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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Descartes e o coronavírus

Esta carta escrita por Descartes para a princesa Isabel da Boémia em 1645, é absolutamente actual relativamente aos tempos em que vivemos. Dedico-a a todos os que põem em perigo a sua vida para nos ajudar a vencer esta batalha.

 

 

Apesar de cada um de nós ser uma pessoa separada das outras e, por conseguinte, cujos interesses são, de certo modo, diferentes dos do resto do mundo, todavia devemos pensar que não se pode sobreviver sozinho, e que se é, com efeito, uma das partes do universo e, mais particularmente ainda, uma das partes desta terra, uma das partes deste Estado, desta sociedade, desta família, à qual nos juntamos pela morada, pelo juramento, pelo nascimento. E é preciso sempre preferir os interesses do todo, de que se faz parte, aos da sua pessoa em particular.(...) Se relacionássemos tudo connosco, não recearíamos prejudicar muito os outros homens, quando julgássemos tirar daí qualquer pequena facilidade, e não se teria nenhuma verdadeira amizade, nem qualquer fidelidade, nem, geralmente, qualquer virtude; em vez de nos considerarmos como uma parte do público, temos prazer em fazer bem a toda a gente e nem sequer se teme expor a vida ao serviço de outrem, quando a ocasião se apresenta.”***

 

 

*** do livro – A Grande Implosão – de Pierre Thuillier

 

Perfis...

Vejo o meu perfil numa cratera funda

Vejo um deus de neve numa máscara branca

Vejo um luzir de sal numa noite imensa

E uma pedra...calada...numa dor intensa

Com um braço aceno e com outro calo

Com um dedo aponto e com outro falo

Mas a flor da bala é um segundo lento

Mas a perdição do sono é um entrudo denso

E se um grito aperta e se o mundo estala

E se a mágoa se planta numa aragem rara

É porque o mundo foge é porque a sombra azeda

É porque o lume se acende e o vento brilha

E o longe é perto e o frio é rente

Mas quem disser que o coral é pedra e o vinho é mel

Verá bem longe... um céu sem fundo num país de fel

Onde uma pétala de neve escuta o cair do tempo

E o vento nordeste faz um eco seco..

E nós...como sombras incríveis...seguimos... em caminho...lento!

Que se ergam os loucos

Que se ergam os loucos e que uivem os lobos

Que a fome apodreça na fúria do tempo

Que as portas se abram e as pálpebras se alegrem

E o eco dos dedos percorra a esperança.

 

Que o grito da sede se oiça no soluço dos dias

Que o olhar se perca no grito estrangulado

Que a carne se esqueça do que é proibido

E um ferro de sangue nos marque na alma o soluço do amor.

 

Que um ventre se abra ao perfume dos mitos

Que dele nasça uma febre de vento

Que os cães nos olhem como quem não nos vê

E que nós sejamos ladrões de infinitos.

 

Que não nos seja interdito o que não é possível

Que uma tatuagem nos faça lembrar o tempo

Que os vergões da angústia não criem raízes

E a seiva dos frutos escorra do frémito dos corpos.

 

Que um deus de lama se erga de nós

Que uma cidade se povoe de palavras

Que uma estrada se abra aos corpos nus

E as rosas estalem em tiras de azul.

Homens verdadeiramente cegos

Para que a sociedade não se esboroe, é preciso um princípio de coesão, por conseguinte uma crença comum.” Henri-Frédéric Amiel

 

Uma sociedade não é, simplesmente, constituída pela massa dos indivíduos que a compõem, pelo solo que ocupam, pelas coisas de que se servem, pelos movimentos que realizam, mas, antes de tudo, pela ideia que tem de si mesma.” Durkhein

 

Esta crise vem demonstrar que algumas sociedades não fazem ideia de si mesmas. Talvez a “crença comum” de que Amiel falava seja o vencer esta doença,e por conseguinte a nossa própria sobrevivência. Tudo o que constituía o nosso “culto” de seres sociais está em causa. O consumo. O individualismo. O viver sem questionar. A pressa. O tempo. E acima de tudo a sociabilidade. Hoje não nos abraçamos. Muita gente já não o fazia antes. Mas hoje damos valor aos abraços. É da pior forma possível que estamos a perceber as fragilidades da nossa civilização. É da pior forma possível que estamos a descobrir que as elites políticas são fracas. Que a solidariedade entre nações não existe, (pelos menos entre algumas delas). Estamos a descobrir da pior forma passível a nossa própria inconsciência. Além disso também descobrimos que uma sociedade não pode funcionar se perder a “alma”. Essa alma que todos agora procuramos desesperadamente. Percebemos agora falta de finalidade da nossa anterior forma de estar. A nossa ilusória crença de que dominamos o mundo.

