Perdido na cidade
Do alentejo sinto o cheiro
Da seara a claridade
Mesmo aqui...perdido...
Na cidade...
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Do alentejo sinto o cheiro
Da seara a claridade
Mesmo aqui...perdido...
Na cidade...
Erguem-se as pedras...derrubam-se as árvores
Os olhos dos homens andam nus
As almas entrelaçam-se em lianas de declínio
E tu despedes-te de mim...como um pêndulo oscilante
Como uma maresia comprimida...entre o abraço...
E a partida....
Diz-me do não e do sim
Diz-me da sombra e da estrela
Diz-me que parede queres subir
Diz-me que lua queres descer
Porque a despedida cintila na ondulação...
Do mar...
Silêncio de renda...flautas do poente
É ti que peço o meu lado branco
A ti...que me semeaste em barcos de papel
A ti...que me construiste com o eco da escuridão
Sei que a dúvida é o meu poente
Que a nascença do mundo é uma ave azul
Que trocámos o cais pela viagem
Que descemos ao poço da vertigem
Compostamente adornados com um laço negro.
Sabemos tão pouco sobre nós. Sabemos tão pouco sobre os sentimentos. E sobre a nudez. E sobre as gotículas incipientes da chuva. E sobre os nossos amigos. Mas sentimos. Sentimos ternura. Sentimos a futilidade de certos gestos. Sentimos a placidez das lágrimas e a subida das marés. E de cada vez que erguemos os olhos percebemos que estamos alheados de todo o céu que nos cobre.
Embaciamos vidros. Desperdiçamos talentos. E sentimos vontade de tanta coisa que o melhor é mesmo sentar-mo-nos junto ao mar e perder-mo-nos no horizonte. Não podemos fazer nada. Os bairros de lata existem. Os túmulos existem. As inconstâncias existem. E por vezes até nos apetece arrancar as janelas dos caixilhos. Só para que não nos embaciem a alma.
Andamos em passos silenciosos. Interrogamos os corredores. Deixamos que madeixas de cabelos brancos nos tapem a testa. E vemos o nosso corpo pendurado em qualquer tronco de árvore alheada da nossa presença. Essa árvore cujo tronco se entronca em nós .
Fixamos o olhar nas sombras. Esperamos pelo enérgico silêncio da tarde. Erguemos os copos. Brindamos em sucessivas festas. E durante algum tempo até acreditamos que estamos acompanhados. Fazemos vénias ao mundo. Abrimo-lo com uma chave falsa. E ficamos contentes se nos diluirmos nessa onde de calor que nos embala. Ou então...fechamo-nos numa treva onde desembarcam as nossas ilusões.
Viver no passado. Recordar essa confusão de infâncias. A opacidade de um tempo feliz. As memórias mortas. A indiferença perante o inexorável. A cama fria. A sopa fria. Os pés frios. As frieiras. A insistência em tentar encontrar a alma que nos falta. As preocupações. Os testamentos. A leitura dos sonhos. A sobranceria dos gatos. Ou melhor ainda...o nosso próprio outono a desfazer-se em pólen. O nosso próprio verão a abafar-nos a alma. A angústia que se esconde por detrás das palavras. A vulgaridade do profundo sentido da vida. Em tudo isso há uma estranha sintonia. Uma desordem natural. Um requinte marmóreo. De onde resulta a obscuridade que nos alumia.
Fechei a porta. Colapsei. Senti-me um denso deus menor. As folhas da infância desvaneceram-se. A realidade era um frio debruçado sobre a luz gradativa da tarde. Aprendi a juntar as mãos. Os dedos a entrelaçarem-se numa trama de sentimentos. Nos olhos...uma linha de água. No horizonte...uma muralha de cismas. Sobre a cama...um resplandecente gato. Suponho que me ergui do meu fundo. Suponho que tinha nas minhas mãos o meu trunfo. E tudo se ergueu...como num lancinante voo de ave marinha. Imóvel assisti a esse revoltear de sentimentos. Depois... perdoei-me como quem derrapa na vidraça da tarde. Por cima dos meus ombros a luz do meu caos. Dentro dos meus bolsos um céu escarlate. A minha vontade era a de alguém que procurava a paz. A minha vontade era a de umas mãos enfiadas nos bolsos das calças. A assobiar uma ária de La Traviata de Verdi.
