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folhasdeluar

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A flor

Tudo mudou...as coisas deixaram de ser coisas...tornaram-se ridículas

depois daquele dia em que decidimos que devíamos ser felizes..ou não

as portas abriram-se e os nossos corpos que costumavam suar juntos...partiram

deixámos que a nossa respiração fosse por aí fora...perdida nas ruelas...como um esboço de nós

depois...queríamos espaço...perfeição...

queríamos o absoluto dentro de um silêncio apertado

ainda assim...não tenho pena do dia em que te sorri e tu...

embora fechada em metros de ausência...sorriste

hoje tenho imenso espaço só para mim..o meu peito habituou-se a amar o silêncio..

a fechar-se dentro de uma sala onde preencho a noite com coisas de ontem

eu que só queria fascinar-me com todas as tuas imperfeições...

achava-te perfeita...devo dizer

e acabei sentindo subir até mim o terror de te perder...

ainda vejo o teu vestido...subindo...subindo...

e os olhos...ah os olhos...brilhando...brilhando...

eu que só queria que existisses dentro das minhas mãos...pegava-te..

e de olhos fechados tacteava o caminho até ao quarto...

queria que fosses a minha flor sem rosto

eu...não resistia ao odor da tua pele...

e sentia que era felicidade a mais tocar-te no ponto mais íntimo do desejo

na janela ainda está o vaso onde punhas as flores para as borboletas poisarem

ainda hoje vi uma... enorme ..que te esperava junto ao vidro fosco

de vez em quando vou até lá...espreito e penso...vou deixar de ser como tu...

uma borboleta que espera a flor...que murchou...

A ponte

Há uma ponte colada às margens do rio

É nela que se escondem as palavras e as borboletas... ao anoitecer

Há uma melancolia acampada no frio do outono

Há folhas de silvados agressivos a reluzir na contraluz

As horas são semelhantes a mistérios de caminhos mágicos

O coração renasce na dissolução do entardecer

Falo com os insectos que caminham na noite

Escondo o frio debaixo da nudez do olhar

Digo aos plátanos que pressinto as suas raízes a beberem as águas nómadas

Provavelmente deixo marcas da minha pele na casca rugosa do carvalho

Colo a paisagens com intrincadas linhas circulares

Defino-as...como se fossem perfumes extraídos dos eucaliptos

Inúteis cromossomas espalham-se pelas gretas rochosas

Onde se acoita a sedução perfumada da vegetação

Mas vem uma luz agressiva de dentro das casas

Chega até mim como um mistério intrincado

Tenho mil anos e a minha crosta recorda-se das imagens feitas de saudades

Folhas amarelas...irreais..espalham-se pela terra como formigas em gestação

Não posso deixar escapar a humidade dos sonhos

Não posso deixar que as sementes fiquem cativas das águas

Abraço as oliveiras como se fossem minhas irmãs

Decomponho-me em caminhos que cheiram a louro

E reconheço-me.. sei que jamais o céu opaco tomará conta de mim.

Delírio...

Passei por ela e só depois a reconheci...

Ela me desfez em voláteis pós de coral

Que ruíram como feridas que os abutres esgravatavam

Respirei-a sem a sentir...sem saber que fazia uma peregrinação pela dor

Nunca a avistei...fui insensível...como um vegetariano perante a carne...

Mas renasci no dia em que a queimei...em que as minhas entranhas se iluminaram

Em que a venci...mesmo sem saber qual o seu itinerário dentro do meu corpo

Que dor me possuiu?

Que dores possuíram os olhos que me viram nessa fuga de mim

Pego agora nessa noite... que essa paixão mística pela dor... me trouxe

E perscruto as memórias como quem passeia por delírios silenciosos...

Que apenas eu entendi …

Paixão...

Era noite...

Uma noite em que a tua mão bondosa se encarregou de me reconhecer

Uma noite que atravessámos juntos...caótica...caminhando sós...

Sobre uma constelação de corações feitos de pedra

Mas sobre a crosta dessa memória vertiginosa reside agora um desenho feito de paixão

Uma claridade coberta por um dia de sol brilhando sobre a neve

Porque subi até ao mais silencioso deserto...

