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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

De que te queixas?

De que te queixas? Não é tua a estrada? Não é teu o raio de luz? Feliz de ti que possuis o rio e o grito. Que possuis a margem e o reflexo. E afundas o próprio riso no feitiço das florestas.

De que te queixas? Se um deus chora por ti. Se um perdão cai dos céus. Se a Vida te roça a alma. E se bebes dela como de um seio sagrado.

De que te queixas? Se das tuas profundezas se ergue a tua fúria. Se no teu esquecimento os dias se tornam semelhantes a infâncias. E se  és capaz de enfunar as tuas próprias velas.

De que te queixas? Se da tua imortalidade nada sentes. Se da tua boca sai a tua sentença. Se por ti velam todos os martírios.

De que te queixas? Se dos escombros tu te ergues. Se deambulas por cidades e por fantasmas. Se te acendes com o teu próprio fogo.

De que te queixas? Se em todos os lados nasces. Se todos os lados em ti nascem. Se não tens fronteiras nem desejos de as ter.

De que te queixas? Se tens um nome e uma rua. Um vinho e uma injustiça. E bebes pela invencível taça de Dionísio. E toda a tua sede de não ser nada...é mais que um sacrilégio ...é a tua vida. É o lastro da sombra esquecida. É a frescura de um sono sagrado. E é também a melodia de uma brisa que te lembra...que o dia acaba e o tempo fica.

Aromas de outono

Pairam no ar os aromas de outono. Segues como quem trás dentro de si a liberdade do silêncio. Trazes contigo a luz mais alta. A verticalidade. A exumação da solidão. Uma outra vida floresce dentro de ti. Um outro espanto adorna o teu olhar. Nada te perturba. Nem a dureza do sol. Nem a evaporação dos sonhos. Sabes que por detrás das águas há sempre uma claridade. Por detrás do sono espreita sempre um sepulcro. E a sombra dos dias assoma sempre em cada manhã. Podes ser duro. Poder ser pedra. Podes ser imortal. Podes passear sob o canto das cigarras. E adormecer sobre a duplicidade de ti. És duplo. Triplo. És todas as coisas que se evaporam.

 

O medo. A lua. A revelação de uma fúria. Não tens remorsos por não sentir os dias. As pedras aquecem na imortalidade da luz. Essa luz que tem vida própria. A única coisa que desde que nasce nunca morre. Percorre o infinito. Infinitamente. Essa mesma luz que agora está contigo...de passagem.

 

Um dia subirás essa escada de feita com a palidez do sal. Um dia passarás pelas palavras como quem desce de um fogo. Em vão tentarás adormecer. Em vão serás...porque já foste.

Crinas e algas

Podes desdobrar-te em cantos de cristal. E adormecer em voos de pássaros de bronze. Vestir a tua imortalidade com séculos de prata. Povoar a vida com a destruição das florestas. Homem que pairas nas sombras. Homem que derrubas penumbras. Homem que cais a cada dia. Homem feito de areia e sofreguidão. Toca no tempo. Deixa escorrer o espanto. Faz florir os impérios. Magnético homem que abarcas em ti os gritos alterados dos corvos. Coeso ser feito de margens e de cidades. Interior e exterior de espíritos. Palácio quebrado. Profeta. Fruto e sumo desamparado. Poisa uma mão no outro lado do mar. e a outra...guarda-a para ateares o fogo que te queimará.

 

 

Se pressentires que na escuridão do tempo uma alegria se afasta...toma balanço...salta. Acede ao fundo de ti. Se pressentires que as luzes da noite se apagam...respira o ar silente... bem fundo. E renascerás no rolar da madrugada.

 

Flores de barro. Coloridas bailarinas. De repente tudo é novo. Tudo depende das crinas da imaginação...soltas ao vento que agita as águas...e as algas.

