Há um caminho na imaginação
Há um caminho na imaginação que os homens esquecem...e que só as crianças conhecem.
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Há um caminho na imaginação que os homens esquecem...e que só as crianças conhecem.
Vamo-nos construindo a pouco e pouco como quem rebola sobre a infância. Como quem salta sobre os sobressaltos. Como quem digere o mundo. Sacudimos a poeira que cobre a nossa lucidez. E procuramos um lugar onde plantar a nossa florescência. Temos tantas ilusões. Rimos tanto. Sabemos que o nosso império não passa de uma pequena sala. De um curto corredor. Da respiração da gravidade. Do chão ergue-se um tempo estéril. Das ilusões cai um suor árido. Ocasionalmente apodrecemos sobre a nossa originalidade. Essa originalidade que é de cada um. E onde cada um não é mais que um riso ou uma telha-vã. Por onde passa o vento e o frio. O nosso cemitério são as nossas conquistas. O nosso desafio é uma ideia e uma verdade. Esgotado o tempo. Saltado o muro. Uma comédia ecoa na nossa sala de estar. Ao mesmo tempo que colocamos os óculos. Só para vermos a nossa própria vertigem. Só para ver se descobrimos a nossa origem.Mas...um raio de sol penetra na sala mostrando-nos a lonjura do nosso entusiasmo. E do nosso esgotamento...
Há um tempo que nos envolve...um mistério tímido que vive na imaterialidade de nós.
Enquanto a luz mancha a sombra infinita do partir....
No Banquete de Platão, Diotima fala a Sócrates:
» É preciso, disse ela, [...que se comece muito novo do lado da beleza dos corpos, e primeiramente, se for bem dirigido, que o seu amor se ligue a um único corpo e conceba assim belas razões; em seguida , que compreenda que a beleza de um corpo e a de qualquer outro são irmãs; e, se a busca deve ser da forma bela, que seria inteiramente louco se acreditasse que em todos os corpos a beleza não é una e a mesma: quando se tiver impregnado desta verdade, constituir-se-á o amante de todos os corpos belos e abandonará o violento ardor por um só: agora desdenhado e para ele sem valor. Começará então a considerar o valor da alma superior à dos corpos, a tal ponto que, se descobrir uma alma recta com muito pouco que seja de beleza carnal, contentar-se-á com isso.[...pensará então que a beleza dos corpos não vale grande coisa.
Pego na minha imaterialidade e sento-me na sombra. O silêncio é uma fina aresta. Uma linha pura. Nada tenho para dizer. Por isso..espero o que não espero. Espero por esse futuro que nunca vem. Esse futuro que tenho que viver...agora. O vento traça subtis ondulações na minha fantasia. Afaga a minha capacidade de sonhar. E sonho. Sonho com sons e com danças. Sonho com coisas que a minha ilusão trás à memória. Risos. Oiço ou meus risos. E oiço os meus primeiros sustos. Nada sei do que é um corpo. Se é inteiro. Ou se é dividido em partes. O meu corpo. Parte de mim...parte de um outro. Qual outro? Esse é o meu desconhecido. Deixamos uma pegada em cada memória. Em cada sítio ficamos. Mesmo depois de partirmos. Somos a irrealidade e a expectativa. Admitimos que estamos fartos de sonhar. Todos temos as nossas necessidades. E é tudo tão simples. Somos nós ou somos maiores que nós? Em que espaço queremos viver. A imaterialidade. E os dias em que queremos que tudo se desvaneça. A minha filosofia é a de um ser ridículo. A minha fadiga é uma névoa que me cobre. Não tenho estética nem sigo estéticas. Mas sou lúcido como quem brilha nas partículas de si. E sempre que o sol me atravessa...deslumbro-me. Comovo-me com pequenas coisas. Com pequenas manifestações de vida. A vida é uma comoção. A imaterialidade. Nunca fui capaz de entender porque somos materiais. Porque temos esta vontade de sermos materiais. Porque nos persegue esta vontade de sermos materiais. Se a humanidade regressasse ao início da humanidade...será que mudaríamos? Voltaríamos a ler os grandes filósofos? Lemo-los e de que nos serve? Que se lixe o Sócrates e os pré-socráticos. O Platão e o Aristóteles. E todos os outros cuja filosofia ninguém segue. Que se lixe a nossa ilusão e a nossa desilusão. Somos sempre velhos. Contornamos a nossa angústia com indizíveis expressões. Juramos. Que vamos ter a serenidade para suportarmos o que vier. Enquanto uma saraivada de desejos percorre a nossa alma.
