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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Palavras soltas #12

Sou o fraco fogo imerso nos espinhos das vozes

Copio as noites... em versos distendidos...

Vale a pena ser ave? Vale a pena ser muro?

Se no fogacho da pedra se descreve o futuro

E nos taipais do vento...jardins e florestas...

Dormem sonos soltos...beijam-se as arestas...

Florescem as giestas

 

Vale a pena alcançar os ramos dos pássaros

Descortinar paisagens...alvoroços de prumos...

Neve..flor viçosa..espaços sem rumos

 

Compridos ventos..taipais de marés...magros sopros lentos

Asas de absinto..andaimes de penas

Desejos de anjos rubros...cavalos de rosas

E o lume...o vento... o perfume das falas

Roubaram-me os medos...esvoaço em balas.

 

No meu corpo de areia...bailam mil cristais

Basto fumo opaco...gargalhada de hora

Atravesso a rua...escondo a sombra

Guardo o mundo todo...dentro de um poema

Rápida a minha mão se insinua no tédio

Entrega de vida...vertigem de assédio

 

Pairam beijos virgens..dormem frouxos seios

Eróticas luas...arrastam homens...pelos passeios

Voz de luar louro...voz de linha estreita

Obscuro murmúrio... brincando... no fundo da gaveta

 

E nos campos ermos..e na campa rasa...

Chegamos enfermos..construímos a casa..

Farol fundido

Dissolvem-se os dias na ratoeira dos segredos

Desaparece a alma num incêndio escondido

A solidão é um hálito que os olhos exalam...um farol fundido...

Um balanço de vela no mar revolto

Cheiro a crucial liberdade onde o mundo se esvai...

Desperto na alvura de um regaço..luz de mim...luz de fim ...

Talvez o mundo não nos queira...

Talvez a luz branca seja o ponto onde desaparecemos

Talvez o bando de aves que se fundem num céu oculto...

Não seja mais que o estalido da liberdade.

 

Sentes o cheiro da solidão? Ardes numa dança de farol? Talvez não saibas de ti...mas...

Na tua alma vive um fim... uma força que baloiça num apetite de mundos encobertos

Ardes como um acordar dentro do sol... cresces e apagas toda a escuridão....

Irritas os pássaros que te apertam o coração...

És o ferro fustigado que se vinga nas ruínas da cidade

Acorda... paira no centro de ti a sede das pedras...

Calcárias sementes de portos desconhecidos

A cinza dissolve o mundo... o ar adensa-se na placidez de uma janela fechada...

Em ti...

 

E eu... aperto os punhos contra o fundo rugoso do mar... dispo-me como uma máquina...

Sinto a linha do horizonte como se fosse o centro do futuro...

E durmo... como se não houvesse nada maior que eu!

 

Hora de lucidez

Chegou a madrugada como uma sufocação. Pequenas luzes apagavam-se no tédio dos sonhos. Sentei-me...suspenso...na fragilidade de uma pequena alegria. De uma furtiva verdade. Um galo embalou-me. Disse-me que também esperava a dissecação da noite. E das sombras...ergueu-se uma maciça tela. Um céu brutal subiu por mim. Uma gloriosa dor acenou do espaço. E eu...senti o peso de uma hora de lucidez.

 

Vivemos num dilema..entre a sinceridade e a caricatura da sinceridade. Iludimo-nos com o nosso estranho prazer de sermos outros. Vários. Hoje somos...amanhã não. Amanhã vestimos a compassiva cegueira do esquecimento. A gloriosa ignomínia do triunfo. Mas não sabemos de qual triunfo. Não sabemos em que é que triunfámos. Porque todo o triunfo é um subterrâneo de subtilezas. Uma arcaica fatigação do momento. Que violentamos com a nossa febre de vencer. Ou com a nossa brutalidade de obscuro renascer. Mas não renascemos. Apenas vestimos o inexorável fato da fantasia. Que nos envolve com a magia de uma noite quente. Onde adormecemos exaustos e cansados...mas felizes. Porque enfim percebemos que acordar é muito pior. E construir um desejo...é uma finalidade!

Joacine...deslumbramento e amadorismo...

A Joacine é o tiro que saiu pela culatra ao Livre? Ou é a culatra que o Livre queria fazer de tiro? A Joacine é o próprio tiro que o Livre queria atirar? Ou é o tiro que faz marcha-atrás?

