O berço
A princípio não pensamos na inevitável tragédia. A princípio nem sabemos que existe tragédia. A princípio não sonhamos. A princípio o sonho é a própria vida. Saímos do nada para percorrer as ardilosas estradas do mundo. A nossa identidade corre no nosso sangue. O nosso olhar possui o efervescente brilho da curiosidade. Dedicamos a vida a quase tudo. Queremos possuir a sabedoria das coisas. Erguemos os olhos e tocamos na sublimação da vida. E nesses dias somos nadas. Somos a doce efervescência da luz. Somos luz. Não sabemos de infinitos. Não sabemos de almas. Estamos demasiado ocupados com a nossa própria forma de viver dentro do casulo do sonho. Mas um dia...sem sabermos bem como...descobrimos que nos afastámos. Que embora continuemos a sonhar...a vida endureceu. Endureceu-nos. Começamos a pensar em futuros. A pensar em infinitos. A pensar que não somos infinitos. Que somos finitos. Essa é a nossa descoberta. Isso é o que nos faz suspender a alma. Essa alma de luz e sombras. Essa alma única. Essa alma que não retorna. Procuramos depois a vida em lúgubres alamedas. Sentimos o relevo do tropel dos dias. Ficamos suspensos. Nunca mais voltaremos...ao berço.