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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

O riso brando das aves.

Espreito a rua por entre uma nesga de tempo. Descubro na imperfeição melancólica da tarde...uma face nua. Uma minuciosa poeira atravessada pelos raios de uma luz indistinta. Baça. Uma paz de espelho desbotado. E tive a sensação de sentir um rangido de alma. Uma força de estrada esburacada. E senti...que me basta uma linha recta e todo o espanto do mundo. Basta-me uma rua deserta e uma álea de plátanos. Basta-me a força extraordinária das marés. Para que tudo seja a vela. A gávea. A porta de vidro. Por onde eu desapareço vestido como uma nuvem de gás e alma.

 

Olho a folhagem. Agarro-me a cada árvore como um naufrago. Por cima...uma solitária nuvem. Imóvel... num céu tecido em rendados de laranja e rosa. Mais além a baforada silenciosa de um sol calmo. E o lugar onde estou já é outro. Percorro esse momento vazio com um olhar de velho fascinado. Eu já sou outro. Sou agora a persistência céptica do dia. A aguardar o riso brando das aves.

Segredos

Quantas páginas tem um homem?

Quantas vidas paralelas existem na vida do sonho?

A contabilidade do tempo não passa de ser uma forma de não se ser

A contabilidade das palavras não serve para nada

A não ser que...

O homem cilindre a engrenagem do tempo

E um poema desça pelo avesso das escadas

E se derrame pelas ruas e pelas portas entreabertas

Porque o homem vive na levitação dos momentos

O homem absorve em si todos os juízos

E as palavras enroscam-se nas folhas brancas como cobras raras

E os poemas enroscam-se nos homens como profissões de fé

E os homens enroscam-se em cultos irreais e incoerências vagas

E os homens...entram pelos sonhos da irrealidade como frases ilegíveis

E rebentam como furúnculos

E soletram como crianças

E perdem o juízo como pessoas lúcidas

Porque são o ponto máximo da vida

E têm a convicção de que é preciso viver

E sabem que têm que encaixar-se nos dias

Porque têm o direito vitalício à sua própria liberdade

E ao seu próprio...

Segredo!

Incómodos eleitorais

Detesto os anos em que há eleições! Não...não sou contra o regime democrático. Não sou contra o acto eleitoral. Sou contra a proliferação de obras que governo e autarquias concentram nestes anos. Passamos 3 anos a marcar passo e zás, no último ano enchem-se as ruas e as estradas com obras que poderiam e deveriam ter sido realizadas ao longo dos últimos anos. Mas o que irrita nestas obras, (para além dos transtornos que nos causam), é o facto de nos tomarem por tolinhos. Os políticos acham que nos esquecemos do que eles fizeram ao longo do mandato, então, toca de mostrar obra em ano de acto eleitoral. No entanto ainda me pergunto, será que eles obtêm resultados? Será que a maioria dos eleitores é mesmo tolinha? Será que teriam menos votos se as obras se realizassem longe (no tempo ) do período eleitoral? É que se for verdade, se eles tiverem razão, então não somos tolos, somos mesmo atrasados.

Duas boas ideias

Há ideias simples que nos podem facilitar a vida, a nossa e a dos outros.

 

Começo por uma excelente ideia sugerida pela Ordem dos Notários. Para obviar transtornos e perdas de tempo na renovação do Cartão de Cidadão.Como também já é possível fazer a renovação através da internet, a Ordem sugeriu que se o governo estivesse de acordo se pudesse fazer a renovação em qualquer cartório notarial. Ideia simples e genial. Tão genial como foi a de se poder pedir a renovação da carta de condução em qualquer escola de condução. As vantagens desta ideia são variadas. A começar pelo facto de não ser preciso abrir mais balcões do estado, nem ser necessário empregar mais pessoas. Os notários existem. Os cartórios existem. Porque espera o governo para avançar com uma ideia que beneficia toda a gente?

 

 

A outra ideia de que queria falar chama-se Vizinho Solidário, e nasceu numa pequena cidade de França. Lá, tal como cá, a assistência social não pode acorrer a todos os necessitados. Lá, as pessoas uniram-se e em todas as ruas, os vizinhos mais novos visitam aqueles que têm algumas dificuldades. Por exemplo, ajudam com a medicação, fazem-lhes as compras necessárias, ajudam com na limpeza da casa, acompanham-nos às consultas, e até lhes resolvem pequenos problemas, como, por exemplo, chamar um canalizador.

 

Afinal é preciso tão pouco para que o mundo melhore.

