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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

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Poesia e outras palavras.

O rinoceronte de Dürer

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Esta gravura de Dürer é de um rinoceronte que D.Manuel I enviou ao papa  Leão X. O navio que o transportava teve que fazer escala em Marselha para que o rei de França, Francisco I, tivesse a oportunidade de ver tão estranho animal. A viagem acabou por correr mal e o navio afundou-se ao largo da costa italiana. Quando o animal deu à costa, D.Manuel mandou embalsamá-lo e enviou-o na mesma para Roma. Estávamos em 1515 e Portugal deslumbrava a Europa com o seu poderio naval e económico. Hoje nada nos resta,  a não ser a história, Mafra e Jerónimos. Ou como disse Eduardo Lourenço: "É pena que Freud não nos tenha conhecido: teria descoberto, ao menos, no campo da pura vontade de aparecer, um povo em que se exemplifica o sublime triunfo do prazer sobre o princípio da realidade".***

É de notar que Dürer nunca viu um rinoceronte e que esta gravura foi realizada através do relato de alguém que viu o animal.

***Citação extraída do livro Os Portugueses de Barry Hatton

 

É possível o repovoar o interior?

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(desta foto falarei no final do texto)

Há paraísos abandonados em Portugal, contudo, vivemos amontoados em cidades, sofrendo uma orgia de tédio e stress.

 

Sempre que um político visita o interior, lamenta o estado de abandono em que este se encontra, mas, que iniciativas teve até hoje o poder político para melhorar este estado de coisas? Nenhuma!

 

Lamentar é fácil! Ter ideias, iniciativas, concretizar planos, já é um pouco mais difícil.

 

Vem este texto a propósito da existência de tantas aldeias abandonadas no nosso interior, autênticos paraísos que estão perdidos, mas que esperam o milagre da presença humana.

 

É possível voltar a dar vida a estas aldeias? Acredito que sim. Temos a experiência e o saber para o fazer. Falta-nos a iniciativa e a formação pessoal e profissional para realizar esta tarefa.

 

Ninguém duvide, o futuro está nas novas tecnologias e na utilização da terra. Feliz este paradoxo, o ponto mais alto do desenvolvimento coincide com a forma mais básica da sobrevivência.

 

Mas o que é que eu proponho? Pois bem, nenhuma aldeia pode ser repovoada sem recorrer ao comunitarismo. E para isso é preciso que quem queira ir para lá viver, esqueça o individualismo atávico das cidades.

 

Sabemos como se vivia em comunidade, sabemos o que era a entreajuda e o sentido de solidariedade. Pois bem, é baseado nesses pressupostos que acho ser possível recuperar e voltar a dar vida a essas aldeias.

 

Não precisamos de um novo D. Dinis, precisamos de pessoas esclarecidas e de boa vontade.

 

Parece impossível que um povo que colonizou o Vale do Limpopo em Moçambique não consiga fazer o mesmo no seu próprio território.

 

Para atrair colonos ao Limpopo, o governo atribuiu casas, terras, sementes, alfaias agrícolas, construiu escolas, fixaram-se lá médicos, veterinários, engenheiros agrónomos e foi com estes pressupostos que as pessoas para lá  se deslocaram.

 

Cá podemos fazer o mesmo, e como o país está mais rico, pode ser atribuída a cada família um subsídio mensal de,por exemplo, dois ordenados mínimos por casal, de forma a que possam sobreviver nos primeiros anos.

 

É claro que quem quiser viver este tipo de vida, tem que se livrar dos preconceitos e não pode pensar que vai enriquecer, mas, quem é que enriquece a trabalhar na cidade?

 

Há ainda várias possibilidades de sobrevivência e de produção de bens, vegetais e animais, e também através da exploração do turismo de aldeia. Tudo o que vem da terra, hoje em dia, pode ser uma fonte de rendimento.

 

 

Assim podem ser constituídos rebanhos de cabras e ovelhas. Podem ser feitos e vendidos os queijos, pode ser aproveitado e vendido o leite. Podem ser semeados os campos. Pode ser aproveitada a floresta. Podem ser criadas casas de turismo rural. E tudo isto de forma comunitária, onde todos os rendimentos serão distribuídos por todos. Enfim há imensas possibilidades de sobreviver numa aldeia onde a forma de viver não seja a de cada um por si, mas sim a da responsabilidade partilhada.

 

Há ainda um ponto de que não falei, e as casas para viver? Pois bem, o governo deve criar um projecto piloto de uma aldeia, comprar as casas, recuperá-las e depois atribuí-las às famílias que queiram integrar o projecto.

 

O futuro das aldeias abandonadas passa pela sua recuperação e por um misto de antigas regras comunitárias e novas tecnologias, funcionando a aldeia como se fosse uma empresa. Com regras e com distribuição de tarefas. Com conselhos de aldeia e com responsabilidades partilhadas. E também, é claro, com a liberdade de cada um se poder exprimir da forma que quiser. Seja através das artes, do artesanato, da representação, da música ou da escrita.

