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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Dissipação

Desordenado céu que entras por mim adentro. És ainda esse mesmo céu estendido sobre os olhos do mundo? Ou és a histórica noite dos tempos que sempre nos engana? Debaixo de ti levo os meus passos. Salto muros e enfrento a chuva do tempo. O meu rosto esconde ínfimos mistérios. Para lá de mim... a noite. Para cá de mim a perseguição da chuva. A dissipação da eternidade. A colorir ventos e mares. A entrar na orla da minha superfície cristalina... como quem entra num pátio de mistério e sombras. Sinto a Vida tão cheia e desentendida...sou como uma borboleta a dançar numa redoma. E sinto que sou eu... a minha própria sombra.

 

Não me agarro a um destino. Não me agarro a um perfume. Alago-me em subtis gradações de tempo. Escorro por mim com um suor arrepiado. E penso na hora marcada. No instante perfeito. No espaço que vai de mim às águas onde nascem minúsculas estrelas. E macias ironias despontam...no excessivo desamparo de um amanhecer.

Quem és hoje?

Quando o futuro se esconde no vento...logo o presente toma o seu lugar. E somos grandes. E somos ermos. E deixamos pegadas na alma dos pássaros. É grave o riso e larga a margem. Pesados lugares aguardam por nós. Folhas caducas enchem as praças. Com pés de veludo calcamos o silêncio dos deuses. No cais do tempo embarcamos. Nenhuma palavra risca a saudade. Apenas fitamos a única saída. Porque na curva do outono....qualquer sudário nos serve.

 

Quem és hoje? Que profundo peso te atrapalha? Não te esqueças de desenterrar esse canto de ave. De abraçares a complexa tarde. De seres música tocada num impiedoso violoncelo. Feito com o primeiro voo das andorinhas.

 

Que te importam os caminhos e as poeirentas esperanças? Liberta essa suposta pomba branca. A tua mesa está posta. A tua estrela está pendurada na árvore do quintal. Entra com todo o teu peso na aceitação dos dias. Na orla do teu céu as nuvens são véus. E a tua sombra estende-se para lá de todos os teus medos. Só tens que te encher de tempo e... desaparecer na névoa do teu sonho.

Dias vagos

Era um dia vago. Um dia morno. Um dia em que qualquer surto de saudade poderia despontar. Um dia em que as horas morriam e as cigarras enlouqueciam. Dia de dissipação e de indispensável desalinho da alma. Quem conhece o pensamento de um dia...sabe que na ponta da vida se encavalitam tenras aves. Ideias de asfalto. Ameaças de filosofias. E principalmente o vaivém dos ramos da alma agitados por ventos astralinos. E quando os dias são pequenos orgulhos. Quando os dias são pequenas coisas que não dizemos. Quando os dias são pássaros plantados em nuvens ogivais. É quando erguemos a cabeça em direcção a qualquer promessa. Em direcção à coragem. Em direcção ao ponto em que tudo começou. E falamos do nosso lado de dentro. E falamos dos tempos em que tínhamos tempo. Do tempo das ondas do mar e das pegadas na areia. Do tempo em que atravessávamos túneis e dormíamos na orla dos ribeiros. E ríamos com a explosão da tarde. E éramos apenas fotografias de pedras descalças...em preparação para a Vida.

 

Dobrada a alma. Merecida a vida. Cada solidão é um outubro vazio. A madrugada permanece dentro dos sonhos. E cada um de nós é uma saudação e uma ameaça. E cada um de nós é uma alunagem na loucura. E cada um de nós é um verso inacabado. Ou um riso de vento. Ou um rebentamento de maré. Quando as palavras florescem...tudo ganha um cheiro a sonho.

Meia-noite

À meia-noite sobem as sombras insensíveis...

Dizem roda...tecto...falam de lugares

E tu sabes que tudo o que sobe desce...

Procuras na alma? O que Sobe... E o que Desce?

Ou será que ela precisa de falar?

Há também uma constelação que fica entre a sombra e a ondulação

Um mar ...

De palavras sem lugar...

Estrelas finas... cintilam vagarosas no cristal da verdade

E tu...que dizes?

