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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Silêncios

Tenho silêncios que me envolvem

Tenho um cais e um barco e uma flauta

Tenho uma roda de estrelas mortas à nascença

E uma seara de dúvidas azuis despontando nos meus olhos de criança

 

Troquei a verdade pelo poente

E a morte por uma borboleta verde

Troquei de estrada e de verdade

Troquei a lonjura da escuridão por um fio do teu cabelo

 

Tenho na boca um sabor a metal

Tenho um laço negro e um avião de papel

Da minha boca caem tranças

Das minhas dúvidas nascem tempestades

E as estrelas choram com medo do meu silêncio.

O amargo sabor da ânsia

Não temos um nome para a alucinação dos corpos. Não temos um nome para os campanários das igrejas. E...contudo...achamos que eles indicam a direcção dos céus. Suspeitamos da combustão dos versos. Crescemos agarrados a símbolos crestados pelo fogo do crepúsculo. Enterramos o nosso desprezo em qualquer jardim...abandonado. Sabemos que a vida é profunda. Que a desordem dos dias é profunda. Que as palavras são profundas. Sabemos isso e continuamos a viver como quem abre as portas a uma qualquer falsa santidade. Não nos detemos...nem que um rio no leve nos seus rápidos. Haveremos de aportar em alguma margem. Em algum dicionário. Em alguma frase solta. Porque somos boémios. Misteriosos. E que é através do amargo sabor da ânsia...que sentimos a chuva que nos molha a amargura.

 

Não temos um nome nem palavras para a alma. Não temos um nome para a linguagem metafísica do caos. Não temos um nome para as andorinhas nem para a desordem do tempo. Vivemos de obrigações. Somos sacrossantos reflexos do cosmos. Olhamos o espelho como quem perscruta a minuciosidade das rugas. Colamos etiquetas aos adjectivos. Amamos a profundidade das águas. E se alguém nos disser que somos falsos...então... mostramos ao mundo o nosso rancor. Partimos para a vida com os pés enfiados em sacos. Trôpegos. Somos inseridos no reflexo dos sonhos. Separamos e saboreamos as palavras. Uma a uma. Aqui sofrimento. Ali amor. E mesmo que os verbos se desfaçam...nós continuamos. Porque não há outra forma de compreender a linguagem dos dias. E porque nem sequer temos um nome que nos diga quem somos.

A praia

Os pés descalços assentes no chão. A alma em contacto com o mundo. O céu espia-nos com o seu desdém. As nuvens executam danças cruciais. Cerúleas. Abruptamente ganhamos interesse em qualquer coisa. Algo desperta em nós. Apoiamos o queixo nas mãos. Fingimos. Vemos o mar com um olhar complacente. Perdido. Brincamos com a areia. Somos areia escorrendo pelas nossas mãos. Amuamos. Vem uma névoa de néon. Um perfume de maresia espalha-se pela bruma. Ignoramos o livro que levámos para não ler. Ou tão só para nos acompanhar. Ignorando o tempo... caímos no desequilíbrio das dunas. Além...uma vela. Aqui um cão a correr. Um corpo reluzente. Um creme desdenhoso. E também o estampido monocórdico da tarde. Aproveitamos para pensar. Ou para não pensar. É importante fazer parte do silêncio interior. Há uma roda viva de gaivotas. Um caleidoscópio de toalhas coloridas. Chegam-nos miniaturas de ventos e excêntricas marés. E de súbito...emergimos...para a luminosidade fascinante de um sonho. Caído da realidade.

 

Teias cósmicas

Construímos as nossas teias cósmicas com risos e lágrimas agridoces. Retalhados os caminhos...fica-nos a maravilhosa sensação dos cabelos soltos ao vento. Vivemos suspensos entre os lugares-comuns e o mistério dos choros. E o mais provável é que acabemos o dia sentados no degrau de uma escada íngreme a ouvir o - i can't get no satisfaction - dos Stones. Juramos que somos diferentes. Juramos preocupar-nos com as verdades. E voltamos sempre ao perfume da ilusão. Vamos ao cinema. Apanhamos o sol nas horas piores. Lemos romances de cordel e filosofias de alguidar. E sabemos que é por nossa causa que o mundo continua a girar...em volta de nós. De vez em quando tropeçamos...sabemos que é preciso tropeçar na vida para que ela possa continuar. Somos sábios. Amanhã é igual a não ter havido ontem. Ontem tínhamos tantas ilusões. Hoje temos tantas ilusões. E nada aconteceu...a não ser mais um crime num bairro triste.