Os lugares onde temos que chegar

Quem eras? O que buscas hoje? Em que mármore assenta o avesso de ti? Emergiste de algum lugar? És o discreto retrato de uma vida sem história. Poderias ter sido o que quisesses...mas gastaste o tempo. Poderias ter sido mais que um corpo que percorre um mapa imaginário. Poderias ter sido mais que um emprego. Tivesses tu nas mãos esse astrolábio que indica que todos os sonhos são possíveis. Que todas as possibilidade estão na tua rota. E talvez fosses o mesmo...mesmo sendo outro. Raspa essa argila que te cobre. Esgota todas as verdades...mesmo aquelas impossíveis verdades que não são mais que saliências dos dias. Deixa que o vento te empurre em todas as direcções. Dedilha a tua bússola como quem se gasta. Desmesuradamente. Furtivamente traça um irónico cenário no espaço e sobretudo não digas que a tua ausência não tem esperas. Não penses nisso. Há sempre alguém que não nos espera...assim como há sempre uma espera na espera de alguém.

 

Percorre os teus caminhos. Obstinadamente. Procura esse país de estátuas e enxofre. Esse inacabado perpassar de rotas de todos os dias. Não interessa o que quiseste. Não interessa o que tiveste...nem o que tens. Só interessa que chegues a essa ilha onde os dias andam em derivas de luz e paz. Respira como um animal que não percebe a vida. Planta o teu trigo e derrama-te sobre as adversidades. És o estremecer das árvores. O calor excessivo do estio. O instante. A mácula. Disfarças como quem espera o barco que não chega. E sabes que a tua alegria vive na ânfora que está escondida num lugar feito de muros e de falésias. Um lugar onde tens que chegar.

Tardes de ninguém

Caminha a tarde rasando a erva alta. Um homem...só. Uma águia traça círculos no céu. Um só...homem. Ali... rasgando a solidão com o olhar. Que haverá de comum entre ele e as ervas? Que seio o alimentou? Já não sabe. Foram tantas as estações que se estenderam no seu caminho...que agora já lhe sobram as horas. Renasce esse homem em cada minuto. Ri e sente como quem não tem ninguém. Espera. Que novo dia lhe trará o dia novo? Que tentação lhe mostrará o tempo? Não sabe! Só sabe que um dia florescerá como quem aborda a margem da praia. Onda ou sangue. Ave ou céu. Ali...só... o homem transforma-se em Deus.

 

Nasce o tempo. Uma sombra cobre-lhe o rosto. Nuvem que desponta na circulação da terra. Invisíveis são os olhos. Que flores o viram nascer? Que jarra se cobriu de cores? Na pele trás a alma. Na alma o voo da ave solitária. Que o levará em direcção a um qualquer outono. Onde os cabelos se cobrirão de uma luz pardacenta ….que as chuvas arrancam ao céu. E o homem enche os olhos...com as ondas de um mar longínquo.

 

 

Aí estão as tardes de ninguém. Por aí revolteiam ruas e cidades. Caminha como quem persegue uma tempestade. Ergue o sonho. E se do seu sopro nascerem flores...é porque do chão se erguem homens.

Sombras e ventos

Esvaem-se os dias. Esvaio-me com os dias. Perdidos os desejos. Entalhada a alma. Olho o céu e envolvo-me nesse espaço de longínquo azul. Depois... construo crepúsculos e tenho a impressão de viajar pelo brilho dos temores. Onde um quase nada invisível me diz para erguer os olhos e me perder nesse espaço que me esmaga.

 

Vejo o que vejo. Vejo as águas e os cansaços. Vejo as velas de barcos incógnitos...a assomarem a mastros imprecisos. Paro para sentir a respiração. Paro para perceber esse fluxo de oxigénio que me alimenta. E reparo nas veredas vazias por onde caminham os meus sonhos.

 

Viajo nesse emaranhado de voluntária solidão. Sento-me na esbatida tela da tarde. E presto atenção a quem passa e não me vê. Dentro de mim estalam sensações. Não penso. Vivo fora dos meus pensamentos. E mesmo que o meu corpo caia na divina ladeira da desesperança...ergo-me dos meus passos...e sei que tudo crescerá dentro de mim.

 

Temos as verdades afixadas em paredes de tédio. Para que queremos verdades que nos enganam...se  as frases se compõem de palavras feitas com sombras e ventos?

 

 

 

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