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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Dialectos...

Nestes meus olhos desfizeram-se os mundos

No clarão das folhas diluíram-se os dias

Nas pedras construíram-se inacessíveis poentes

E mesmo assim ainda fui eu...

 

Há um dialecto inexorável em cada ruga

Poeiras raras repousam nos corpos cansados

Onde vestígios de verdades desfilam

Imolados na febre ansiosa do mar...

 

Porém...não há amarras na penumbra dos lagos

A solidão serve de tapete a quem se gasta

Os céus adormecem na ternura dos lírios

E os homens murmuram palavras de inquietude

Enquanto as nuvens se desgastam no mistério inútil dos céus.

 

Adormeci numa ondulação de searas

Ergui depois o rosto e cumprimentei as pedras

A brisa alisava a minha breve constelação de pássaros

Eu...indiferente...perfilei-me na chuva que caía...ácida...descomunal...

Como uma prece perdida num universo de trigo...

 

 

 

 

 

 

Securas...

Perfilam-se as aves electrizando a tarde

Um fumo azul eleva-se das chaminés

Tudo se desfaz na secura do frio

O verde agita a calmaria dos campos

E o corpo pára...imóvel...

Hipnotizado pela suave brisa que desce da serra.

 

Num breve espaço de tempo...duas curtas quedas

Uma feita pelo desequilíbrio das memórias

Outra construída pela falsa segurança das verdades.

 

 

À tia Natália

Corre por mim a saudade de um tempo em que as manhãs não tinham névoa

Hoje desci ao deserto e soube que a saudade se despede sem se despedir

Nada é mais que a luz...nada é mais que um tempo sem finalidade

Se a morte vive por dentro da vida...se o infinito se acoita nas sombras da alma

A despedida é um punhal que nos atravessa o espírito

E a morte é a infecundidade do corpo...a floração do silêncio

A partida do amor.

As sombras não caem das árvores

As sombras não caem das árvores

Todo o silêncio é uma palavra

Toda a presença é uma ordem

Saber que lugar ocupamos na opacidade do mundo

Perceber a solidez de um olhar

Desbravar a concentração da luz

Não sentir nenhum horizonte...nenhum remorso...

Atravessar os dias como quem coleciona bocados de si

Cortar a direito como quem desfaz o mar

E sentir...a liberdade...

De quem não tem nada a perder.

Gastos são os sonos

Tudo tem o seu lugar, a janela e a luz, o corredor onde dissonam passos e mesmo as coisas que a vida esconde.

Tudo tem o seu início, o sonho, as estradas, e até as promessa de amores intemporais. Ébrio segue também o nosso destino, ébrios seguem os caminhos da tristeza, gastos são os sonos, e as tábuas da mesa onde comemos os dias.

Há uma rijeza de carvalho em cada saudade, um frio a ecoar na divisão incolor do coração, uma gelosia por onde a luz pede para entrar...a medo.

A moldura de rosto fechado por onde se infiltra um resquício de pó, fala de varandas de madeira, de incrustações de hábitos, de frios e chuvas. Fala de casarões e de jardins onde as pétalas das rosas juncam o chão, caídas, inertes, desperfumadas.

Ao desmoronamento dos muros, acrescem agora fortuitas silvas, os barrunchos conquistaram todos os lugares disponíveis, o frio goteja em cada vidro quebrado.

A tristeza cresce, daninha, por dentro da saudade... por dentro de mim.

Porque somos água.

A vida continua a escrever-se mesmo quando estamos sentados ou pensativos. A vida caminha por becos e saguões, por luzes e miradouros, por jarras  onde camélias de plástico disfarçam a lisura dos dias.

A vida segue por declives que desembocam em velhos cais onde velhos veleiros excitam a nossa imaginação.

A vida nunca acaba. A vida segue os nossos passos, segue rente a nós, encaminhando-nos sempre na direcção de um encontro, de um copo de vinho, de um amor.

