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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

Brisa....

Crisálida tardia...afago de tarde irreal

Doirado gelo a desencantar mundos

A fome dos olhos afaga a inutilidade da carne.

O bolor dos musgos engana a morte

E eu pergunto-me...

Por onde esvoaça a efemeridade da alma?

 

Perfilam-se as aves electrizando a tarde

Um fumo azul eleva-se das chaminés

Tudo se desfaz na secura do frio

O verde agita a calmaria dos campos

E a alma pára...imóvel...

Hipnotizada pela suave brisa que desce da serra.

 

CÂNTICOS#2

CÂNTICO 5

Ouvimos o crescimento de um desejo

Bastámo-nos como frutos suculentos

Fizémos jogos de corpos em convulsão

E na memória daquele lugar ficou gravado o momento

Em que o luar perdido

Percorreu os nossos corpos vulcânicos

Como se fossem mapas de ancestral prazer...

Sem rota definida.

 

CÂNTICO 6

Sabia que vivias dentro da sombra alegre do enigma

Silhueta que se eleva numa palavra feita de luminosidades claras

Ergo-me e ligo-me ao fio de onde pende o teu corpo feito de folhas alaranjadas

E não sei porquê...sinto que de nada devo fugir

Que os beduínos do deserto também amam

Que o corpo não tem um lugar onde o espírito durma

Apenas o passado lá figura...como um início

Ou como um facto marginal que nunca teve um tempo

E que agora apenas me resta a alegria..fechada num saber de ti

Sem saber de ti....

CÂNTICOS#1

CÂNTICO 1

É preciso encontrar a palavra transparente

Aquela que atravessa a nostalgia..aquele som que atravessa o céu-da-boca

Aquela palavra que arde em todos os tempos sem fazer ruído

Como uma janela sobranceira ao castanheiro cujos ouriços picam o chão

E nessa palavra renascemos...

Como se fôssemos o calmo balir de um dia ensolarado...

Onde os nossos grilhões se deitam em sossego.

CÂNTICO 2

Antigas melodias ecoam na obscuridade baça dos olhos

Sinto que a língua se consome em gotas de luz

Não há mais palavras...

A música é agora um paraíso gravado em pedras cristalinas

E do candeeiro saem pássaros acesos...

Que me levam de encontro à minha infância

CÂNTICO 3

Entro lentamente no céu da tua boca...nasço aí como se fosse transparente

Enquanto escuto a melodia que desaparece sob os teus olhos cristalinos

A obscuridade é a força que nos impele para o luminoso encanto do amor

E voamos pela claridade suspensa no perfume das coisas

Renascendo sempre nos olhos semicerrados da poesia.

Cedência...

Cedo-te o meu tempo e o meu outono

Cedo-te a casca de cada árvore onde impera o meu nome

Cedo-te os segredos do deserto onde o tempo não tem ferrugem

E cedo-te a faca...com que me arrancarás da fome do mundo.

 

Em cada palavra uma presença

No meio das ervas o meu sono

Na folhagem da carne o meu impropério

Debaixo dos meus dedos...a magia dos afagos

No adormecer do corpo a irrealidade...do sonho.

 

 

Não me peças flores nem justificações

Deixa-me viver na flora matinal da luz.

 

Sinto a alegria a dissolver-se numa flauta de estrelas

Mergulho nos erros entrançados em naufrágios

Como se os meus olhos imaginassem o voo das giestas

E vissem pássaros nas flores entumecidas do esquecimento

 

Dos labirintos erguem-se idílicos ventos

Em cada folhagem a solidez da sombra

Se tudo vive na respiração do céu

Também eu vivo num candelabro de contornos impossíveis

Que os meus pés pisam

A minha imaginação desvenda...

E os meus olhos...creem.

 

Consolação...

