Rio Paiva
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Ser uno. Ser centro. Possuir a verdade circunstancial. Construir a minha roda. Totalizar o meu desejo. Não deixar rastos atrás de mim. Fechar-me na perfeição de uma palavra. Abrir o peito aos meus terrores. Conhecer o antes e o depois. Limpar o olhar com a realidade. Ter na mão a minha totalidade. Esquecer que somos a circunferência gasta. O erro gasto e sempre repetido. E absolver-me de todos os pavores. Usar a minha indistinção como um amuleto. A minha lonjura como uma emoção. A minha oblíqua falta de vontade como uma neblina absurda. Que me esconde. Que me suspende. Que existe em mim como uma noite de fadiga. A minha presença aqui é apenas um evocar de nadas. Uma seda indiferente e fria. Uma janela onde colo bocados de mim. E onde me empoleiro como uma sombra. E onde espreito a esotérica finalidade do vazio.
Há tanta eternidade numa pedra como num espelho. Ambos mostram a face do nada. Ambos me comovem na sua frivolidade. E faço um esforço para calar este silêncio. O cansaço apodrece em cada esquina. As hortências florescem. A terra não sente piedade pelos homens. As flores entretêm-se a enfeitar os olhos. A resignação é uma flor que murcha. Que não enfeita...apenas rejeita...tudo o que a fantasia sonhou.
Bom 2020 para todas/os...com muita fantasia....
Mexe um dedo...aponta...deixa que o teu movimento toque na ferida
Mexe no dia...desponta...sobreviver não chega...é preciso acreditar no mais difícil
E se o dia te disser que és igual a ontem...não acredites...hoje és outro
Hoje és o cheiro da palavra...a pele revolvida...o sol...a comida
Hoje és o sonho...o mergulho no mar mais escuro...és a decisão
Exige um beijo...revolve-te...envolve-te nas coisas profundas...entra nas entranhas da vida
Hoje não pares...não te pareças com as pessoas sérias...exige-te...queres viver
E se te apaixonares...despede-te dos dias fáceis...sabes...é o amor...
A querer mover-te...a roubar-te...a querer-te...como só o amor pode ser...
Apetece-me escrever.. Sobre cada centímetro da minha encruzilhada. Sobre a chuva que parece pó a embater na parede. Sobre o nevoeiro do mundo. Sobre o milimétrico esvoaçar dos pássaros. E lá de longe vem o aceno. O espaço. A voz. O sino. A claridade. A transfiguração dos sentimentos. A vida que se abre. O sol que irradia. A finalidade indizível. E lá ao longe a porta. A terra. O despegar da infância. O cadafalso. E dentro de mim...o fecho de correr. O ranger dos meus degraus. A voz que se fecha numa antiquíssima luz. A minha confusão. O meu rebentamento. A minha suspensão. A minha moldura. O meu lago. A minha maresia. E fora de mim...o céu nublado. A comoção do deserto. O incómodo da estupidez. O trilho. As flores. O desinteresse. E se eu tivesse uma linha recta. Uma forma de conduta. Um espasmo de horizonte. Seria um reflexo. Um trilho. Um vazio. Um imortal.
Os factos extraordinários que a seguir se narram ,aconteceram numa cidade perdida no tempo, mas a verdade é que aconteceram.
Era uma noite escura, as parcas pessoas que passavam na rua seguiam com o rosto inóspito e encerrado nas suas caixas de silêncio. Os átrios das lojas fechadas serviam de grutas onde se abrigavam os apóstolos esquecidos pela sociedade. Os néons competiam entre si, num caleidoscópio de cores, para sobressair no negrume das ruas. Foi então que, no lado mais escuro do asfalto e no lado mais profundo do silêncio da rua, se ergueu uma luz que vivia num buraco negro. Libertou-se da sua prisão na forma de uma pequena estrela brilhante. A estrela saltou o espaço do silêncio desértico da rua e começou a crescer. E tal como uma célula foi-se subdividindo, e multiplicou-se em miríades de pequenas luzes que inchavam e explodiam, como fogo de artifício, em fontes de luminosas letras. Letras que, depois, inflamadas como que por magia, se agrupavam em palavras. Que entre surpreendidas e maravilhadas, se constituíam em poemas. Nessa manhã, as pessoas acordaram estremunhadas e encantadas pela poesia. Começaram a analisar entre si esse estranho fenómeno, reuniram-se nas esquinas e nas praças, e todos afirmavam que a poesia tinha sido dada à luz pelo ventre de uma estrela que tinha florido em cores majestáticas.Os que discutiam calavam-se enternecidos. Os zangados faziam as pazes. Dizia-se poesia em todo o lado. Desejava-se paz e felicidade através de poemas. Apertavam-se versos de encontro ao peito. Um milagre tinha acontecido. Os homens daquela cidade tinham-se transformado em poesia de carne e osso.
