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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Todos os dias

Todos os dias ao acordar esperamos que "o dia" seja mais que um dia, que seja uma viagem, que seja um socalco que subimos em direcção à felicidade, e depois... seguimos de mangas arregaçadas, passamos por árvores que não vemos, por despontar de sóis que não nos cegam, por chegar atrasados ao local do nosso contentamento. Gostávamos de abrir a porta que dá para a nossa azia (seja ela qual for) e qual Alice, entrar num palácio mágico onde pudéssemos dar aso às nossas libertações. Gostávamos de ser espaço, imagem, e mesmo até voltar a ter a ilusão de que a vida é mesmo isso, uma ilusão, essa ilusão que deixámos há tanto tempo para trás. Gostávamos que as sombras que nos rodeiam se transformassem num castiçal de luzes coloridas, e que o ardor que nos faz esquecer que temos olhos para ver a beleza,se apagasse,e todas as coisas luzissem como aromas encantados por lindíssimas melodias.

Gostávamos de derrubar paredes e janelas, abrir de par em par o nosso peito angustiado. queríamos até que alguém nos massajasse as têmporas, as costas, o corpo todo... com aromáticas essências mágicas, para que à nossa roda pairasse o aroma da felicidade. Mas engolimos em seco, seguimos, deitamo-nos e amanhã voltaremos a acordar...e a sermos os mesmos.

Gaveta de papel...

Ateio a fogueira onde crio os sonhos

Barricado em abismos que transponho.

 

Do bafo das árvores espreitam as noites

Sentado no destino enlouqueço os jardins

E a morte...disforme...aquece o cachimbo

Onde as estrelas se acendem

Onde os espelhos se apagam

E as bocas se inquietam...

 

Recomeçar no silêncio...

Como o primeiro homem sentada na última pedra.

 

Fixo o meu olhar na rua...

Nem eu nem mais ninguém aqui está

Resta-me este riso com que descarno os dias

E aquela ponte para atravessar o mundo.

 

E foi agora...mesmo agora...

Que um princípio de luz se cruzou comigo

E me mordeu...com dentes de cristal...

Que eu guardei...na minha gaveta...

De papel...

Absoluto

Também tu me embalas como quem esquece a noite

Também tu me enredas nesse cravo apontado ao pensamento

Tu meu teorema assombrado...tu minha pele...

Tu meu medo e meu segredo.

 

Na minha orla decifro o vazio dos instantes

Nas covas das faces decifro lendas e palavras caladas

E eu só quero aproveitar aquele momento

Em que os relógios se erguem...e me mostram

A limpidez do frio que sai do gelo das plantas

Para me eriçar a sede de ser...homem.

 

Sim...saltei para a escuridão e confundi a noite

Era mais um a tocar os seios nus do silêncio

Era mais um a não querer apodrecer na geometria dos dias

Era apenas mais um...a querer o que não sabia.

 

 

Deixei que uma fonte cantasse para mim

Teci inocências junto à água

E tive a sensação de tocar o absoluto....

 

Na falta de luz vejo a química dos homens

Ligo-me ao ocre das folhas tombadas e à luminosa extensão das manhãs

Nas minhas cartilagens corre a refulgência da aurora

Sou o mapa que ignora os limites do frio

E o único...que se parece com a casca das árvores.

 

Na falta de luz vejo a química dos homens.

 

Devagar ergo a ponte que atravessa o vidro do silêncio

Alimento o meu corpo com o cio das lenhas

Com o estralejar das pinhas

E com alma de gozo...

Compro aos deuses o meu anonimato.

 

Límpida melodia a ecoar na plenitude do sangue

Ergues-te em espirais de violinos

És o suporte do canto e da solidão

És a bofetada que espicaça a vida...que corre...

Tão longe da breve e delicada noite.

 

Que segredos me trazes espuma sepultada em indolências de mar

Que séculos escorreram pela ignorância das praias

Que estão aqui...magoadas pela magia das conchas

Que resistem na profusão das marés

Como homens que suportam todas as formas da luz

E da escuridão...

