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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Gastos são os sonos

Tudo tem o seu lugar, a janela e a luz, o corredor onde dissonam passos e mesmo as coisas que a vida esconde.

Tudo tem o seu início, o sonho, as estradas, e até as promessa de amores intemporais. Ébrio segue também o nosso destino, ébrios seguem os caminhos da tristeza, gastos são os sonos, e as tábuas da mesa onde comemos os dias.

Há uma rijeza de carvalho em cada saudade, um frio a ecoar na divisão incolor do coração, uma gelosia por onde a luz pede para entrar...a medo.

A moldura de rosto fechado por onde se infiltra um resquício de pó, fala de varandas de madeira, de incrustações de hábitos, de frios e chuvas. Fala de casarões e de jardins onde as pétalas das rosas juncam o chão, caídas, inertes, desperfumadas.

Ao desmoronamento dos muros, acrescem agora fortuitas silvas, os barrunchos conquistaram todos os lugares disponíveis, o frio goteja em cada vidro quebrado.

A tristeza cresce, daninha, por dentro da saudade... por dentro de mim.

Porque somos água.

A vida continua a escrever-se mesmo quando estamos sentados ou pensativos. A vida caminha por becos e saguões, por luzes e miradouros, por jarras  onde camélias de plástico disfarçam a lisura dos dias.

A vida segue por declives que desembocam em velhos cais onde velhos veleiros excitam a nossa imaginação.

A vida nunca acaba. A vida segue os nossos passos, segue rente a nós, encaminhando-nos sempre na direcção de um encontro, de um copo de vinho, de um amor.

A vida, é uma escuridão que imóvel nos persegue porque está sempre dentro de nós, é como uma flor que rebenta no nosso peito, um cardo ou uma pétala que o vento arrasta.

Espreitar a vida, pôr a alma a nu, descobrir no caminho assombrado das palmeiras, o breve frio das manhãs. Sentar na sombra da insensatez. Acender a irrealidade da névoa que nos marca os passos e ouvir, muito ao longe, a sirene áspera da melancolia.

Aturdidas ruas esperam por nós, e entre o silêncio de um lago e o desesperado voo de um pássaro, acode-nos uma vontade de esculpir os dias.

A inútil intermitência das tardes, desperta-nos para o labirinto onde a alma se torna um fantasma. E é aqui que a vida acaba...e tudo começa...como se os dias nos decepassem a vontade de querer ser mais do somos, porque somos sempre mais que que somos, porque somos leves como a terra e rijos como o barro.

Porque somos água.

A seiva do vento

Pela porta do quarto entram os silêncios

Sinto-me como um chão onde crescem palavras

O espanto desprende-se de cada sílaba

E é maior que a rua...onde o pranto nasce.

 

Em toda a parte há velozes aves

Voando em círculos de sombra sobre a terra

Planam sobre os destroços da cada dia

Sonhando com luas longínquas e mortiças.

 

E se no olhar planar o vento e o cansaço

Se em cada pedaço da minha pele a tua boca respirar

Então...pousarei nessa invisível trave

Onde nascem os estilhaços secretos do mundo.

 

Concentrar na pele toda a seiva do vento

Arrepiar a claridade dos excessos

Tocar na loucura com quem ilumina a madrugada

E beber...a ferocidade nua das palavras.

 

Descer sobre a mansa noite como quem lá não está

Andar descalço no tropel das dunas

Sossegar esse fogo inescrutável

Que me afaga o grito...e se ergue como um lobo

Que uiva...dobrado aos caprichos da vida!