 

Acabo com um texto do poeta e profeta Pierre Leroux:

 

Há homens verdadeiramente cegos que nada vêem pelo coração nem pelo pensamento, que só vêem pelos olhos do corpo. Se lhes perguntar: Babilónia ou Palmira existiram e foram destruídas? Responderão que sim; pois podem mostrar ruínas materiais, restos de edifícios enterrados nas areias do deserto. Mas se lhes disser que a sociedade actual está destruída, não compreenderão e rir-se-ão, pois por todo o lado se vêem campos cultivados e cidades cheias de homens.(...) Não é quando as muralhas caem , quando as casas se desmoronam, quando as cidades se enchem de desolação, quando os habitantes se entregam às últimas convulsões da ruína dos impérios, não, não é nessa altura que a morte surge nas sociedades; quando isso acontece, as sociedades já estão mortas.”

 

Espero que nos saibamos erguer e construir uma nova sociedade a partir destes escombros. Depois poderemos então dizer que:

 

VAI FICAR TUDO BEM!

 

 

Fumo...

Chegaste como uma flor aberta

Foste a minha barca lançada ao mar

Por ti fiz a minha prece de sangue

Por ti o fumo elevou-se no ar

Por ti as janelas foram espelhos

Espelhos onde as gravuras eternas se escondem

Onde os sinos tocam e os gelos se derretem

Confia em mim...esquece os altares e as catedrais

Ouve o eco do mar no silêncio do luto

Vem ouvir os galos pela manhã

E o rumorejar sentido das árvores...

Açoitadas pelo vento

Esconde de mim as flautas encantadas

Os circos de pessoas aflitas

E as tendas dos refugiados...como eu...

Mas não te escondas....da minha fé em ti!

Apenas com o coração!

Irrompe o sangue por cima das casas

As nuvens negras contam-nos que os homens partiram

Foram levados no dilúvio...cozidos em lume brando

E as crianças olham as mãos ...vazias de sonhos

Oh, se pudéssemos subir os degraus que levam ao paraíso

Se pudéssemos matar o tédio com o sangue frio

Se não aluíssem os muros em que nos encostamos

Se nos dissessem que somos vidro...brilhante...

Se nos dissessem que somos Midas

E que nos transformamos em ouro...a nós próprios...

Talvez assim nos tocássemos...uns aos outros...

Mesmo sem mãos...apenas com o coração!

As horas do anoitecer

Chegou o tempo dos ventos agrestes...dos olhares fixos...das luzes fosforescentes

O tempo em que a morte conta histórias e as vagas se extinguem num abandono escuro

Cantamos o que nos asfixia... apenas nos sai um fio de voz...

Procuramos um caminho...menos escuro

E nós existimos no fundo dessa vida onde nadamos...nesse respirar alucinado

Nesse contar de dias em que imensos olhos se ausentam de nós

Asfixiamos...queremos que a vigília parta com as vagas...rostos pintados perdem a cor

Nas paredes pendem quadros incompletos...auto-retratos de um tempo inexistente...

Já não tememos a chuva...a poeira acompanha-nos...somos o caminho e a praia

E se esquecêssemos todos os rostos que caminham sobre tempos sem rosto

Se amortalhássemos o céu numa colcha de seda vermelha...

Seríamos possivelmente outros astros...vibrando numa outra solidão

Que o doloroso navio parta sem nós...pouco importa...os rostos ausentaram-se

Nós somos a sua ausência...e somos o jardim que cultivamos numa aura submersa

Profunda...onde tudo acontece...e onde a chuva molha as horas do anoitecer!

O prémio absoluto da vida.

Percorremos este caminho de esquecimento. Este caminho original. Este caminho de prodigiosa falta de originalidade. Em frente a nós o alarme da noite. A indiferença fundamental. A flor que germina por entre as pedras. O espírito mineral. A iluminação. Em frente a nós a fossilização da vida. A condição de uma ancestralidade. O extraordinário reflexo do nosso inverno. O renascimento a cada dia dos nossos nadas. Perdidos em sobressaltos construímos as nossas ruínas. Desconstruímos as nossas obsessões. Sentimos um alarme dentro do peito. Em nós vibram biliões de infinitos. Sentimos a fulguração fantástica de sermos apenas um acaso. Somos o projecto de um tempo ventoso. Um tempo raiado por infinitas encruzilhadas. Um tempo atroz. Um tempo projectado no brilho das estrelas. Ofuscado pelo que poderíamos ser. Ofuscado pelo que somos. E nós...vivendo na pureza de um instante. Irradiando fins em cada princípio. Descobrindo a irrefutável verdade do que nos fascina. Aroma de tarde. Pacto de silêncio. Cerrados os lábios. Subidas as colinas. Remoendo remorsos e traições. Descobrindo caminhos e memórias. Sem saber onde começou a viagem dos milénios. Sem saber quase nada da vertigem eterna. Sisudos sabemos que a nossa gravidade se apaga...no silêncio da nossa ausência. Cativa nas noites siderais. Desconexa e brutal. Aura de animalesca realidade. Prémio absoluto da vida.