Germinações...

Germina fulgurante sombra...cresce nesse sentir de lua gelada

Já não me espera a humidade corrosiva dos dias

Já não me arrasto para a cave entumecida

Agora perco-me num jardim de rosas estioladas

Agora furo o tecto do mundo

Bebo os rasgões subterrâneos da alma

Até que a minha carne ensanguente o frio do inverno

Até que em mim cresçam a vozes do inferno

E eu sacuda esta lama de fogo...que me aquece

E me perca em cada encruzilhada.

 

Profunda voz que doira a ácida tarde

Opaca asa que se afasta da agudez dos gritos

Impaciente ausência...oco despertar

Quando de súbito...as aves se erguem e deixam um rasto no céu

Eu oculto o meu acordar...

E levito na ardência do meu nevoeiro...do meu respirar...

E sonho...

Teia

No fino fio a teia encrespada

Na súbita folha a queda dos olhos

Aspiro o rasto do nevoeiro

Despenho-me nas asas de uma borboleta

E abraço a salinidade do crepúsculo

 

Clandestinas flores espalham perfeitos aromas

Metafísica de estrelas a tecer rios e nuvens

No pólen do destino abraço o mar

Nada me importa..nem sombras nem cadáveres

Prefiro esperar os relâmpagos do sonho

E ser um chão de sol que podes pisar

Ao mesmo tempo que os fantasmas deambulam pelo meu corpo.

 

Quero acender luzes no colapso das andorinhas

Aspergir as folhas ressequidas das avencas

Dizer que existo como um corpo ou um lago

E atar o meu destino...ao rio que me atravessa

E leve...leve...se apaga em mim.

Cedências...

Cedo-te o meu tempo e o meu outono

Cedo-te a casca de cada árvore onde impera o meu nome

Cedo-te os segredos do deserto onde o tempo não tem ferrugem

E cedo-te a faca...com que me arrancarás da fome do mundo.

 

Em cada palavra uma presença

No meio das ervas o meu sono

Na folhagem da carne o meu impropério

Debaixo dos meus dedos...a magia dos afagos

No adormecer do corpo a irrealidade...do sonho.

 

 

Não me peças flores nem justificações

Deixa-me viver na flora matinal da luz.

 

Sinto a alegria a dissolver-se numa flauta de estrelas

Mergulho nos erros entrançados em naufrágios

Como se os meus olhos imaginassem o voo das giestas

E vissem pássaros nas flores entumecidas do esquecimento.

 

Dos labirintos erguem-se idílicos ventos

Em cada folhagem a solidez da sombra

Se tudo vive na respiração do céu

Também eu vivo num candelabro de contornos impossíveis

Que os meus pés pisam

A minha imaginação desvenda...

E os meus olhos...creem.

 

Gelo...

Crisálida tardia...afago de tarde irreal

Doirado gelo a desencantar mundos

A fome dos olhos afaga a inutilidade da carne.

O bolor dos musgos engana a morte

E eu pergunto-me...

Por onde esvoaça a efemeridade da alma?

 

Rua de xisto...

 

Não sei que rostos me esperam por detrás do espelho

Não sei que sombras se movem por detrás dos rostos

Mas sei que avanço seduzido por uma esperança

Que cai de cada fechadura que se abre na noite.

 

E depois posso fingir que uma dor me desliza pelas artérias

Posso caminhar numa rua de xisto e desabotoar as lágrimas

E posso esquecer as plateias para quem represento

Uma farsa...disfarçada de mim.

 

Mesmo que acorde para a efemeridade do silêncio

Mesmo que em mim vibre a cegueira dos incrédulos

Mesmo que um verniz de seda me cubra os desencantos

Vou sempre estender os braços...e abraçar...

A escuridão...

 

 

No filtro das palavras descubro o misticismo etéreo da vida

E na imortalidade do sol...uma sombra de ouro...

Cobre-me os dias... avançando sempre em direcção...

Às minhas desoras...como um bafo de luz que desaba nos meus...

Abismos...

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