 

Podem estas aldeias transformar-se em viveiros de criatividade? Acredito que sim!

Podem estas aldeias criarem a sua própria fonte de cultura. diversão e entretenimento? Sim, isso é fundamental para a união das pessoas. Veja-se as tribos a que chamamos primitivas, que têm os seus rituais e divertimentos. Não podemos nós, cidadãos esclarecidos, imitá-los? Sim...podemos.

 

Utopia? Não!

Isto já existe, a foto que inicia o texto é da aldeia de Cabrum, a 20 km de Viseu, onde vários jovens deitaram mãos à obra. Recuperaram casas, ( não têm qualquer apoio como os que referi) e vivem em comunidade. Claro que para isso acontecer é preciso possuir uma filosofia de vida que não está ao alcance de todos. Mas quem conseguir transformar a sua concepção de viver em sociedade e optar por viver no campo, com certeza não se arrependerá.

 

 

Asfixia

Asfixiamos. Procuramos vencer o bolor dos dias. As crateras da noite são como nevoeiros concêntricos apropriando-se dos nossos impossíveis sonhos. São veias ilimitadas caindo de bruços sobre a nossa pele desfolhada. Na rua...clarins de seda acompanham os nossos suicídios. O dia é um embrião de luzes. Uma atmosfera de solidão e carne. Uma putrefacção de pupilas e fel. Uma porta aberta ao deserto burocrático dos sentimentos. Podemos ser atingidos por oníricos estilhaços de fantasia. Por cegos desertos. Por horizontes inacabados. Mas também podemos ser a flecha que estica o arco. O lastro da evasão. O renascimento desalinhado das plantas. Assim mergulhando no eclipse líquido da nossa alma...renasceremos. Sóbrios e completos. Como se nos víssemos a um espelho...onde nossa imagem se emancipou...de nós.

Um pouco de etnografia...

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Os malhos estão preparados junto à eira,(vejam o pormenor da inscrição na pedra).

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O centeio, doravante chamado de "pão" porque era e é assim que os naturais desta aldeia lhe chamam, uma vez que todo o pão que antigamente comiam era de feito de centeio.

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Começou o malhar do pão. Ao centro o homem mais velho da aldeia, (90 anos), ainda orienta os trabalhos. reparem no pormenor do lenço vermelho que alguns trazem ao pescoço, esse lenço obtém-se pela destreza no uso do malho. É assim algo como uma medalha.

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Depois do pão do malhar do pão, fazem-se os nagalhos, (palha atada em forma de corda que depois servia para atar os molhos da palha e de colmo), antigamente não se usavam cordas, tudo era aproveitado.

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Aqui vemos um molho de palha a ser atado com um nagalho. Esta palha tinha duas utilidades, uma era de alimentar as cabras, (esta aldeia chegou a ter mais de duas mil cabras) no inverno, a outra era a sua utilização para encher os colchões. Os aldeãos todos os anos tinham um colchão novo, de palha...claro.

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À palha que não estava quebrada pelos malhos, passava a chamar-se colmo, (é a palha que está nos braços do Sr. J.B. (o mais velho da aldeia), em primeiro plano do lado esquerdo. O colmo servia para cobrir os telhados dos currais onde se resguardavam as cabras. E não chovia lá dentro.

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Depois de apanhada a palha e separado o colmo fica o grão.

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Agora há que varrer a eira para juntar o grão.

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Esta é a pá que vai separar o grãos dos resquícios de palha que ainda existem.Perto dela as vassouras feita com ramos de giestas.

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Para que isso aconteça, atira-se o grão ao ar e o vento faz a sua parte. Os grãos como são mais pesados caem na eira. A palha é levada pelo vento. E assim se separa o pão da palha.

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Ao  terminar o malhar do pão, coloca-se um molho de centeio sobre uma pedra que indica que ainda  ali se respeita a tradição. E ali fica até ao próximo ano.

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Ao lado da pedra da eira há um hotel pata insectos.

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Mas o percurso do pão continua. O passo seguinte era a moagem do pão. que se fazia nesta azenha.Infelizmente estava fechada e a pessoa que possuía a chave não estava. Mesmo assim podemos ver a calha por onde corre a água que faz mover as mós de pedra que tranformam o grão em farinha.

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Ao lado da azenha temos o forno comunitário,(que já não é o original mas que é igual, apenas foi deslocado), mas que serve perfeitamente para ajudar a completar este ciclo do pão.

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Entrada para o forno.

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O forno,( foto sem qualidade,( é daquelas burrices que há vezes fazemos,quer dizer, fotografamos e não verificamos a qualidade), enfim, não podia esconder-me por detrás de uma má foto e não a publicar.

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O belo pão de centeio.