Que planos grandiosos nós fazemos para esta nulidade que é a existência! ***
***Séneca
Cada um age dentro dos limites que a sua educação lhe permite. Criticamos a má-educação, quando o mais correcto seria dizermos má-criação. Malcriado é isso mesmo, alguém cujos alicerces educativos não foram os melhores. É assim algo como uma casa sem bases, que está sempre pronta a ruir. Criticar essas pessoas não é o mais indicado. O mais indicado é mostrar-lhe que lhes falta a luz educativa. Criticar é perder tempo. É gastar a nossa paciência. É fazer sair de nós uma força que não vai resolver nada. Não devemos criticar? Não! Cada um vive dentro dos seus parâmetros. É preferível gastarmos o nosso tempo e a nossa energia em acções úteis e que contribuam para que aproveitemos o dia. Criticar alguém é um acto absolutamente inútil e vazio. É um mergulho na areia. É um enterrar a nossa opinião num lodaçal de negações. Criticamos nos outros as acções de que não gostamos, esquecendo que não vamos resolver nada e apenas nos desgastamos. Há o vício da crítica? Há! Mas seremos muito mais felizes se nos lembramos que não vamos mudar nada nos outros e que as nossas críticas são apenas palavras vazias. vivemos de críticas? Vivemos! Melhor seria vivermos em paz connosco próprios.
São assim as coisas. Os dramas. As reconciliações. O poder abafado da solidão. Viver é aceitar o irreconciliável. Erguer os braços e desdenhar das folhas caídas. Ter princípios. Caminhar pelo deserto das ruas. No fundo...socorrer-se cada um a si próprio. É fácil viver. É fácil aceitar a gregariedade dos planetas. E a invisibilidade dos homens. Não é fácil viver na insularidade da solidão. Não é fácil perder o emprego. Mas lá vem o vento frio. Lá vem o instante certo. Lá vem o ponto final...que atenua a nossa desilusão.
São assim as coisas. Sentar-se num alpendre. Empurrar a noite para os confins dos olhos. Sentir a porosidade da chuva. Triunfar sobre o que nos faz falta. Nada nos faz falta. Caminhar pela absorvente morosidade da vida. Aceitar os paradoxos. As indelicadezas. Duvidar das certezas. Aceitar a alteridade do mundo que desaba em cansaços de promessas caducas. Poupar-se a esforços. Terminar o dia num jardim. Observar as janelas. Os rodopios do vento. As esplanadas. Os pedreiros. As montras. As canastras. As coincidências. Pensar...que os peixes não têm fronteiras. E o infinito...é um solo de Herbie Hancock.
O que é isso do amor? O que é isso do primeiro beijo e do primeiro acordar? E o sono? E a conclusão inexata da felicidade? Despertar é chegar. Decidir é partir. Erguer os olhos é ver o começo do mundo. A saudade é uma corda que nos prende ao passado. Não há conclusões...apenas incertezas. Um dia acordamos e não encontramos uma explicação para esse despertar. Um dia acordamos claustrofóbicos. Um dia somos seduzidos...noutro ancoramos num cais seco. E percebemos que o que nos une à vida é esse intervalo entre adormecer e acordar. Esse vácuo da alma. Essa sofreguidão de decidirmos para que lado vamos. Que porta abrimos. Que caos construímos com os nosso gemidos... de prazer. Insubmissos...amamos. Sempre a sentir aquele choro de alegria. Sempre a regressar ao calor de outro corpo. Sempre a acordar para o suor de mais um dia. Sempre a procurar a explicação para a impossibilidade de enfrentarmos a morte do amor...como se ela fosse o mais guardado mistério.