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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

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Poesia e outras palavras.

Presságio...

Adormecem-me as mãos...e não te posso tocar..pressinto-te apenas...

sou a resplandecente abelha que voa em volta de ti...

escavo-te com mãos inertes...perfumo a espera que finge dormir na seiva de cimento

e quero que o anoitecer se erga dentro de mim...que adormeça a meu lado...

como o abraço de um presságio que corre na água dos cactos...

 

Uma lágrima caía na mais límpida folha...a insone ira percorria os montes...

corroía as migalhas de um pão amassado com as nossas infâncias...e perguntava:

alguma vez viste uma cidade em pânico?

Ou um livro incompleto? ou o estalido da escuridão?

mas a ponta dos teus dedos buscava o nome das coisas onde pousavam os incêndios...

e não havia resposta...

Seres irreais

Ergo a luz. Ergo a candeia que apaga o nada. Esse nada onde nos desfazemos de nós. E renascemos como música saída de uma flauta encantada. Esse nada sofístico e ao mesmo tempo...insofismável. Esse nada onde tudo acaba e tudo recomeça. Esse nada...onde elevamos a alma. Aí acontecemos. Aí recusamos o nosso naufrágio. Aí... onde dia a dia nos instalamos. Como quem procura uma explicação para os seus destroços.

 

Profunda vertigem. Profundo tempo. Radiografia de alma vazia. Púrpura gota de sangue. O mundo fecha-se...mas jamais se esquece. A quem importa o mundo? A quem importa o despojamento da vida? Se a guerra é a íntima fraqueza dos homens. A vida é exterior riqueza da alma. E vibramos. Vibramos sobre a odorífica majestade dos jardins. Vibramos nos sonhos. Vibramos na decisiva hora da partida. Como se não houvesse mais espaço para o nosso aroma. Como se já não vivêssemos noutro corpo. Como se o nosso brilho fosse nada mais que um sobressalto impossível. Uma mecha de absoluto incêndio. Vogando...na milenar imaginação do espaço sideral.

 

Sólidas horas instalam-se nas nossas poltronas. Raros espectros riem-se nos espelhos. Pobres de nós...a tremeluzir numa agitação de pirilampos. Como quem olha...olhos nos olhos...a mesquinha insignificância de um mistério sem margem para descarrilar. Mas cheio...da absoluta glória...de sermos seres irreais.

Palavras soltas #15

I

E tu ...plantada numa palavra que fala da folhagem dos corações...chão e Outono...nudez

e tu ...que deslizas num esvoaçar de luz que cai da despensa do dia

e tu ...mão que afagas o mundo num bater de asas tardias

sim tu...que olhas o que te rodeia como se fosses a testemunha de um crime

ou o olhar que sabe que a morte sara todas as feridas...

II

Tardam os mundos...despedem-se as almas...as flecham ardem no pensamento

zumbidos de nuvens que avançam na auréola do cosmos

é esta a noite...são estes os olhos...

sempre a apontarem o caminho dos dedos...entrelaçados..

III

És a flecha que derruba o tempo nu...o olhar que avança por entre a orla da noite

és a despedida onde o corpo oscila...

e qualquer gesto teu é agora uma chave que sobe os degraus dessa noite...

até que o verão morra nos nossos lábios inocentes...

A Greta e os imbecis

Perante a actual situação do mundo é preciso um facho. Uma luz. Um destino. Um objectivo. É preciso dizer “eu faço”...e não dizer “façam”. Neste momento temos muito por onde dizer “eu faço”. Eu prescindo. Eu dou o exemplo.

 

Foi triste o espectáculo da recepção à Greta. A rapariga quase se limitou apenas a dizer que tinha feito boa viagem. Que a travessia do Atlântico correu bem. Que não enjoou. Como se o mais importante ali fossem os enjoos da Greta.

 

Não percebo o espectáculo de dezenas de canais de tv na espera à Greta. Jornalistas que fizeram perguntas idiotas. Que obtiveram respostas idiotas. Acabando a rapariga, depois de se queixar dos trabalhos da viagem, que já não sabia o que mais havia de dizer.