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Por fim, o meu agradecimento a toda esta irmandade que me deixou sentar na sua mesa e comer das suas iguarias,(não estão aqui todos). Perguntei a um dos organizadores, (todos os anos isto é feito em honra da sua história e dos seus antepassados), porque é que não publicitavam isto, certamente que muita gente apreciaria desfrutar deste recordar a história. Respondeu-me que não querem ali turistas para tirar fotos e publicar nas redes sociais. Querem pessoas que sintam a aldeia e que estejam em comunhão com a sua história. Para minha glória, em boa hora passei por ali, a calcorrear as serras e os caminhos ancestrais daquele vale, e já lá vão seis anos que estagio ali a minha alma durante uma semana.

É que esta aldeia é feita de gente granítica...que recebe com o coração.

 

Vasos de guerra.

Olho este mosaico feito de iluminuras balofas. As contradições humanas são apenas fracassos da alma. Percebo-as...ou...tento percebê-las. Dou maus exemplos. Espio os meus pecados. Sou o clássico paradigma do desajustado. Pego na minha arma e disparo contra o cosmos. A minha ingenuidade é um incómodo. A minha natureza uma profunda destituição de lucidez. Respeito a lei das sombras. Respeito a filosofia de Sócrates. E...furtivamente lá vou servindo de pasto ao mundo.

 

Toco a profundidade dos fracassos. Deformo o tempo e leio Stefan Zweig. Gosto de me sumir num despropositado sentimento de independência. Gosto de filosofias devastadoras e de mundos desordenados. Acredito em sereias e abomino as seitas. Por muito que admire os santos perco mais tempo com diabos....antropomórficos. E a vaidade. E a felicidade. E as demoradas conversas domésticas. E toda essa gente para quem a imaginação é um infindável poço...negro. Tenebroso. Uma deformação de espelho. Um Kafkiano embaraço. Essa gente que vive entrançada em si. Alheia. Que come em tachinhos de escárnio....e bebe em vasos de guerra.

Línguas de fogo

Há dias em que as palavras são línguas de fogo. Há dias em que as palavras são artefactos mudos. E há ainda outros dias em que as palavras são novelos. São náufragos. São cadáveres embuçados com cicatrizes na face. As palavras têm uma crueldade própria. Uma solidão vazia. Um ácido corrosivo. Um cheiro a vinho. Um refinamento potássico. Umas vezes são impulsos da alma. São véus e são pequenos pulgões de tédio. As palavras acendem-se. Deitam fumo como as chaminés. Queixam-se. São gueixas calçando okobos apertados. São tímidas. Alegres. Floridas. São estrepitosas agulhas. Sentem. Sofrem. São sebes e são almas. Personagens de Dante. E vivem...na exaustão das pessoas.

Flores coloridas

Cogumelo esotérico. Fonte de todos os mundos. Nebulosa evasão. Calcado o chão. Partida fonte dos dias esqueléticos...abraço a abstracção dos instantes. E deponho a minha solidão em concêntricas asfixias.

 

Tudo cabe em tudo. Em toda a carne vive no embrião dos séculos. Em toda a partida cabe a vontade dos desertos. E eu...cego de maresias...desço os meus degraus e...compreendo o suicídio das marés.

 

Sou concreto. Vário. Espero a palavra que ondula na noite. Espero o destino que vive nas cúpulas da sorte. Espero as agruras da erva e a sofreguidão dos corpos. E espero nunca conhecer os limites do deserto. Mas é sempre o mesmo nevoeiro. A mesma impossibilidade. A mesma onírica veia. A mesma porta entreaberta. A solicitar mais desalinho. Mais órbitas. Mais bússolas. Mais estilhaços e mais evasões. E a prometer-me mais flores coloridas...

 

 

Nuvem de ferro

Campos e montes. Desejos descalços. E a memória a trepar às árvores mais altas. Enquanto os olhos descaídos descansam numa anemia mansa.

 

Sonho. Enfrento o suicídio das estrelas. Esculpo os meus passos com a cera do mundo. Sinto a humilhação dos sem-pátria. E queria saber o que acontece a quem desconhece o contentamento da dor. Ou...àquele que usa a arma do silêncio... para carregar consigo os sentimentos mais apáticos. Não quero saber de caras nem de tumultos de alma. Nas alamedas dorme-se em qualquer lado. E quando desce sobre mim o inexorável espanto de uma rua silenciosa...fecho-me na minha nuvem de ferro...e descanso sobre a minha inconsciência.

 

Atravessar o mar ou um campo de flores é a mesma coisa. Sentir a coacção de janeiro sobre o corpo... é sentir! E as pedras erguem-se. Os homens erguem-se. Os animais...esses apenas suportam os homens.

É mesmo por aqui que vou!

É mesmo por aqui que vou!

Por esta atávica rua onde perpassam espasmos de bolor

E corpos de suor...

É mesmo por aqui que vou!

Por dentro do esquecimento onde os nevoeiros se fixam

Em versos de poetas...

É mesmo por aqui que vou!

Por dentro da imortalidade dos plátanos

Pelo desmoronar das queixas

Pela desordem dos ventos

É mesmo por aqui que vou!

Pelo supremo delírio da escuridão

Pelo apodrecer dos raciocínios

Pela suprema asfixia dos séculos

E por tudo aquilo que apodrece no meu destino.