 

 

Púlpitos

Os dias desprezam os corpos e hipnotizam a alma. E nós...que somos apenas uma sequência de gestos...vivemos hipnotizados pela incompreensível amálgama dos dias. Cabemos onde nada mais cabe. Cabemos dentro de nós como gestos ambidextros. Aqui e ali escolhemos nada saber. Aqui e ali petrificamos relâmpagos da alma. Andamos na rua a desembrulhar compassos de espera. A esperança é a nossa cartografia. Os silêncios são perfumes. As estrelas são rancores de sonhos. Abismos de sobrevivência. Acreditamos que a plenitude da vida é uma canção de amor. Um compasso melódico. Uma tristeza bravia. Lemos os nossos sinais nas asas dos pássaros. Arrependimentos colam-se à nossa pele. Como sinais de tempestades. Como chãos de mundos antigos. Como frenéticas estrelas a boiar no nosso desalento.

 

Por nós esperam os púlpitos. As ruas. As praças. Desconexos significados de alegrias. Por vezes imploramos à nidificação dos sonhos. Ás flores. Ao amargo sabor das nossas derrotas. Que venham. Que se encontrem connosco. E que nos levem para um lugar...onde os abismos clamem...por nós.

E todo o pano cai

Abre-se um espaço na tarde

Desfalecem as fachadas em manchas cinzentas

O outono é uma vida...o céu é um estilhaço

A alegria um fogo redondo que corta a tarde

E todo o pano cai

E toda a noite acaba

E toda a eternidade se ateia nos nossos olhos.

 

Mesmo que um grito vibre e descreva uma órbita mortal

Mesmo que a luz se prenda ao eterno compasso dos passos

Mesmo que uma vela se acenda na penumbra das casas

Nada se detém no cerne da alma

Nada se repete na inconstância do sonho

Porque tudo é um esforço e uma contradição

Mesmo quando a cotovia nos embala com o seu canto

Mesmo quando a vida permanece frágil

Mesmo quando um jardim se despe

E as flores nos secam...os olhos.

 

 

O silêncio...do mundo!

Tu vais ser a luminosidade quebrada do amanhã

O teu corpo vai ser a fraqueza e a força que em ti se revoltam

Serás a extensão de um adormecer

A folha sinuosa...o mito de um novo acordar

Gradualmente despertarás...

Para a negligência dos homens

Para a timidez da imaginação

Para a hibernante falta de coragem

Vestirás o teu corpo com ventos agrestes

Com cascatas de sons dos ramos quebrados

Com a orla verde dos trigais

Terás uma vida nova

De ti cairão cinzas e clareiras

Serás o ingrediente propício das correntes cristalinas

Terás um valor social

Circularás pelas estradas medievais

Onde descobrirás o silêncio...do mundo!

 

O meu absurdo murro no vácuo.

Sobra-me o tempo. Sobram-me as cinzas e o frio. Sobra-me a minha essencial controvérsia com a vida. Distorço o tempo. Distorço-me no tempo. E não descubro o significado da quebradiça atmosfera dos sentidos. Sou quem era. Mas já não sou quem era. E essa ignorância de mim é o meu pacto de silêncio. É a minha vibração de vida a assomar à janela do poente. É a minha vã tentativa de me imiscuir na noite. É a minha janela voltada para a interminável custódia da vida. O meu raio de luz despida. A minha inconsciência. A minha bofetada. O meu absurdo murro no vácuo.

 

É melhor não falarmos

É melhor não falarmos do nosso cansaço.

Dos nossos risos amargos.

Da fotografia que não tirámos.

É melhor não falarmos das nossas visões.

Dos nossos perdões

Dos inúteis presságios.

É melhor não falarmos da nossa paz

Da jarra sobre a mesa

Da lareira apagada.

É melhor não falarmos das mãos trémulas

Dos sorrisos escuros

Das miragens mirabolantes dos dias.

É melhor não falarmos das coisas que se fixam na memória

Dos dias de chumbo

Da neblina de verão.

É melhor não falarmos do vento que inclina as flores

Do sopro que estremece o lago

Do avesso da chuva.

É melhor não falarmos das lágrimas faraónicas

Dos translúcidos olhares

Da diáfana aparição da morte.

É melhor não falarmos...

De nós!

Como poderia eu ser outro?

De manhã levanto-me e vou ao rio espreitar os flamingos. Eles são o meu buraco no tempo. A minha flácida expressão de vida. A minha subterrânea vontade de me elevar no ar. E também são a minha ligação ao tempo. A um tempo de que não me lembro bem...mas que persiste estranhamente na minha alma.

 

Sinto que não sou mais do que um suspiro que busca o equilíbrio na fragilidade do mar. Sinto na vibração das árvores o calor silencioso dos raios de sol. Recorto o meu corpo contra o poente. Garças voam num bailado desalinhado. Reteso o corpo. Rebusco na nudez das ondas os pedaços dos meus pensamentos. Dolorosamente quebro-me como uma tela vazia. Pigmento a pigmento. Sou a partícula ensimesmada de mim mesmo. Sou a rocha e a conclusão da tarde. Não me censuro. Não me espero. E um dia serei o travo metálico da faca que me atravessa. E penso...como poderia eu ser outro?

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