Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

O homem medíocre...

Nos momentos decisivos da história ocorre com frequência o fenómeno de um esplêndido, luxuriante, selvático crescimento ascensional e de um desabrochar lado a lado, amiúde entrelaçado e enroscado – uma espécie de aceleração tropical e crescimento à compita, monstruosamente perdulário e autodestrutivo, causado pelos diversos egoísmos – todos girando em torno um do outro e como se explodissem, todos se combatendo mutuamente “pelo sol e pelo ar”, e já incapazes de derivar qualquer limite, qualquer restrição, qualquer indulgência da moral aceite. Foi essa própria moral que armazenou tão enorme energia, e dobrou o arco de maneira ameaçadora: - agora está gasta, agora está-se tornando “superada” . As coisas atingiram o ponto perigoso e estranho em que a vida maior, mais complexa, mais abrangente, vive além da velha moral; o indivíduo é forçado a fazer as próprias leis, as próprias artes e estratagemas de autopreservação, auto-realce, auto-redenção. Nada senão novos por quês e com quês; não mais fórmulas comuns, a incompreensão aliada ao desprezo; decadência, corrupção, e os desejos mais elevados horrivelmente enleados; o bom génio da raça transbordando de cada cornucópia do bom e do mau; uma coincidência mal pressagiada da primavera e do outono, cheia de novos encantos e véus característicos da corrupção juvenil ainda inexaurida e incansável. Aqui mais uma vez há perigo, a mãe da moral – grande perigo, só que desta vez reside no indivíduo, no vizinho e no amigo, na rua, no próprio filho, no próprio coração, no recesso mais pessoal e mais íntimo de cada desejo e cada vontade: que é o que podem pregar os moralistas deste novo século? Eles descobrem, esses agudos observadores e ociosos das esquinas, que o fim está próximo, que tudo á volta deles é corrupto e corruptor, que nada pode durar além do dia de depois de amanhã, excepto uma espécie de homem, o homem incuravelmente medíocre. Só aos medíocres é dada a oportunidade de continuar e propagar-se – são os homens do futuro, os únicos sobreviventes, “sê como eles! Torna-te medíocre!” é, portanto a única moral que ainda tem algum sentido ou encontra ouvidos para ouvi-la. Mas como é difícil pregar a moral da mediocridade, que nunca pode admitir o que é nem o que deseja ! Fala em moderação,dignidade, dever a amor fraterno – mas só ela sabe o trabalho que lhe dá esconder a sua ironia”. ***

***há textos que para além de intemporais são previsões, é fabuloso como Nietzsche, que morreu em 1900 , descreve neste belo texto o homem do século XXI.

É este homem medíocre que permite que homens medíocres como Trump,Bolsonaro e outros, governem os seus países

Impermanência...

Movêmo-nos em tórridos mundos. Herdámos as nuvens negras e os raios de sol. Mágicos reinos esperam por nós. Andamos às cavalitas da justaposição das sombras. Em cada olhar procuramos um refúgio. Empolgados...bebemos os clássicos mitos. Estendemos os braços. E vemos...certezas de prata a avançar na proa dos barcos. A nossa obra é pintar os dias. A nossa verdade é encontrar a perfeita projecção da nossa alma. Chegar ao lugar seguro. E surpreender-se com as fabulosas cores da paz.

 

Voltar atrás é impossível. Estrangulada a voz. Experimentada a solidão. É tempo de soltar o desvairado riso. É tempo de apagar as cores frias. Fechar os olhos e pisar os gelos. Ou...simplesmente colher a geográfica gargalhada. Que se esconde na comoção de uma pele de veludo.

 

Põe de parte tudo o que te atrapalha. Coloca a tua cereja no topo do mundo. Enfrenta os ventos e as incandescentes trovoadas. Deixam que te encontrem. Deixa que te encontres. Ceifado o trigo...fica o restolho. Fica o bafo a sol e a bebida. Fica a sensação de por um momento...sermos a própria libertação. De nós e dos outros. De sermos o próprio sumo da nossa vida. E da nossa impermanência...

Mundos

Tudo tem o seu lugar no mundo. Os fios incandescentes dos dias tecem cegueiras. Tecem pressas. Tecem fardos difíceis de carregar. Mas por entre essa luz intensa cresce um magnífico desdém pela microscópica fantasia da vida. Tudo é imponente. Todas as alternativas são viáveis. Tudo se acomoda à escala da alma. Há coisas que vemos claramente. Outras que transportamos em infindáveis viagens...neuróticas. Temos a vontade do disparate e a enfermidade do segredo. Plantamos jardins em circunspectos vasos de lixo. E o mundo é um espelho que nos foge.

 

Encenamos acenos de filigrana. Argumentamos com a intensidade de um abraço...apertado. Somos frágeis pedras preciosas a divertir-se com a sensatez dos loucos. E ...por vezes não nos damos ao trabalho de aguardar pela humidade de um beijo. Vemos expressões de pânico em canteiros de amores-perfeitos. Devíamos resgatar os momentos em que calcinámos os sentimentos de alguém. Cobrir a nossa lucidez com a gravilha de um silêncio brusco. E...se  enlouquecermos como Nietzsche...é porque a tragédia da Vida é a finalidade do nascimento.

