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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Um pássaro na gaiola

Leio como quem tem um espelho à minha frente. Procuro sempre uma forma de entrar no mundo. Pensamos que estamos sozinhos. Eu penso isso e deixo a minha risada a marcar o ar. Gosto de chocolate. Gosto de sentir o sabor da vida a desfazer-se na boca. Gosto me maus comportamentos e de metáforas. Gosto da verticalidade de uma árvore. E gosto das coisas úteis...como a desobediência, por exemplo, ou a flutuação das algas.

 

Desperto com uma delicada compreensão das coisas. Sou uma nuvem com um ventre e uns pés que assomam ao fundo da cama. Não preciso de explicações. Basta-me um pássaro na gaiola...para perceber toda vida dos homens.

 

Desejos e reflexos

 

Em cada quarto um subtil amanhecer. Um circo. Um verso escarlate. Uma densa imaterialidade. Uma harmonia diletante. Um bafo de serpente. Em cada filosofia uma ressurreição. Uma paleta de cores terráqueas. Um fogo estrangulado. Sacrifico a minha imobilidade a um mórbido desejo de ser leve e sem forma. Tento olhar a dicotomia dos mistérios. A materialização da saliva faz-me pensar nas fragilidades da adolescência. Quando era adolescente queria aprender a delicadeza dos momentos. A morte era um fugaz reflexo de uma impossibilidade. Estou alerta. A consumir a minha breve realidade. Abro-me aos dias e às praças e às ruas e a tudo o que detesto. Deixo cair a minha mensagem de tela em branco. Corro em direcção ao amanhecer. Mais uma manhã de relâmpagos e de jogos. Deixo os meus sinais. Dói-me a rudeza do mundo. Posso gritar e andar por caminhos que não conheço. Posso marcar um encontro com o descompasso dos abismos...e aceitar ser uma vaga hora a desafiar perigos.

 

Aqui e além um encolher de ombros. Mais junto ao poente sinto uma fome de ouvir Cohen. “ vazios de tempo os favos do relógio” escreveu Celan...vazios de mim – escrevo eu. Gosto de cheirar as bibliotecas e de sentir as palavras a desfilar nas páginas. Quem me paga as verdades escondidas? E o bafo deformado das probabilidades? As probabilidades. Essas serpentes labirínticas. Essa oníricas formas de consentirmos ser feitos de itinerários. Amamos tudo o que gostamos. Embalsamamos as aparências. E...tranquilamente...tentamos descobrir o significado da fatalidade.

Fénix

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É necessário que escutemos obscuras canções. Que procuremos frenéticas palavras. Que mordamos a noite que jaz nas almofadas. É urgente que arranhemos crepúsculos. Que nos confundamos com papel de parede. Que nos agarremos aos instantes. É necessário perceber as verdades e as recordações. Ler Laxness. Descobrir o segredo de Joe Gould. E por favor, reconciliar-nos com tudo o que se mexe debaixo do sol.

 

E tudo é importante. As perfeições e as imperfeições. As míticas reconciliações. A metamorfose de Kafka. É preciso que entre os ombros e os soluços as mãos arranquem murmúrios às estátuas. Que das montanhas escorram águas. E que a morte rasgue as dunas. Que as estrelas estalem. Que o mar cubra os céus. E que as putas tenham no olhar as mais nítidas constelações. Sim, tudo é importante. A pele e os sacrifícios. E um caudal de amor a esvaziar-se...lentamente.

 

É é preciso perceber que a liberdade não se bebe. Que um ventre se rasga. E que a felicidade tem uma face magnifica e outra que cheira a corpo nu. E é preciso lembrar das escuras noites. Dos pirilampos. E da absoluta necessidade de um sorriso. É preciso pintar a consternação do espaço. Salivar e curar as vergastadas deixadas por inimagináveis palavras. E depois...acordar com o balanço de uma cama de rede num largo onde um circo montou a tenda. Dialogar com as ruas. Ser a Fénix de cada esquina. E nunca...mas nunca...descartar a possibilidade de um dia estrangular a veia mais funda...do tédio.

Simbiose

Era um mês como todos os outros. Os jornais falavam de inconsciências e de sociedades psicopatas. A paisagem adormecia sob a diastólica pressão do calor. As angústias eram as mesmas de todos os outros dias. As ruas repousavam numa límbica solidão. Ninguém reparava na felicidade de ninguém. As consciências apodreciam enquanto os pássaros poisavam nos fios telefónicos. Era um mês onde entardeciam os rostos de anjos de pedra nas fachadas das igrejas. Tudo se sentia. Nada se perguntava. E se um pássaro feroz por ali aparecesse...não ia ser pior que os homens que já tinham partido. Era um mês em que nada apetecia. Nem abrir a janela. Nem escutar a sobranceria do vento. Nem podar as árvores ou até olhar o cair da tarde. Era um mês em que as pessoas se tinha esquecido de olhar os céus e espantar-se com os milhões de estrelas. Já ninguém tem tempo de olhar as estrelas. Já ninguém perde tempo a olhar as estrelas. Mas há ainda muitas coisas que podemos ver e tocar. E até podemos escrever sobre os lobos solitários. Esses homens do mar que já não existem. E também sobre os heróis....que também já não existem. Já não há heróis.