Sabes que a noite nada no dia...afoga-se na vida...

Mas tu... com mãos errantes  tocas a cegueira das sombras...

E abarcas as leis do mar!

 

Liberdade

Que venha esse deus de olhos vagos e cores transparentes. Que venha esse denso silêncio. E esse breve instante de bondade. Que venha esse céu de batalhas e delírios. E essa vaga vontade de ser claridade. Que me embalem as flores e os animais. Que não me detenha a breve lei da humanidade. E...das minhas veias transbordem acenos de saudade.

 

Crepuscular rochedo da angústia. Espaço. Lago. Monte. Extinção do nocturno bailado dos insectos. Harmonia de valsa taciturna. Em que o vento açoita e dissolve...a furna. Enorme é a morte suspensa na agonia. Fugaz é tudo o que dá esperança. Mas um gesto de calma...silencia. A amarga saliva na garganta. E tudo em redor é um eco profundo. E tudo em redor é terra e vida. A morte ficou para trás. Lá bem para o fundo. Resta a profundidade das marés. E as asas da alegria...refletindo-se nos meus olhos e no azul do mundo.

E a tudo isto. A toda esta verdade. Outro nome não lhe dou...chamo-lhe apenas... Liberdade!

***resposta ao repto da MJP

Suores frios...

Não estranhes se os outros te estranharem. Os outros são apenas convexas lupas. Metálicas intransigências. Guarda-te numa bolsa de veludo. Leva o teu pergaminho ao mar vivo. Forja um decreto. Decreta que queres apoderar-te dos dias. Que não vês qualquer maldição num gato negro. Que há um ténue rasto de futuro em cada estrada. E mesmo que as geografias sangrem com a tua ausência...há sempre a acolhedora sombra de uma árvore. Ou de um cadafalso.

 

Alarga a tua sombra. Senta-se de costas para o espelho. Bebe...por sôfregas tigelas o teu vinho raro. E se um sonho se disfarçar de flor azul...rega-o. Toma consciência das tuas profundezas. Trá-las à superfície e abre-te como uma porta que dá para um lago de sangue. O teu sangue. Coalhado em mil peripécias. Em mil afrontas. Gelado. Enfrenta as tuas obsessões mais estranhas. As tuas culpas e as tuas alegrias. Entra em transe e disfarça-te de tempo. Veste os teus melhores suores frios. Depois...lentamente...cobre o teu reflexo com pequenas pétalas de prateadas flores.

Este é para o Robinson...

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Deste livro o Robinson já disse "tudo". Mas ainda vou dar uma achega:

" Mas quem somos "nós próprios"? Quem é esse "eu" de que se tem falado? Que o define? O estrutura? Como aceder a ele e que significa esse aceder? Porque o "eu"tem uma história que não se esgotou ainda, como aceder a ele releva talvez de um mistério".

Vergílio Ferreira in O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO

Os confins dos dias

Precisamos de tempo para perceber o mundo. Precisamos de tempo para contar histórias. Precisamos de tempo para compreender o tamanho da nossa natureza. E...também para entender a antropologia da nossa alma. Nascemos para um mundo incandescente. Teorizamos sobre a Vida. Gravitamos em universos paralelos a nós. E se a nossa boca não secar...até somos capazes de expressar o nosso descontentamento.

 

As leis do universo penduram-se nas estrelas. A nossa vergonha é a incompreensão do céu. As pessoas morrem. As flores crescem nos jardins. E as almas saltitam de fé em fé...como se fossem borboletas atraídas por coloridas gravidades. Buscamos a casa antiga. A alma antiga. A atenciosa sinfonia ou o frenético chilrear das carriças. Buscamos tudo o que não temos. E todos os dias a nossa lápide é uma qualquer música dos Doors.

 

Respirar fundo. Enfiar o braço na alegria. Pegar na espada e cortar a vida...a direito. Reagir. Reinventar a anorética estratégia da sobrevivência. Perceber melhor a música dos pássaros. E inventar uma caligrafia...viva. Sensorial. Uma caligrafia de escola primária. De vida primária. Onde se encontre...para sempre... a constituição dos confins e da finalidade dos dias.

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