A vida, é uma escuridão que imóvel nos persegue porque está sempre dentro de nós, é como uma flor que rebenta no nosso peito, um cardo ou uma pétala que o vento arrasta.

Espreitar a vida, pôr a alma a nu, descobrir no caminho assombrado das palmeiras, o breve frio das manhãs. Sentar na sombra da insensatez. Acender a irrealidade da névoa que nos marca os passos e ouvir, muito ao longe, a sirene áspera da melancolia.

Aturdidas ruas esperam por nós, e entre o silêncio de um lago e o desesperado voo de um pássaro, acode-nos uma vontade de esculpir os dias.

A inútil intermitência das tardes, desperta-nos para o labirinto onde a alma se torna um fantasma. E é aqui que a vida acaba...e tudo começa...como se os dias nos decepassem a vontade de querer ser mais do somos, porque somos sempre mais que que somos, porque somos leves como a terra e rijos como o barro.

Porque somos água.

A seiva do vento

Pela porta do quarto entram os silêncios

Sinto-me como um chão onde crescem palavras

O espanto desprende-se de cada sílaba

E é maior que a rua...onde o pranto nasce.

 

Em toda a parte há velozes aves

Voando em círculos de sombra sobre a terra

Planam sobre os destroços da cada dia

Sonhando com luas longínquas e mortiças.

 

E se no olhar planar o vento e o cansaço

Se em cada pedaço da minha pele a tua boca respirar

Então...pousarei nessa invisível trave

Onde nascem os estilhaços secretos do mundo.

 

Concentrar na pele toda a seiva do vento

Arrepiar a claridade dos excessos

Tocar na loucura com quem ilumina a madrugada

E beber...a ferocidade nua das palavras.

 

Descer sobre a mansa noite como quem lá não está

Andar descalço no tropel das dunas

Sossegar esse fogo inescrutável

Que me afaga o grito...e se ergue como um lobo

Que uiva...dobrado aos caprichos da vida!

Raízes

Vejo traços de solidão em cada manhã enregelada

Vejo pétalas de rosas deslumbradas

Quando a minha mão repousa nas gotas da geada.

 

E pergunto à terra e às raízes

Se os olhos da primavera se cobrem de cores

Se as ervas temem os deuses das trovoadas

Quando no chão despontam rastos de vidas

Pela terra amortalhadas.

 

E sento-me na noite que começa na primeira estrela

Arrasto um traço de fé em cada madrugada

Sentar-me na penumbra não me assusta

Deslumbra-me sempre o eixo retilíneo de cada estrada

Porque sei que há um rasto em cada inverno

Que desemboca sempre...sempre...

Nos braços austeros de uma luz queimada.

Que me impele a ser palavra...a ser cometa...

A ser nada.

Queda

Pequenos barcos de papel...pequenos dedos a revolver o horizonte

Nos silêncios semeados pelo eco da dúvida

Uma alma gira...sôfrega de tanto girar...

 

Empresta-me essa asa que mansamente me afaga

Ergo-me como um sopro desenhado pela luz

E caio...redimido numa concha de fogo...

 

Quebradiço encanto que se suspende nos meus olhos

Desconhecida palavra que revolteia no segredo da tarde

Quantos sonhos emergem do obscuro nada?

Quantos nadas emergem do obscuro sonho?

Quantas vidas se calam na treva do passado?

E quantos homens se erguem na decapitação dos dias?

 

 

Olho para a escuridão...

Olho para a escuridão...habito todas as possibilidades

Oiço o tempo a escoar-se pelo vinil...música muda...é possível viver sem escutar

Desfolho os rostos que já esqueci...ou nem tento sequer lembrar...

São rostos anárquicos...cheios de outros tempos...cheios de outras eras

Onde éramos...outros...

 

E ali ficámos a beber o silêncio

Firmes...como se criássemos a vida...

Confusos como se a existência não estivesse ali...

Soltas as amarras...o porto ficou para trás...o barco desancorou

As coisas permaneceram...confusas...