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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Vertigem

Não! O freio no coração...não! Nada há a refrear. Vejo em ti o meu destino. O meu espaço. A minha fadiga. Eis tu ali....poderosa. Senhora do impossível. Transitória de alegria. Sem distância nem significado. Apenas tu. O sol. O perfume. Uma inundação implausível do espírito. Um passado e uma saudade. Uma ilusão refulgente. Um significado. Uma vertiginosa irrealidade. Apenas tu...ali! E eu a fervilhar. E eu a cair numa profusão de chamas. A arder. Intenso trago de sol. Intenso abarcar de mundos. Apenas tu ali! Transformada em plenitude e fantasia. Verdadeira. Excessiva. E eu...arrebatado. Invadido. Rompendo o ciclo linear de mim. Como quem espera o tempo da abundância. Como quem cai num solo arado. E tu ali....como um vento a repassar a minha alma. A liquefazer-me. A destruir os meus limites. Aceno-te. Anuncio-me. Sinto a ferocidade do ar. Sinto a sulfúrica existência do cosmos. Sinto em mim a força de quem não tem força. E sinto a glória de uma boca colada. Calada. E tu ali....lisa. Irradiante. O corpo uma música. O sol uma memória. E nasce em mim a orgânica fúria da terra. A fantasiosa violência do espaço. A agitar a perfeição da tua presença. E tu ali...titânica. Voraz. A espraiares-te pelo meu abandono. E eu duro. Fibroso. Sinto a incandescência da tua pele. Sólido aconchego. Plácida geometria da verdade. A verdade. A verdade. Aquela que ondula em cada fio de ti. Em cada fímbria da tua acidez. Em cada pousio dos teus olhos. E eu...devagar procuro a tua possessão. A tua agudeza. A tua caverna. E o tempo pára. Macio. Constrito. Um fino arrepio vaza o meu corpo. Agarro-o na minha impotência de eternidade. A minha auréola escorre lentamente. Linear. Pura. Geométrica. Já não sou eu. E… numa subtil vertigem de tempo...atinjo a plenitude de um grito. Alumiado por uma côncava noite.

A crueza do dia

 

I

É sempre igual o meu assombro perante a crueza do dia...

A noite cai... e com ela a sensação de mais uma consumição

Porque insisto em ser a alma caótica que pronuncia o meu nome

Porque insisto em ser o sossego que devora a variação da luz

Mas também... porque quero ser a neve... a leve leveza que desaparece numa greta do mundo.

II

As águas arrepiam a salinidade da primavera... são o reinado das pedras a escorrer pelas encostas

Todos os instantes são de mudança... nada é igual a cada instante que passa

A começar pela nossa idade... essa cor do pasmo que esvoaça na linha explosiva do horizonte.

III

Sinto o meu pulsar como se fosse uma forma de dizer que tudo se pode colher

Como se fosse a multiplicação do verão em dissimuladas flores

Como um impossível caos... um caminhar pela aragem... um nada sobre outro nada

Como um relâmpago a iluminar o cume de mim...

A ser o meu degrau intransponível para a sede rotineira dos sonhos.

De que me serve o luar explanado na velha faia... o luar... essa negação da luz

Esse sábio poema que adoça a frágil visão da arquitectura universal

Que conquista o escuro líquido do dia... que ondula na metafísica da alma

Como um súbito chamar da noite... caiada pelo sono da aurora...

Procuro a lucidez do mundo

Procuro a lucidez do mundo. Procuro a sua incoerência. O seu materialismo. Essa praga que ameaça e vence os dias. Minúscula é a sabedoria. Imperfeitos são os troféus que ganhamos. Somos arautos da nossa vontade. Vivemos em cidades onde as pessoas são desertos. Desconhecemos a inocência de um céu estrelado. Desconhecemos os pequenos trechos de pequenas ruelas onde os nossos passos conhecem as pedras. Ensaiamos a nossa derrota. Mais um passo. Mais um passo e estamos mesmo junto ao sucesso. Caímos no sucesso. Somos o oposto do sucesso. Pertencemos à nossa estupidez. Somos a pauta musical do silêncio. Brilhando na metálica exibição dos nossos dotes.

 

Procuro a lucidez do mundo. Nos jardins. Esses etéreos espaços de flores e de sol. Nas grandes pedras tumulares a atestar a nosso aérea passagem. Nas grandes alamedas onde os pássaros escarnecem de quem vive sem os ouvir. Na humilhação dos bancos vazios de dia e ocupados de noite. No vazio etílico. Nas enérgicas clareiras onde os olhares se cansam...e não se cruzam. Nos lívidos sorrisos. Na violenta humilhação de um pobre. Na estratégica e translúcida vontade de ser ser alguma coisa. E sinto...que há um espaço rarefeito...entre a minha procura de lucidez do mundo...e a nossa pouca lucidez de homens.

Halos de luz

Procuramos justificações para preencher o oco de nós. Felizes devem ser os animais porque não têm uma visão de si. Mas os homens não. Os homens procuram a inexorável virtude. Querem descobrir quem são. Todo o homem é uma invenção. Uma consequência. Vive de fugazes momentos de ternura. Espera sempre a sua própria unificação. O homem procura ser uno. Inventa céus. Cria a sua fadiga. Espera o coalho da eternidade. E se o homem se reinventasse? Se descansasse dessa angústia das coisas novas? Se abandonasse essa aflitiva ânsia de querer saber sempre mais de si? Se fosse...simplesmente!

 

A aragem passa por entre as estrelícias côr-de-fogo. A tarde desce invisível. Acendem-se irrealidades. Cada minuto é um ciclo de vida. Cada ideia é uma chama bruxuleante. A consciência é uma música. Os outros são reflexos. Nós somos reflexos. E somos caminhos...intactos.

 

Mergulhamos em lagos de impaciência. Como pedras perdidas perante a grandeza dos caminhos. O que é que quer dizer silêncio? E morte? E lonjura? Os nossos olhos são a nossa medida. Constroem a nossa arquitectura. Sim! Os olhos são os primeiros arquitectos dos sentimentos. E nós somos as folhas que a chuva salpicou. Húmidos transeuntes arrastados pelos ventos. Aladas aragens. Breves flutuações. E só queremos...abrir os olhos e...voar. Como extensos halos de luz. Como belos reflexos de luz. Que digerimos nas nossas estéreis valas submersas.