 

Podemos especular com a eleição de Joacine. Podemos perguntar porque é que Rui Tavares, o rosto mais conhecido do Livre não foi candidato num círculo onde pusesse ser eleito? Cá para mim, o Livre o que quis foi explorar a imagem de alguém que pertence a outra etnia. E que ainda por cima tem uma deficiência na fala. Com os últimos desenvolvimentos parece-me que também tem uma deficiência na atitude. Mas voltando à eleição de Joacine; será que o livre, sabendo que era muito difícil eleger um deputado, não quis explorar a côr da agora deputada? E será que agora que já tem uma deputada, e que já ganhou direito à subvenção, não lhe quer tirar o tapete? São apenas especulações, mas o espectáculo que deputada e assessor têm dado no parlamento não é o mais escorreito. Enfim, questiúnculas de deslumbramento, e de amadorismo.

Fuligem...

I

Na cidade a água dança nas ruas...

Uma chuva verde-adocicada veste o êxtase do corpo

Vibram ninfas nos lagos...

Há portas sobrepostas sem tempo nem luz.... abertas... inertes...

E na efígie da imortalidade despedem-se as coisas sem tempo...

É a vastidão de um tempo em fogo... um lento campo de flores lilases...

Bastião carmesim da alma... que suplica perante as cintilantes luzes...

Por frágeis purezas e indistintos desertos...

II

Somos a cinza que gira no ar como um inverno feito por mãos sem geometria...

Existimos simplesmente... como uma perda... ou como um espaço desocupado...

Nem a primavera com a suas diferentes luzes nos acende...

Nem os recifes que se despedem das algas...

Nos chamam com acenos de flores impossíveis

Agarro-me a esses recifes... onde os búzios se despedem dos limos negros

E onde as Nereidas... perdidas... nos esperam... como bocas condenadas....

 

Palavras soltas #11

Todos os dias... aos bocadinhos... vamos construindo um passado

Todos os dias... aos bocadinhos... fazemos em nós amuletos de espaço

 

Esquecidos dias... rutilantes ais... já nada nos une ao colo dos pais

De vez em quando subimos ao palco

Rasgamos a carne... num bolear de vento

De vez em quando arrancamos pássaros

Bem cá de dentro

De vez em quando flutuamos na palidez

De um passado sem tempo

E é grande a escassez

Da frescura da tarde

Que nos encerra o lamento

 

Cheiramos flores... na franja das ruas

Bebemos o mundo em catedrais semi-nuas

 

A dor é a marca...que marca o tempo

A felicidade é o vento

O vento que desmarca a marca do tempo

O tempo que marca a felicidade do vento

 

Gaivota de seda que no espaço flutua

Inverno na praia... gesto de rua

Como será o país onde a água transborda

A asa se quebra... o sal rói... e o rosto discorda

 

Piso o chão que os meus pés não sentem

Piso agora os meus pés dormentes

Piso as horas que caem como estrelas cadentes...

Febre e sal.

Floridos silêncios. Longa germinação de primaveras. No vento...um ermo. No halo das giestas a transfiguração da terra. As memórias caminham em mim. São forcas na madrugada. São interstícios de fogo a dormitar nas horas. Longas horas. Assombros de inquietação. Imitações de clandestinas verdades. Verdades que passaram e já não vivem. São apenas dormências de um tempo aflito. Jogos de palavras. Janelas esburacadas. Cidades inundadas por furtivos planos. Planos. E mais planos. Que se finam em palmos de memória esfomeada. Como se percorresse corredores de choro. E desaguasse na intocável fragilidade da vida.

 

 

 

Atiro o meu grito nesta sufocação de azul. A cidade espera a minha breve passagem. A minha ocasional sombra. Os meus passos desalinhados. Caminho de desencontros. Passagem de sopros e de aromas. Na suspensão das flores...um rasto de paz. Fulminante paz. Que enfeitas o ar com a tua fome. E que procuras o homem que vive na dureza dos dias. Amassado em febre e sal.

Palavras soltas #10

I

Às vezes envelhecemos num minuto

Às vezes num segundo somos luz

Às vezes perscrutamos o azul profundo

Às vezes tateamos o absoluto

 

Às vezes reconhecemos por entre a chuva

Os passos sedentos de asfalto

Há uma noite...uma só...ou talvez nenhuma

Em que as nossas mãos se tocam

Como os corpos sofridos do basalto

 

E se as lâminas gravam rostos nas ruas empedradas

Se os sonâmbulos dilaceram flores de cobre

E se há uma boca seca nas searas já ceifadas

Também há plantas virgens a crescer na terra do alfobre

E a morte anuncia que a vida se descobre

No couro da memória alforjada.

II

Da janela de trás vejo o jardim e o gato

Vejo a velha figueira e novo cacto

E vejo pendurado no céu...

O meu retrato...

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