Há uma passagem dentro de cada um. Há flocos de neve a suavizar-nos os dias. E está uma montanha em cada sonho. Uma subida em cada degrau. Um vexame em cada saliência de nós. Lamentamos as verdades. Sentimos as insondáveis vibrações de um vulcão misterioso. Acenamos à nossa lucidez. Deixamo-la partir em carruagens de fantasia. Ah! Maravilhoso jardim da inocência. Em nossa volta ergue-se um muro de espectros. Uma prisão de destinos. Um canteiro de roseiras. E nós...acenamos a breves mundos. A breves nostalgias. À consolação de breves céus.

 

Do fundo de nós ergue-se uma altivez branca. Uma enfática afirmação de tempo. Uma errática alvura de sonhos. Que morra o tempo. Que morram todas as verdades. Que fique o azul e a urgência de uma breve sentença. Que fique tudo o que nos acorda. Até que as horas abafem...a nossa caminhada sinuosa. Onde a aflição tem o preço...de um silencioso espaço sideral. Onde o vento corre. E os sinos enchem as ruas...como um chamamento feito de intangíveis choros....a ecoarem nos astros serenos!

Poucas palavras...

Há tão poucas palavras a dizer...há tanto fim e tanto céu

Que na obscuridade do infinito se esconde o fim e o princípio de nós...

Somos a substância transparente que habita em todos os lugares

Somos a sumptuosidade tímida da ternura..

Mas somos também a neblina que ofusca os olhos

Quando falamos de desertos desconhecidos

E de futuros densos que já nos habitam...

Fachada...

É de propósito...é mesmo de propósito

Que nenhum propósito há em mim.

 

E talvez por saber que o cansaço é apenas um cais deserto

Que o crepúsculo é o abrir da porta da noite...

Eu bebo o vento que me assola

E faço de mim um caleidoscópio...uma estrela rachada

Uma cavalgada de risos...um estrépito...um cimento...

Uma fachada...

 

 

E os olhos desfeitos perante a nudez da vida

Ergueram-se do seu trono feito de luas leves

E sentiram o arrastar dos pés...o desabrochar dos lírios

A destruição das pequenas coisas

E caíram...num sono profundo.

 

Onde guardas esse segredo de cólera e lágrimas?

Sabes que nasceste para arrastar um nome

Dizes que há um manto que te cobre na noite onde desapareces

O teu sono é uma teia de ilhas e céus e terras desconhecidas

E das barricadas onde não há ninguém...sopra uma inquietação

E também tu...te inquietas...

Com nada...

 

Calafrio...

Cravo os olhos na distância. Aspiro o gelo do cosmos. Escorro pela levitação de mim. E fico...a ver correr os instantes. Não sei do que esqueci. Perdi os olhos no tempo. Resta-me o espanto e a asfixia. Resta-me o doloroso sorriso de uma flor morta. E uma lívida fonte a escorrer sangue. Para onde vou? Vou para onde nada seja sério. Vou para onde vivem os perfumes delicados. Que saram feridas e deixam antever rios no sol. Depois...pego nas minhas pontas...e sorrio profundamente. Como quem acorda do descompasso dos dias. Ou alguém cujo pensamento enrubesceu. E na sua incandescência se sumiu. Como uma luz de gelo. Como um éter descompassado. Ou como alguém que se apaga...no coração de um calafrio.

 

Nasce um sol enregelado. Brusco. Cresce como um hálito a solidão. E sinto que somos infinitos. E sinto que somos astrais. E sinto que somos conchas fechadas em glaciares. Sei que qualquer coisa nos pode dar felicidade. Conheço o eterno significado do riso. A sapiente impaciência do coração. O instante em que o chão se ergue...e nos leva...como uma música. Ou como uns imortais versos. Conheço o instante em que nos encontramos...com a glacial hora. Com o precioso espectáculo...de uma paisagem só nossa. Que vemos... do nosso camarim aveludado. Com a vibração de quem sente. Só e apenas...os lábios da vida!