 

Passamos de largo...acenamos e seguimos desenhando gestos desnecessários. Como desnecessário era esse mês em que os gritos se quebravam na névoa e os olhares se desgastavam numa simbiose de paixão.

A flor mais alta

É inútil perguntar o que faço aqui. É inútil embarcar ou desembarcar. Há um tédio em cada pingo de chuva. E um triunfo em todo o absurdo. O que é o mesmo que dizer que há uma vitória em cada caco de vida.

 

O mundo pode-nos cansar. As ideias também. Mas as coisas inúteis são o meu maior cansaço. As coisas e as pessoas. Em que direcção gira o tempo? Se é que gira. É próprio das pessoas girarem com o tempo. Agarrarem-se a ele como quem passa ao lado de uma tempestade. E esperar. Esperar pela próxima primavera. Esperar por um sítio onde sejam outra vez pessoas. Esperarem pelos frutos de uma tarde sem história. Ah...e também desesperarem.

 

Mas há sempre um movimento a sair da algum lado. A atravessar-se no nosso caminho. Há sempre uma chuva que nos molha a nostalgia. E uma mágica reconstrução de nós a cada momento. Erguida as emoções. Instaladas as palavras. Podemos poupar as nossas aflições. Podemos mesmo aproximar-nos da indiferença como quem se acolhe a uma ilha cheias de esquinas que não queremos dobrar. Os nossos horários passam a não ter horas. Somos agora nómadas. Inviáveis e decididos a calar bem fundo a nossa condição de vagabundos ou eremitas. Até que em nós habite a flor mais alta. A flor que colhemos numa manhã de março...coberta de geada.

As batalhas...

As ruas...onde nenhum rosto cintila...são promontórios fechados às lamparinas dos olhos. São histórias dobradas em folhas que ninguém sabe. Caminho por essas ruas como quem descobre um lugar sagrado. Têm janelas. Interiores. têm uma luz de secreto sabor a vento. São longas...as ruas. São pátios onde se pisam sombras. São pedras e nebulosas claridades. Há nas ruas uma palidez de relíquia sagrada. Há nas ruas uma guerra que ninguém ganha. E uma folhagem de doce liberdade. Sinto-me leve nas ruas. Sinto-me em sintonia com quem se desvia de mim. Sei que os outros são apenas os outros. São pessoas...ou muitas delas nem isso.

 

Há em mim uma busca antiga pelas sombras. Um inato escalar de arestas calcárias. Uma legítima felicidade. Desloco-me como se tudo viesse até mim. Passeio pelas palavras e pela brisa. Junto-me aos desabafos da noite. Faço perguntas. E de manhã...rumo ao cais...onde todas as vidas se juntam.

 

Viro-me de frente para o sol que nasce. E escondo a minha multiplicidade de pequenos olhos a orbitar uma face cerrada. Intransparente... porque só eu habito a minha batalha.

E nós...aqui..

E nós...aqui...crescidos como as distâncias que temos que percorrer. Rindo e saboreando as irrealidades. E tal como no mito de Kronos...lá nos vamos devorando em ódios e anseios. Nos nossos dias gorgoleja essa constante invenção das paixões e das estátuas esculpidas em barro negro. Nós somos mesmo o barro...negro. Gostamos de estátuas. Todos querem ter a sua estátua em qualquer lugar...mesmo aqueles que não têm lugar numa estátua.

 

Temos uma visão tão infantil da angústia...que pensamos que a angústia se resolve com quebradiças verdades e irreais absurdos. Pensamos que somos mais que todos os nossos receios...mas não somos...os receios somos nós a querer ser mais que nós. A querer encher a vida com vento...como se a vida se construísse com medos de futuros que ainda não vivemos.

 

Mas há mais...há a nossa negação do corpo. Queremos é saber o que é a alma. Queremos arranjar uma forma de escapar. Uma forma de obter o nosso quinhão de imortalidade. Que é outra forma de dizer que queremos ser mais que um corpo. Mas não somos. Somos este espaço que medeia a distância entre o berço e a nostalgia. Este espaço de sol e opúsculo onde se reflete a nossa ansiedade.

 

Não há homem mais tranquilo que aquele que nada faz. É esse que conhece o segredo. Aquele que aceita a supérflua desnecessidade de ser reconhecido. Porque não há tédio na inutilidade. Não há relógios...nem ruínas...nem letreiros de néon...nem fatos Armani...ou malas Vuitton...a adornar os ventos que nos sopram Elegias de Rilke.