 

Pega numa tela e traça uma esguia linha de água. Depois...ignora todas as luzes. Grita com as mãos em concha. Explora as cavernosas águas. Agita as enseadas. Procura a combinação certa nas cores  de um céu nublado. Até que o próprio mundo se estabeleça...dentro de ti.

Luz apagada

Aproveita todos os momentos felizes. Escuta os Madredeus. Voa...como uma águia traçando círculos sobre o deserto. Explora a ilha que te envolve. Abandona esse ancoradouro que te prende. Faz-te ao mar. Esquece as águas escuras. Não te preocupes...até os veleiros aproveitam os ventos. Lembra-te de que és quase tão antigo como as montanhas. Que vives na alucinação das coisas simples. E que a vida é uma história contada por um deus despreocupado. Nos momentos difíceis voa pela estranheza dos tempos. Faz do desassossego uma escala. Não tentes escapar ao balanço dos dias. Apodera-te do horizonte... e vai...

 

 

Procura na profunda sabedoria das coisas que não sabes...o teu outono. A tua folha doirado-ocre. O teu bolbo florescente. Todos os consentimentos vivem em ti. Todas as músicas arrastam consigo a vida. Abre o peito...está um prado ansioso à tua espera. E na primavera as flores da amendoeira espreitam pelas frestas do sol. Ensaia uma dança. Dorme na floresta. O tempo estala em cada pensamento. E a semente das coisas aparece em cada manhã. Os faróis são cosmos de esperança. E a dor que se esconde no peito... é uma luz apagada....

Céus estrelados.

Eis que chega o momento em que quebramos. Mudamos. Afastamos o véu e percebemos o que está por detrás das coisas. Percebemos que o destino é um caco. Uma artéria terrivelmente baça. Um cabide onde depositamos a nossa alma petrificada. Sentimos a necessidade de abrir uma vala que nos separe das lágrimas. Resistir é uma estratégia. Andar descompassado... também pode ser. Depois de libertarmos de nós antigos sentimentos. De sorrirmos como quem acaba de chegar ao topo da vida. É esse o momento... em que levitamos. Mudámos. As esperanças renascem.

 

De alguma forma morremos todos os dias. De outra forma renascemos. Assoberbados de ilusões nunca queremos queremos ser os mesmos. Temos receios e seguimos em frente. Demoramos demasiado tempo a pedir perdão...a nós próprios. E também aos outros. Lamentamos a profundidade do mundo. Engolimos o espesso espasmo do tédio. Tomamos o pulso a um futuro baço. E...por momentos...deitamo-nos de costas e fechamos os olhos. Inventamos desejos. E embarcamos em impossíveis céus estrelados.

 

Os contornos das sombras

Pega no teu medo e leva-o contigo aonde quer que vás. Cola-te ao mundo. Dá um passo em falso. Percebe a tua solidão...porque a vida é um absurdo beliscão na face. Espreita pela brecha da tua parede. Tu és quem vem do fim das águas. És quem enverga a amálgama do tempo. Sobreviveste às lágrimas da noite e ao cheiro da crueldade. Tens em ti todos os tempos dos verbos. Todas as melancolias. Todas as preguiças. E se os olhos se humedeceram e voltares a casa de mãos vazias...continua a andar... e espera...que uns olhos nasçam na superfície da lua.

 

Não te guardes para o que não consegues dizer. Acena. Avança pela largueza do mundo. Cores colossais esvoaçam num riso de prazer. Contam uma história. Depositam-se em cerros de esperança. E sabes que és como as estradas. Tens a idade do pó. E a indefinição dos gatos. Sabes que o riso dos pássaros é a despedida da noite. E que uma sopa quente aconchega a alma...quando os contornos das sombras descem pelas paredes.

Entendimentos...

Se vires coisas maiores que o teu entendimento...a culpa não é tua. Nasceste com um universo dentro do peito. Os anos passam... e ele vai ficando cada vez mais vazio. Mas descobres outras coisas. Aprendes que tocar no mar é tocar na terra inteira. Aprendes que as recordações são transparências de luzes desfocadas. E que as excentricidades da vida são cinzas que se vão apagando...lentamente...da alma. Aprendes que há um fora e dentro em cada janela. Que muitas vezes não tens razão. E que é normal acordar com os olhos pisados pela noite. Talvez venhas a perceber que há uma refracção de luz em cada gesto teu. E que os teus olhos vêem oásis em cada flor. Podes até ter medo de penetrar no mundo. Mas não deves ter medo de discordar. Nem de confessar...que gostas...da tua pele arrepiada. Porque se um buraco negro te tirar a luz...logo uma andorinha te vem poisar na mão. E basta uma nesga de rio azul...para te arrepiar o emaranhado dos olhos. E basta um galope e uma flauta. E basta a pressa que escava densas rugas. E bastam as confidências de uma noite...e o chá de uma tarde. Para que abramos a nossa porta...devagarinho. E nela entrem todos os sorrisos e todos os dilemas. E todas as confissões de cansaços...magoados.