Os dias são um fogo gelado... onde a alma suavemente se consome...
(foto tirada da net)
A tinta escorre e as palavras ganham vida. É preciso lutar. É preciso pagar para viver. É preciso fazer um esforço para sobreviver à absoluta maçada de me levantar da cama. É assim o desamparo dos dias. A intransigência dos dias. Uma esplanada. Um tipo que finge que coxeia e pede esmola. Sei que finge porque já o vi a andar como qualquer pessoa que não seja coxa. Sento-me virado para o lado do inverno. Procuro esquecer o mundo. A arenosa praia sustenta os meus pés descalços. Divago. Não vejo o mar. Estou na esplanada. Escuto o vento nas folhas das árvores. Parece mesmo o marulhar das ondas. Divago. A esplanada é uma tribuna por onde espreito quem passa. É uma extensão da minha vida. É a minha ignorância das horas. Perto de mim senta-se alguém. Não sei quem é. Não volto a cabeça. É alguém que também tem que percorrer um implacável destino. Somos tão ignorantes. Glorificamos a solidão. Sofremos com a solidão. Estagnamos. Estou na esplanada. No outro lado da rua uma imensa parede impede o meu olhar de convergir com o horizonte. Viva o futuro e o frenético reino dos animais. Viva o Homem e o apocalipse da Terra. Estou na esplanada. Pessoas secas e de subsolo pobre atarantam-se no passeio. Apertam-se no passeio. Sempre gostei muito de pessoas. Agora já só gosto de algumas. Vejo em cada rosto um silêncio de asfixia. Olham para o futuro como quem não sai de casa. Constroem palcos e ensaiam discursos. E eu na esplanada. E mais pessoas passam a gesticular verdades. As suas verdades. Se fosse eu que mandasse...construía uma consciência em cada rua. Em cada beco. Em cada pedra da calçada...uma ilusão. Divago. A alma deve estar ao serviço do homem. É preciso plantar árvores e regar a anarquia. A coesão da sociedade depende da suprema subtileza dos discursos. Divago. Raios de luz coalham-se no tampo da mesa. A noite tem um preço. A imaginação cabe em qualquer espaço. Só não cabe na cabeça de quem a não tem. Estava na esplanada. A noite caiu. Arrefeceu o dia. Levantei-me e...dei de caras com a minha força de vontade para continuar a sustentar a Vida!
De que nada nos transformámos?
De que vazio viemos?
Que horóscopo presidiu ao nosso desassossego?
A vida sobra-me...a vida sopra-me...
Alguém bate à porta...não abro!
Deve ser algum menino de deus a querer salvar-me a alma!
(foto tirada da net)
Há 33 anos uma outra tempestade assolou os Açores. O dono do café Peter Sport, da cidade da Horta, ilha do Faial, saiu para fotografar o mar. E tirou esta extraordinária fotografia, onde se vê nitidamente, o rosto de Neptuno, deus dos mares.
O café Peter Sport, situa-se junto ao porto da ilha do Faial. É assim uma espécie de ponto de contacto daqueles que velejam por esses mares. Ali se deixam mensagens para outros que um dia lá aportarão. Possui um fantástico museu da baleia. Ir ao Faial e não tomar um gin no Peter, é pior que ir a Roma e não ver o Papa.
Em cada olhar vive um momento e um sentimento. Cada olhar é um manuscrito e uma suspensão de luz. Longo é o caminho de um olhar. Um olhar vem do fundo do tempo. Percorre uma vereda. Desemboca numa cidade. Cada um é um olhar. Cada um é uma cidade. Um olhar tem interior e exterior. Pode ser cúmplice. Pode ser misterioso. Pode até ser de traição. Um olhar pode alagar-nos. Pode ser um templo. Ou uma fronteira. Guardamos um olhar. Recusamos um olhar. Gravamos um olhar. E somos mais fortes quando entendemos um olhar. Não se negoceia um olhar. Nem se nega a identidade de um olhar. Um olhar pode ser a própria verdade. Pode ser a reconstrução de um caminho. Uma iluminura. Um deslumbrado contorno de felicidade. Ou um templo...onde germina a fé...de quem nos olha.