Comi o fruto ferrugento que o vento me trouxe

Beijei-o como um respirar de serpentes delirantes...

E aqueci-o no fogo que adormeceu na sua imobilidade de cinza inaudível...

Depois.. voltei para ti...e para mim....

Cortina...

Vejo as cortinas corridas sobre as portadas de pedra...

E não descortino o teu rosto encastrado no escuro do vento

É a partida....o inesperado...o sono que te arrasta para te proteger dos amanhãs..

São pérolas que os teus olhos ostentam...baças como noites sem imagens...

Mas de onde um fino raio de luz se escapa ...só para mim

Como algo imóvel e dorido...uma hesitação de ferida sem memória...

Que o orvalho reduz a cinzas...com promessas de luas azuis cobertas de luzes frias...

Adormeces...escondes o coração numa fonte seca...gelada

E abafas a memória da dor numa inesperada cama de algodão florido

Serás tu a primavera feita de flores estampadas num tecido de pedra?

Ou Dezembro encontrará o teu coração dentro de um sino que me chama...

Como se eu fosse um crente comestível...

Ou como se eu tivesse os olhos dignos de ti!

Na ternura da noite

Nas horas mais ternas da noite

Todos os meus pensamentos vibram com a doçura dos desejos

Fantasmas visitam-me vestidos de aves vagarosas

Abro a janela e sento-me no escuro...

Perante a brutalidade sólida da noite

O meu tecto é um olhar mudo...uma consciência arenosa

Percorro a vergonha da alma esmagada pela tristeza

Falo para o bolor que me atravessa...deslizo pela ponta dos dedos

Muito ao longe... observo a caligrafia das estrelas

Guardo a consciência de mim num baú cheio de enigmas

Enigmas do tamanho de homens

Sei que não vale a pena acordar os outros

Deixá-los dormir o sono dos gansos

Sei que acordarão irreconhecíveis como troncos de videiras

Mas eu... descerei à brutal claridade do infinito.

Isto anda tudo ligado.

Somos o pais dos eufemismos. Agora a Festa do Avante, não é festa. É uma actividade política. Pode-se proibir as pessoas de se aglomerarem nas praias. De estarem afastadas entre si nas cerimónias religiosas. Pode-se proibir as crianças, nos infantários, de se tocarem e de trocarem de brinquedos. Pode-se proibir os festivais de verão. Mas a actividade política do PCP...não. Parece que a Quinta da Atalaia tem um espaço imenso onde está instalada uma espécie de vacina geral. Acho até que nem vão usar máscaras. Aquilo terá, certamente, palcos, ou palco. Terá pessoas a assistirem aos concertos. Que não serão concertos, serão comícios musicais. Mas o que mais me irrita, não é o PCP querer realizar a sua festa. Sabe-se que o PCP tem nos velhos a maioria dos filiados. Sabe-se também que são os velhos, pelos menos é a minha experiência, os que mais resistem a usar a máscara. Acham que nada lhes vai acontecer. Não é por isso de admirar que queiram realizar a Festa, perdão, a actividade política. O que mais me irrita é o primeiro ministro, pessoa que respeito e a quem tenho apoiado, vir agora com subterfúgios semânticos, para “legalizar” este ( até podemos chamar actividade política) ajuntamento de pessoas que é completamente contrário ao que se tem, e bem, andado a incutir nas pessoas, os seja, o afastamento social. Posso até compreender que os comunistas não se importem de serem contaminados,( penso que já o estão desde 1917,mas não é com covid), só não acho bem eu poder ser contaminado pela irresponsabilidade deles. Afinal, como diz o outro, isto anda tudo ligado.

Os castanheiros

Visito as pedras desgastadas pelos rostos envelhecidos dos pastores

Há fantasmas de rostos angulares subindo pelos montes

As cabras soltam gemidos de águas esverdeadas

Rostos esculpidos em rugas polidas descansam nas sombras

Para além... o horizonte desgasta os olhos

As colinas são rasgadas por mãos calejadas

Mãos que só conhecem os mesmos lugares

No céu flutuam aves de rapina...

Sinuosas veredas vêm ao nosso encontro

E nós quedamo-nos absortos...

À sombra do balido dos castanheiros.

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