Rompe-se a corda
Rompe-se a corda que nos aponta o dedo intemporal
o outono vem descascar-nos os olhos
é domingo...os pescadores retornam
da boca saem-nos papoilas que enfeitam luas
é tempo de deixar as folhas florirem...e os sorrisos arderem.
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Rompe-se a corda que nos aponta o dedo intemporal
o outono vem descascar-nos os olhos
é domingo...os pescadores retornam
da boca saem-nos papoilas que enfeitam luas
é tempo de deixar as folhas florirem...e os sorrisos arderem.
Não! O freio no coração...não! Nada há a refrear. Vejo em ti o meu destino. O meu espaço. A minha fadiga. Eis tu ali....poderosa. Senhora do impossível. Transitória de alegria. Sem distância nem significado. Apenas tu. O sol. O perfume. Uma inundação implausível do espírito. Um passado e uma saudade. Uma ilusão refulgente. Um significado. Uma vertiginosa irrealidade. Apenas tu...ali! E eu a fervilhar. E eu a cair numa profusão de chamas. A arder. Intenso trago de sol. Intenso abarcar de mundos. Apenas tu ali! Transformada em plenitude e fantasia. Verdadeira. Excessiva. E eu...arrebatado. Invadido. Rompendo o ciclo linear de mim. Como quem espera o tempo da abundância. Como quem cai num solo arado. E tu ali....como um vento a repassar a minha alma. A liquefazer-me. A destruir os meus limites. Aceno-te. Anuncio-me. Sinto a ferocidade do ar. Sinto a sulfúrica existência do cosmos. Sinto em mim a força de quem não tem força. E sinto a glória de uma boca colada. Calada. E tu ali....lisa. Irradiante. O corpo uma música. O sol uma memória. E nasce em mim a orgânica fúria da terra. A fantasiosa violência do espaço. A agitar a perfeição da tua presença. E tu ali...titânica. Voraz. A espraiares-te pelo meu abandono. E eu duro. Fibroso. Sinto a incandescência da tua pele. Sólido aconchego. Plácida geometria da verdade. A verdade. A verdade. Aquela que ondula em cada fio de ti. Em cada fímbria da tua acidez. Em cada pousio dos teus olhos. E eu...devagar procuro a tua possessão. A tua agudeza. A tua caverna. E o tempo pára. Macio. Constrito. Um fino arrepio vaza o meu corpo. Agarro-o na minha impotência de eternidade. A minha auréola escorre lentamente. Linear. Pura. Geométrica. Já não sou eu. E… numa subtil vertigem de tempo...atinjo a plenitude de um grito. Alumiado por uma côncava noite.
I
É sempre igual o meu assombro perante a crueza do dia...
A noite cai... e com ela a sensação de mais uma consumição
Porque insisto em ser a alma caótica que pronuncia o meu nome
Porque insisto em ser o sossego que devora a variação da luz
Mas também... porque quero ser a neve... a leve leveza que desaparece numa greta do mundo.
II
As águas arrepiam a salinidade da primavera... são o reinado das pedras a escorrer pelas encostas
Todos os instantes são de mudança... nada é igual a cada instante que passa
A começar pela nossa idade... essa cor do pasmo que esvoaça na linha explosiva do horizonte.
III
Sinto o meu pulsar como se fosse uma forma de dizer que tudo se pode colher
Como se fosse a multiplicação do verão em dissimuladas flores
Como um impossível caos... um caminhar pela aragem... um nada sobre outro nada
Como um relâmpago a iluminar o cume de mim...
A ser o meu degrau intransponível para a sede rotineira dos sonhos.
De que me serve o luar explanado na velha faia... o luar... essa negação da luz
Esse sábio poema que adoça a frágil visão da arquitectura universal
Que conquista o escuro líquido do dia... que ondula na metafísica da alma
Como um súbito chamar da noite... caiada pelo sono da aurora...
Se ninguém te entende...não desistas...estás no caminho certo! Que de certeza não é o mesmo que o dos outros.
As palavras devoram o silêncio...escrever é não ficar calado.
Mas a beleza das palavras existe... não quando apagam a realidade.... mas quando se transformam em poesia.
Procuro a lucidez do mundo. Procuro a sua incoerência. O seu materialismo. Essa praga que ameaça e vence os dias. Minúscula é a sabedoria. Imperfeitos são os troféus que ganhamos. Somos arautos da nossa vontade. Vivemos em cidades onde as pessoas são desertos. Desconhecemos a inocência de um céu estrelado. Desconhecemos os pequenos trechos de pequenas ruelas onde os nossos passos conhecem as pedras. Ensaiamos a nossa derrota. Mais um passo. Mais um passo e estamos mesmo junto ao sucesso. Caímos no sucesso. Somos o oposto do sucesso. Pertencemos à nossa estupidez. Somos a pauta musical do silêncio. Brilhando na metálica exibição dos nossos dotes.
Procuro a lucidez do mundo. Nos jardins. Esses etéreos espaços de flores e de sol. Nas grandes pedras tumulares a atestar a nosso aérea passagem. Nas grandes alamedas onde os pássaros escarnecem de quem vive sem os ouvir. Na humilhação dos bancos vazios de dia e ocupados de noite. No vazio etílico. Nas enérgicas clareiras onde os olhares se cansam...e não se cruzam. Nos lívidos sorrisos. Na violenta humilhação de um pobre. Na estratégica e translúcida vontade de ser ser alguma coisa. E sinto...que há um espaço rarefeito...entre a minha procura de lucidez do mundo...e a nossa pouca lucidez de homens.
Há um desassossego que nos sufoca os dias...sabêmo-lo bem...e no entanto somos incapazes de respirar a paz do tempo eterno, porque sentimos que há tanto para fazer no tempo que nos resta.
Tudo cabe dentro do mistério..até a ilusão de que tudo tem um significado..
Procuramos justificações para preencher o oco de nós. Felizes devem ser os animais porque não têm uma visão de si. Mas os homens não. Os homens procuram a inexorável virtude. Querem descobrir quem são. Todo o homem é uma invenção. Uma consequência. Vive de fugazes momentos de ternura. Espera sempre a sua própria unificação. O homem procura ser uno. Inventa céus. Cria a sua fadiga. Espera o coalho da eternidade. E se o homem se reinventasse? Se descansasse dessa angústia das coisas novas? Se abandonasse essa aflitiva ânsia de querer saber sempre mais de si? Se fosse...simplesmente!
A aragem passa por entre as estrelícias côr-de-fogo. A tarde desce invisível. Acendem-se irrealidades. Cada minuto é um ciclo de vida. Cada ideia é uma chama bruxuleante. A consciência é uma música. Os outros são reflexos. Nós somos reflexos. E somos caminhos...intactos.
Mergulhamos em lagos de impaciência. Como pedras perdidas perante a grandeza dos caminhos. O que é que quer dizer silêncio? E morte? E lonjura? Os nossos olhos são a nossa medida. Constroem a nossa arquitectura. Sim! Os olhos são os primeiros arquitectos dos sentimentos. E nós somos as folhas que a chuva salpicou. Húmidos transeuntes arrastados pelos ventos. Aladas aragens. Breves flutuações. E só queremos...abrir os olhos e...voar. Como extensos halos de luz. Como belos reflexos de luz. Que digerimos nas nossas estéreis valas submersas.
Levar a vida a sério...é perder o tempo precioso dos sorrisos