Suspensão de tempo

Pessoas. Claustros fechados. Suspensão de céus sem tempo. Balanço de lua. Cântico amortalhado. As noites são brancas. A luz é solene. Sim. Temos a luz e toda a nossa extensão de alma. Temos o nosso fim. Sem termos um limite. Não há limites para o nosso fim. Não há rezas nem santuários. Há apenas a face dos céus em volta de nós. E o mundo aqui tão vasto. E a evidência do que somos... tão vasta. Assim como a evidência do que não somos. Povoámos o mundo. A nossa realidade era a indiferença. Ao longe...muito ao longe...o absoluto eco de uma música. Qual? Não sabemos! A irredutível presença do nada. Que alegria procurar? Que presença teremos no futuro? Nada é tão absoluto como as pedras. E como o universo. Passamos pela intensa harmonia das coisas. Passamos. Sentimos os aromas bravios. Em frente...uma claridade guia-nos. É a Vida a clamar por nós. Enquanto no horizonte cresce um manto de solidão. E o medo é um incêndio que nos consome. A noite vive nos séculos. Nós vivemos nos séculos. E viveremos muitos mais. Somos os vitrais que ganham vida com a luz que os atravessa. Finos raios. Extensas mensagens de mistérios. Vibrações de obscuros passados chegam até nós. Atravessam-nos como lições de silêncio. E avançamos. Irreais. Plenos. Impossíveis. Como nuvens correndo para o silêncio da eternidade. Vivemos todos na mesma ruína. Estamos todos à mesma distância do nada. Enfim. Temos os pássaros. As montanhas. A névoa. Temos aquela estrela que é só nossa. Temos a noite e as cinzas da nossa idade. Temos a nossa suspensão. Vestimos a aura da paz. Por entre as sombras do que somos...estendemos a mão. Nada agarramos. Ficamos imóveis perante a calma nocturna. Flutuamos no luar que se derrama no rio. Coalhados agora...sabemos que um dia abriremos a janela. E riremos. Fascinados. Com a estrepitosa força do que somos. Com a beleza da montanha coberta de neve. Com a maravilhosa visão da seara doirada. Voltaremos a transpor a porta fechada. A que fechamos e a que nos fecham. E mergulharemos no momento mais profundo. No momento mais alto. O momento em que o silêncio será vasto. E a nossa alma...solene...dormirá. Calmamente. Longe deste tempo suspenso.

Amanhã seremos melhores

As ruas aqui estão...como sempre estiveram. Nós aqui estamos...como nunca estivemos. Ah...quebradiça janela onde não expomos o nosso cansaço. O nosso arrepio de pele. A nossa surpresa. Hoje ...ninguém nos olha. Hoje não há olhos nos olhos. Esconde-se o medo. A respiração. Hoje o mundo é a margem de nós. Hoje percebemos a nossa condição. A nossa fraqueza. A nossa força. E esperamos. O raio de luz. O instante. A semente que nos irá animar. O Homem e as suas misérias. O Homem e a sua incondicional coragem. O Homem cobarde. Atroz. O Homem ingrato. Egoísta. O Homem profundo. O Homem... silêncio e espera. O medo. De respirar. De se cortar nas arestas da aragem. De contaminar. De ser contaminado. O Homem-caverna. A realidade tornou-se um véu. Os sorrisos acabaram. Bebe-se o medo em máscaras. Finalmente o entendimento. Finalmente o perceber que não dominamos os profundos mistérios da natureza. Somos fracos. Frágeis. Impotentes. Acabou a nossa lucidez. Chegou a febre do que não sabemos. Quem vive dentro de nós? Que inimigo escondemos? De que inimigo não nos podemos esconder? Finalmente percebemos que habitamos um mundo cheio de ínfimos e perigosos mundos. Finalmente percebemos que há mais pessoas. Que há outras pessoas. Que o nosso casulo obrigatório não nos trás paz. Que viver violentamente separado da vida é um absurdo. Que olhar e ver a crueza dos rostos é um absurdo. Que passar na rua e ver o outro desviar-se de nós é um absurdo. Mas descobrir que há um nivelamento social não é um absurdo. Saber que no medo todos estamos em igualdade é uma verdade. E só espero que a humanidade acorde para a geometria do caos. Que a humanidade perceba a razão primordial. Que as fachadas se alegrem. Que os labirintos se percorram. Que o mundo nos dê a sua chave. E que nós abramos a nossa vida...a uma diferente forma de agir. Sejamos disciplinados...e amanhã seremos melhores.

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