora

E depois fôssemos o sangue...a foice...que nos corta alma

E nos atira à cara a resposta que procuramos

Aquela que nunca saberemos

Mas que levita em nós...como uma fonte...

Como uma brasa...que nos arrasa.

 

Pedra a pedra

Ergo-me de encontro ao mar como se ele fosse música

Pobre mar que só te afastas e nunca me trazes a constelação de luzes que procuro

 

Sou como uma ave a viver na fundura das asas de um nevoeiro

Ergo as minha garras e cheiro o meu abandono das coisas

Ando no silêncio como um sonâmbulo a percorrer abismos

E à luz dos candeeiros desembaraço-me das encruzilhadas

Onde me esperam as aflições dos dias.

 

Na pele das plantas... rasgar o lodo...começar o grito...

Percorrer a chuva como quem quer ser alguém

Aqui ou em outro lado qualquer.

 

Deixo que o suor me escorra das mãos

E peço ao vento que leve de mim o espectro branco da saudade.

 

Pedra a pedra se constrói um véu

Pedra a pedra se alisam as lágrimas de punhal

De pé se escutam os rasgões do silêncio

Quando tudo pode ser...quando tudo se pode desvendar

Quando uma nuvem se disfarça de fantasma e nos castra os olhos

Não há céu..nem morte...nem dor...

Apenas cinzas...

 

Nunca mais deixes que os meus passos se estatelem no ritmar das algas

Protege-me com os teus dedos de noite

Inventa-me na inflamação das tuas mãos

Como se eu fosse a vida...de que me perdi...

 

A espuma é o pensamento do mar...

Conversava sobre todas as coisas conversáveis. Falava da irrealidade como se estivesse a empurrar para fora de si a impossibilidade das palavras dizerem o que sentia. Marcava a acentuação das frases com um olhar agudo...atónito...um olhar que falava das coisas que podem não acontecer, como se fosse um oceano a afogar-se a si próprio. Na certeza das mãos os gestos ocupavam todos os lugares disponíveis, eram mãos de tudo e de nada. Mão de fascínio a explanar teorias apocalípticas. Dizia que o tempo só caminhava por dentro dos relógios, que por fora tudo estava parado. Tudo era para ele uma imensa massa de raciocínios desconcertantes. Falava das orelhas do tempo, de como o tempo escuta as pessoas e depois desaparecia por dentro da miragem dos dedos, dizia que era mais um escorrer pelos dedos das pessoas e que os deuses moravam nas gotas de chuva. Gostava de se sentar junto ao rio a imaginar a distância de ali ao nada. Inventava rotas de luz que só paravam dentro dos olhos das crianças e que talvez fosse por causa delas que deus construiu o vento...para lhes afagar os cabelos de seda. E as árvores? Quando falava nas árvores era com se vestisse as folhas outonais,era como se construísse em si o tecto abaulado das emoções que sobravam das gotas do orvalho. Era um sábio que misturava o tempo com a carne e fazia de si um sonho a deslizar pela tela abstrata dos dias. Sonho e luz. Tela e paixão. Cor. Mas não lhe chegava. Um dia achou que tinha um caminho dentro dele. Achou que dentro da sua ânsia havia um trópico de paixão intensa e que a sua obra-prima seria deixar um rasto de esquecimento gravado na pele das pedras. Por vezes gostava de lhe perguntar o que é que ele pensava da espuma, o mais certo seria dizer-me que a espuma é o pensamento do mar e que as algas são neurónios à deriva. Mas e nós? - perguntei – nós somos a tela de deus - disse. Ele fica sentado a observar a sua obra, enquanto as pessoas se desfazem em bichos. Repara- disse-me - os cais são acenos de países distantes, os países distantes são desejos de púrpura pintado no colo dos homens e a poesia são palavras que tombam pela cara dos poetas e caem nos intervalos das paixões. Sabes que quando as pessoas se apaixonam é como se remassem pela candura perigosa dos rápidos é como se lessem um livro sem letras, feito só com pensamentos? Há uma harmonia em todas as coisas erradas, como se as coisas erradas servissem para nos mostrar que as coisas certas são desnecessárias. Para que servem as coisas certas, as palavras certas, os gestos certos? É muito mais interessante a palavra errada ou o gesto errado. Há muito mais utilidade num grão de areia que na soma de todos os espaços vazios. De resto não me lembro de mais nada, a não ser de um espaço que embora inútil,ainda me serve de respiradouro. Um espaço onde me penduro sobre o Tejo, como uma grinalda de cores a agitar o vento, enquanto aliso um sonho e poiso o olhar no infinito.

Mar cavo...

Avanço como uma dor que dispara sobre os vestígios da névoa

Lisas aves desembocam num filtro de luz

E sei...que se adormecer...poderei inventar o sonho

E espiar o frio que cresce nas flores

 

E depois...há as verdades comentadas em esplanadas

E depois...bebe-se o lento espargir das tardes

Como se cavássemos uma parede

Feita com os traços passageiros de quem passa.

 

Por momentos respiro pela brusquidão cava do mar

Perco-me no ir e vir abandonado das ondas

E nada sobra de mim...

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