 

Nunca sabemos o que vamos fazer com o nosso orgulho. Disfarçamos. Somos estranhos. Bêbados. Idiotas. E depois de cruzarmos uma qualquer rua...somos muito mais coisas que não sabemos. Marcamos encontros. Esmurramos os brilhos do nada. Somos tão...mas tão engraçados...que fazemos magias com sentimentos lilases. Entramos e saímos do metro como quem vai para qualquer lado. Sentados na esplanada tomamos um café caríssimo. Sabemos que nas esplanadas o café é mais caro. Coitados de nós..sempre à procura de ganhar o totoloto. Sempre a inventar mares e marés de sorte. Sempre a consumir cigarros. Ou vamos dar uma volta debaixo de temperaturas negativas. Sentindo a subtileza do frio a entranhar-se na alma e nas alamedas. Vamos a concertos de Rock. Sabemos como preparar um chá de gengibre. E sabemos também que os dias nos dão nós górdios. E que pelas sarjetas se escoam mágoas. Sentindo que há uma grande concentração de felicidade...na forma arredondada da lua-cheia.

A unidade abstracta do tempo.

Temos medo das pedras do tempo. Temos medo das tempestades e de perder o espaço onde vivemos. Embrulhados em trapos de marca olhamos de soslaio quem passa. Achamos que temos as chaves do mundo....mas saem-nos berros dos olhos e gritos abafados do coração. Poupamos dinheiro... para que nos sobre quando morrermos. Estamos sempre a um passo de qualquer coisa. De um mau hábito. De uma dor de dentes. De um vício qualquer que nos distraia de nós. Acabamos o dia com o sono fabricado por benzodiazepinas. Estudamos o comportamento extraordinário dos loucos. Querendo sempre acreditar que o que nos salva é a nossa fé numa qualquer imagem de um santo sofredor.

 

Roemos o tempo. Roemos a importância das coisas e a das coisas sem importância. Compramos a felicidade ao quilo. E porque não sabemos porque certas coisas nos fazem felizes. Alinhamos esses momentos como quem empilha tijolos numa parede. Construímos não sabemos o quê...até atingirmos o vórtice do frio. Ao mesmo tempo temos que ser santos...ou recusarmos a vida de santos. Temos que encostar o nariz à vida e tentar perceber as suas cores. E temos que ser campeões e pais e mães e a soma de todos os nossos seres interiores. Preocupamo-nos com a verbalidade. Queremos ser entendidos. Queremos que percebam que o fogo é parte de nós. Outras vezes queremos vinganças. Abrimos caminho através das raivas que nos tornam irracionais. E caímos na tenebrosa noite dos suplícios. Onde nos encontramos com o que faz de nós palavras e onde nos alojamos na íntima parte que resta de nós.

 

A chuva esmaga-se na janela. O jazz de Ella Fitzgerald esmaga-se na alma. A compreensão dos coisas percorre-me o corpo. O sufoco da realidade vive num segundo plano. Por tudo isto...nós... somos a unidade abstracta do tempo.

Mergulhar no delírio dos pássaros

Sair para a rua. Tomar o café. Dobrar a esquina de uma incansável realidade. Compreender. O cheiro da rua. O sabor da chuva. A linguagem insondável dos momentos felizes. Aprender a caminhar. A não renunciar. A esperar a madrugada... silencioso como um gato sábio. Não fazer qualquer esforço. Escutar os grilos. E procurar entender os hieróglifos da vida. Morder...até ao osso...a paz. Saber o que qualquer um sabe. Que uma flor tem que ser regada. Que o amor tem que ser regado. Que os pensamentos são alegorias da alma. Não querer explicações. Não dar explicações. Atirar ao chão as peças do xadrez. Construir uma mandala de pássaros. Voar no frenesim das gaivotas. E se isso não chegar...esculpir uma ardósia de sombras. Aparecer no meu exterior como quem se vai embora de si. Pegar em urtigas. Comer um puré de espinafres. Não aconselhar. Apenas desaconselhar. Erguer os olhos...lentamente. Erguer a alma,...lentamente. Pegar em água cristalina. E construir um poema de baixos-relevos. Escorregar. Provar um vinho. E abordar a luz como quem se deita na clarabóia da vida. Por fim...na falta alguma coisa...mergulhar no delírio dos pássaros...e sobreviver.