 

A Greta pode um um facho. Uma luz. E tem um objectivo. Esse objectivo é salvar o planeta. Esse objectivo é alertar para a destruição da Terra. Mas não é o de ser exibida em público.

 

Já à rapariga portuguesa que discursou, eu digo, não é com esse tipos de discursos que vamos lá. É com exemplos. Eu gostaria de a ouvir dizer que passou a deslocar-se em transportes públicos. Que não frequenta centros comerciais. Que prescinde de roupas de marca. Que prescinde de telemóveis último modelo...etc.

 

Agora a moda é empunhar cartazes e dizer; salvem as abelhas; salvem os oceanos; salvem o planeta. Eu preferia ouvir dizer que; eu faço isto para ajudar a salvar as abelhas; eu faço aquilo para ajudar a salvar os oceanos; eu não consumo os recursos do planeta, ou só consumo o essencial.

 

Enfim as modas são o que são. Contudo não duvido de que há uma consciencialização para salvar a Terra. Agora só falta a acção. Não só dos governos...mas de todos nós.

Resistência...

Despeço-me. Não escuto as vozes que me chamam para o sol. Arrepio-me. Já conheço os meus ecos. Já sei desviar os olhos. E também sei olhar nesses mesmos olhos. Coloquei um selo no absoluto. Revelei-me a minha misteriosa verdade. Revelei-me a minha obscura obsessão. Talvez um dia faça uma promessa. Talvez um dia me comprometa comigo. Talvez um dia satisfaça a minha lendária fome de deserto. E por mero acaso... convalesça... da sagrada vontade de rever a beleza de um remorso.

 

Reconcilio-me com o que mais me importa. É a minha arte e a minha defesa. É a minha fome e o meu desespero. É o meu infinito e o meu modo de amar as flores. Espero estar presente no concerto final. Espero atravessar essa luminosidade de abstrações. Colorir o súbito clarão do pensamento. A súbita alienação do tempo. A transcendência irregular da chuva. Por isso...volto os olhos para lugares que já não sei. Lugares onde se desencadeiam tempestades. Lugares de palavras ilícitas e deuses amargos. Lugares...onde os ecos me trazem violentos abanões de memórias. Mas onde ainda resistem os estretores do que sonhei...como se não houvesse piedade nos instantes. E a fatalidade fosse uma gruta perversa...onde se só se pronuncia uma palavra. Resistir!

Sentir...

As sombras não caem das árvores

Todo o silêncio é uma palavra

Toda a presença é uma ordem

Saber que lugar ocupamos na opacidade do mundo

Perceber a solidez de um olhar

Desbravar a concentração da luz

Não sentir nenhum horizonte...nenhum remorso...

Atravessar os dias como quem colecciona bocados de si

Cortar a direito como quem desfaz o mar

E sentir...a liberdade...

De quem não tem nada a perder.

 

Palavras soltas #14

I

Somos a jarra onde a nossa palavra madura floresceu...

somos a perpétua ave que dorme no sonho...

mudas dores açoitam o vento...

e nós regressamos à espuma tingida de azul...

é tempo do mar respirar...

II

Pela terra trepam viçosos dias...emergem palavras que vivem na sombra das bocas

no negrume dessas sombras ecoa um coração gelado...

e que bebe o tempo que desliza num floco de neve.

III

Pairando no vento que desagua onde tudo se finge...há um jogo...um esquecimento

e apenas num único olhar distingo a arca que transporta o teu coração...

como um singular sol recolhido num rosto onde desaguam verões em espuma.

IV

Em maio tudo é possível...podemos ouvir na folhagem florida todos os tempos

nocturnos anseios de mãos que deslizam em redor de uma palavra...qual?

serão segredos de corações recolhidos nas corolas das papoilas?

ou serão crisálidas que esperam a noite …

eloquentes como a frescura de uma boca

adormecidas como nomes de árvores sem frutos...

V

À noite....não se vêem as aves que esvoaçam em redor do esquecimento

dispensamos tudo o que desliza para o despertar dos sentimentos

porque de azul-escuro é feita a côr que arde nos céus que nos buscam...