Bucólicos caminhos da Serra
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Por vezes quero ouvir-me a estoirar como um desabafo de um cometa
Outras vezes quero ser a fúria do mundo e decepar os ventos...
Com a imaginação de uma criança...
Um dia explodi...não sei o que disse
Não sei se ofendi...
Mas senti a clareza de ser eu...
Passam por mim aves soluçantes
Sonhei que existia antes de alguém perguntar quem sou
E continuarei a existir mesmo que não perguntem quem era.
Sejamos memória...
Lavemos as mãos no lajedo da carne
Do nada se esculpe uma vida
Do nada se fazem as tardes
Quando descem sobre as estradas onde jazem silêncios poeirentos.
Em bocados de nós...guardamos outros bocados de nós. Sublimes bocados de vida. Aconchegados na nossa nostalgia. No nosso esmorecimento. Por vezes espreitamos essa imóvel imagem. Abrimos esse trinco onde guardamos os sorrisos e os sofrimentos. Com voz de silêncio abarcamos essa estreita escada das lembranças. Subimo-la degrau a degrau. Emoção a emoção. Com cuidado. Para que não ranja debaixo dos nossos eternos passos. Ou então descemo-la de olhos baixos. Concentrados em clareiras que abrimos. Clareiras que não supúnhamos possuir. Onde minuciosos sóis brilham numa catadupa de cores. Somos seres interiores. Vivemos em interiores. Sorrimos ao fogo que nos queima. Amamos o fogo. O nosso fogo é feito por uma concentração de partículas. Paixão. Emoção. Devoção. Abrimos o peito ao muro do tempo. Alinhamos em filas de espera as nossas esperanças. Pegamos nas nossas pontas soltas e fazemos minuciosos álbuns sem fotos. Antes de existirmos já existíamos. Cobrimos o olhar com película transparente. Só queremos ver o que a película deixa. Sem pressas nem absorções de alma. Procuramos o amor. O instante. Procuramos tudo o que nos serve para existir. De outra forma...o nosso triunfo seria o nosso cansaço. A nossa anemia. O nosso ilusório universo. Feito de absurdos e de rotas cruzadas.
Um livro com texto de Goscinny e com belas ilustrações de Sempé. Um livro para crianças que faz os adultos recordarem que já foram crianças. E que há um mundo que continua a viver em cada criança.Um mundo que muitos já esqueceram.
Eis um pequeno "aperitivo" - o Alceste desafia o Nicolau a fumarem um charuto. O Nicolau reflete desta maneira;[...o Alceste perguntou-me se o meu pai ou a minha mãe me tinham proibido de fumar charutos. Pensei bem, [...o meu pai e a minha mãe, proibiram-me de fazer desenhos nas paredes do quarto, de falar à mesa quando há convidados e sem me terem perguntado nada, de encher a banheira para brincar com o meu barquinho, de comer bolos antes de jantar, de bater com as portas, de meter os dedos no nariz e de dizer palavrões, mas de fumar charutos, isso o meu pai e a minha mãe nunca me proibiram."
E mais este - a classe ensaiava uma peça de teatro, mas todos se estavam a portar mal. Então a professora gritou: « Basta! Para os vossos lugares! Não irão representar esta peça durante a festa. Não quero que o Senhor Director veja isto!». Ficámos todos de boca aberta.
Era a primeira vez que ouvíamos a professora castigar o director.
Tudo está parado. Tudo se move nesse espaço sem horas. Tudo está morto. E tudo está vivo nessa hora onde não há morte. Onde há apenas um toque de existência. E uma incontestável leveza na imaginação. Por fora de nós. O dia. O ar. O toque gélido do frio na face. Tudo nos faz lembrar que estamos vivos. Que estamos imobilizados em luzes de vaivém. Que o nosso significado é apenas um olhar fixo. Um riso estridente. Uma sola que escorrega pela calçada. Sabemos que há sempre um lugar onde não estamos. Um lugar vazio onde não vamos. E que há sempre um vazio no lugar que ocupamos. E tudo morrerá. Os nossos erros e os nossos instantes de prazer. As nossas obsessões e o nosso olhar. A nossa idade e tudo o que tivemos de afrontar. Longe é o nosso nome. Longas as tardes onde ardemos. Nada precisa de explicação. Tudo se explica por si mesmo. Mesmo que não digamos uma palavra...as folhas cairão das árvores. Os pássaros poisarão nos beirais. A luz comerá a sombra das pedras. E nós seremos a tragédia sentada numa varanda...aberta ao inverno. Esse inverno que pincelamos com flocos de medo. Esse inverno duro. Concentrado em finas camadas de gelo....e de inquietações. Mas estamos felizes como fanáticos fantasmas. Já soubemos o que era a infância. Já absorvemos todas as ternuras. Já sentimos a dureza de uma porta fechada. E já ajustámos a nossa gregariedade. Já sabemos como poisar em silêncio sobre os dias. E também sabemos que o infinito é uma diluição de nadas. Uma inconsequência. Uma opacidade. Um desmantelado espaço. Uma oblíqua forma de nos pensarmos. Um portal com vista sobre a estridência da vida. Da vida que não vemos. Da existência que não existe. Da irreal multiplicação de um caos. Que continua a arejar... a nossa vida!
Ligo-me ao ocre das folhas tombadas e à luminosa extensão das manhãs
Nas minhas cartilagens corre a refulgência da aurora
Sou o mapa que ignora os limites do frio
E tenho o raro privilégio... de sentir na pele a casca das árvores.
Na falta de luz vejo a química dos homens.
Devagar ergo a ponte que atravessa o vidro do silêncio
Alimento o meu corpo com o cio das lenhas
Com o estralejar das pinhas
E com alma de gozo...
Compro aos deuses o meu anonimato.
Límpida melodia a ecoar na plenitude do sangue
Ergues-te em espirais de violinos
És o suporte do canto e da solidão
És a bofetada que espicaça a vida...que corre...
Tão perto da breve e delicada noite.
Que segredos me trazes espuma sepultada em indolências de mar
Que séculos escorreram pela ignorância das praias
Que estão aqui...impregnadas pela magia das conchas
Que existem na profusão das marés
Como homens que suportam todas as formas da luz
E da escuridão...
Abre-se um espaço na tarde
Desfalecem as fachadas em manchas cinzentas
O outono é uma vida...o céu é um estilhaço
A alegria um fogo redondo que corta a tarde
E todo o pano cai
E toda a noite acaba
E toda a eternidade se ateia nos nossos olhos.
Mesmo que um grito vibre e descreva uma órbita mortal
Mesmo que a luz se prenda ao eterno compasso dos passos
Mesmo que uma vela se acenda na penumbra das casas
Nada se detém no cerne da alma
Nada se repete na inconstância do sonho
Porque tudo é um esforço e uma contradição
Mesmo quando a cotovia nos embala com o seu canto
Mesmo quando a vida permanece frágil
Mesmo quando um jardim se despe
E as flores nos secam...os olhos.