Oh! Como somos estúpidos

 Diógenes, filósofo da corrente cínica, que pregava o desprendimento dos bens materiais. Repreendeu-se  a si próprio, no dia em que viu uma criança a beber água de uma fonte com as mãos em concha dizendo; " Oh! como sou estúpido em andar carregado com objectos inúteis". E tirando da sacola um copo de vidro que lá trazia, logo ali o partiu.***

Parafraseando Diógenes: oh! como somos estúpidos em consumir tanta coisa de que não necessitamos.

*** baseado em Séneca

O sal do mundo

E nessa hora em que as cigarras embalam a tarde...nasce em mim uma modorra de paz. Todas as coisas têm as proporções perfeitas. Tudo ganha a clareza de um voo de pomba. Tudo é um desenho de pele e espaço. E tudo é um disparate. Ao fim e ao cabo tudo é uma névoa soalheira que se entranha na alma. Uma aguarela de Gameiro. Um encolher de ombros. Um não olhar para trás. Um sarcástico lá sustenido. Um envolvimento momentâneo entre o espaço e a alma.

 

Uma coisa é a sujidade dos dias. Outra... é uma cama quente. Uma coisa é uma árvore cortada. Outra...é o roçar entreaberto das bocas. Uma coisa é a imobilidade de uma águia. Outra...a frase abafada do amor. E depois...quem não quereria rasgar a noite e abraçar-se a todas as estrelas? Quem não quereria aventurar-se muito para além de si e conhecer todas as fontes da imaginação? Quem não quereria saltar para os braços de alguém e renascer para uma nova vida? E sentir aquele arrepio de primavera quando as andorinhas voltam aos beirais. E sentir que realmente não há uma fronteira entre o caos e o amor. E sentir que a chuva trás consigo a estética do aconchego. E que um homem é mais que uma escola. É um compasso de mundo inviolável. Uma escolha. Uma origem. Uma língua. Um jogo e uma fronteira. Um esquecimento e um caminho. Uma metade sombria e outra um jacto de vento. E mais que tudo é o inevitável sal...do mundo.

Inventamos cabelos soltos e ventos alísios

Nada nos falta. Nem a certeza de que a um dia se seguirá outro dia. Nem a certeza de que em todas as aparências há uma falsidade. Nem a falsidade de que em todas as aparências há uma vida. Tudo vem e tudo segue o seu caminho. Tudo pode ser. Mas tudo não pode ser ao mesmo tempo. Há pedaços de vida em todos os enganos e em todos os desenganos. E temos a certeza de que um dia o nosso corpo seco já não nos serve. Sabemos que seremos o pugilista caído no ringue. E sabemos que todos os dias somos ensinados a esperar. A esculpir a nossa desesperança. A amansar a agonia...como quem quer vencer uma luta desigual. Como quem quer segurar um destino continuamente lhe escorre por entre os dias.

 

Cravamos as unhas na carne da nossa idade. Andamos intranquilos. Inventamos  necessidades e achamos que temos mesmo que possuir tudo o que é desnecessário. Inventamos cabelos soltos e ventos alísios. Achamos que as verdades crescem nas insónias. E que de noite se inventam as raízes dos sonhos. O mundo é abstrato. As coisas são abstratas. E nós somos amáveis gatos estupidamente sentados à chuva.

 

Nada nos falta. Nem as esperas nem as viagens. O mundo é uma rota. Uma frase. Uma circunstância. Acordamos no preciso momento em que adormecemos. Porque acordamos para essa dor que temos que adormecer. Temos dores de cabeça e teorias de casinos. Temos pianos e poesias e molhamos os pés em praias de areias movediças. Deixamos a nossa marca nas clarabóias das ruas. Embarcamos em espessos navios. Esperando sempre que no fim da viagem alguém nos espere. E nos embale com uma música que nos faça chegar... as lágrimas aos olhos.

 

Porque tememos o futuro?

Sobre o medo que temos do futuro Mark Twain disse: “ a minha vida tem sido construída sobre um monte de problemas; a maioria dos quais nunca existiu.”

Essa é a pergunta capital da nossa vida, porque tememos o futuro?

 

Temos medo do futuro porque tememos sentir a falta de coisas que se não as experimentássemos não daríamos pela sua falta. Coisa supérfluas que os consumismos nos impingem.

 

Temos medo do futuro porque antecipamos problemas que não sabemos se vão acontecer e mesmo quando acontecem não têm a gravidade que lhes atribuímos antes.

 

Só há uma forma de não ter medo do futuro...é suprimir esse medo...sabendo que de nada nos serve senti-lo.

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