Nota - este meu conto está publicado numa antologia de contos de Natal
A todas/os um bom Natal
Era uma vez um menino que vivia numa instituição para crianças em risco. Não estava lá por ter sido maltratado ou abandonado. Vivia lá porque a sua mãe separada do marido não tinha condições para o ter com ela. Quer dizer que a institucionalização era provisória. Nessa instituição havia um grupo de famílias, que levavam consigo na véspera de Natal, uma criança cada, para passar a Consoada e o dia de Natal em suas casas. Aconteceu que uma dessas famílias resolveu surpreender a criança que tinha levado. Na noite de Natal, o marido vestiu-se de Pai Natal, saiu sem o menino ver, e bateu à porta. A esposa abriu. O Pai Natal perguntou se era ali que estava um menino que tinha vindo passar o Natal a casa daqueles senhores. A senhora disse que sim e chamou a criança. O menino veio e arregalou os olhos de contentamento. Era o seu sonho. O Pai Natal não se tinha esquecido dele. Recebeu a prenda e voltou para dentro. Sorrateiramente a senhora abriu a porta e o marido entrou. Despiu o fato de Pai Natal e foi ao encontro do menino. Este brincava com a prenda mas estava com um ar triste. O homem perguntou-lhe o que é que se passava. Ele respondeu que o Pai Natal não era o verdadeiro. Que era ele a fingir de Pai Natal. E sabia isso porque o tinha reconhecido pelos óculos, que ele se tinha esquecido de tirar. O homem pensou...pensou....e disse. - Sim! Era eu, mas o Pai Natal não te esqueceu. Ele esta noite tem muitas prendas para entregar e como tem pouco tempo, deu-me o fato dele e pediu-me para que, em seu nome, te oferecesse esta prenda. O menino pareceu acreditar...
P.S. ainda hoje penso se ele acreditou ou não
Ah! não esperes por mim para te arrancar um grito...ou um espanto...
Não acendas velas...quando eu chegar...
Porque eu chegarei apagado
Serei uma penumbra que entra no teu quarto
Serei a noite que se entrega por um instante na escuridão
Serei uma portada noturna...um eremita pecador...
Não volto a esta casa...
Onde os sonhos se despem em realidade
Onde os pensamentos distraídos vagueiam em longas horas
Onde os instantes são inúteis mordaças
Onde os abraços são silêncios...
Não te iludas com falsos tormentos
Não te prendas a ilusórios rancores...fanáticos apelos sem sentido...
Tudo é tão natural...
Que até os remorsos não devem ocupar espaço!
Cresce a mim uma vontade de absoluto. Uma harmonia de incertezas. Um reconhecimento de unificação. A minha grandeza é a minha transcendência. A minha justiça é a minha resignação. Estou vivo. Vejo-me nessa imagem acusatória do sonho. Nesse palmilhar de feridas. Nessa tolerância de vento. Tudo o que por mim perpassa é apenas uma maré. Um acre andaime que esconde a fachada corrompida. O brusco vergar da realidade. A minha aventura é a minha própria essência. O meu rasto é..um tanger de silêncios. Um figurativo apocalipse de sensações cansadas. Uma modesta aprendizagem de abstractos. E a minha debilidade...são os instantes em que os meus olhos estão longe...de todas as finalidades.
Rodo os olhos...vejo o alto. Uma glacial alegria irrompe dos pássaros. Admirável mundo...condenado por olhos vidrados. Admirável profundidade de portas fechadas. Admirável alegria de jardins floridos. Crista de sol aquecendo um corpo esburacado. Perante a surdez das nuvens.