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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Reflexos de espelhos partidos.

A insubstancialidade da loucura dorme na Razão do ser. O arbítrio da Vida é uma soma compacta de factos. Os pensamentos são bonecos articulados por um cérebro lunático. Quem penetrar nessas profundas ravinas da alma pode atingir o irreal. O fantástico. A absoluta corda que o prenderá à lucidez é feita de ilusões. A compreensão do irreal é apenas uma dança de lobos. Fora de nós movimenta-se tudo o que nos influencia. Dentro de nós movimenta-se a combustão do etéreo. A fantasia. O corpo é apenas um veículo. Uma carroça articulada que transporta as ideias. E dessa carroça vamos extraindo sentimentos. Sonhos e bizarrias. Crucificações. Altares e fogos estelares. Quem poderá dizer o que é a realidade? A realidade! Essa abóbada que nos cobre os dias. Esse destino feito de grades e algemas. E que é construída pela libertação dos nossos ecos. À noite descem sobre nós os anjos loucos. Os sonhos irreais. A abstracção da realidade. No sonho todos somos loucos. Na realidade também. No sonho vivemos a realidade. Na realidade vivemos o sonho. E tudo junto faz de nós cavalos selvagens. Frutos maduros a cair da árvore proibida. A Vida. Essa pedra brilhante que todos ambicionam possuir. Esse chão vulnerável e giratório onde espezinhamos o fogo que nos queima. E de onde emergimos como reflexos de espelhos partidos.

O breve esboço de um sonho

Como uma palavra esquecida numa noite de inverno

O seu corpo sucumbia ao cansaço...

Era agora um ténue peixe florescente

Nadando nas profundezas de uma magia

Ou de um pensamento

Era um como um caçador de dias

Vivendo no rosto pálido da lua

Florescia dentro de um espírito feito de águas puras

Como uma visão aberta aos breves raios de luz

Ou como um gelo percorrido por fantasmas

Que apenas sabem de si

E que procura dentro do seu vácuo

O que lhe trará...

O breve esboço de um sonho .

Florescimento

Sentia uma breve impressão de algo que crescia como um sono

Eu era um rosto inclinado para dentro da transcendência

Como se fosse habitar o sorriso das coisas

Ou como se fosse uma planta que ondulasse

No lado deslumbrado da natureza

Eu era uma imagem

Uma lâmina que cresce na pureza do mundo

Até atingir o esbranquiçado grito

Exposto à luz banal da manhã

E sentia o cerne do tempo a espreguiçar-se

E a florescer dentro de mim.

Personagens fáticas

Aqui estamos nós...construtores do impossível..

Como mãos feitas por plurais imperfeitos

Aqui estamos nós...dois olhos...veias...

Onde circulam todas as tentativas de amar

Aqui estamos nós...acreditando em perdões...

Derretendo-nos em loucuras de açúcar

E inventando crenças e romances...

Recriamos palavras aprendidas num qualquer poema de Sophia

Somos todos Sophia...verdadeiras personagens fáticas...

Tentando acreditar na imaculada estranheza das pessoas

Que juntam as mãos em forma de coração

Mas somos ainda mais...

Somos aquela parte da gramática em que os beijos se afogam em silêncios

E aquela parte dos nossos medos que nos impedem de dizer

Pele...arrepio...fome de ti

E seguimos como navegadores

Em busca de sereias que não gostam de ilhas...sereias matinais

De olhos perfeitos

E corpo em forma de luz desprendida do fundo do mar

Também cobrimos as fotografias com beijos antigos

E filosofamos...

Sabendo que há apenas uma vida para tanta vida que há em nós

Somos o papiro em que descobrimos a nossa história escrita nos séculos

E somos pele feita de água...pele alada...aguada.

 

É um erro pensarmos que o tempo nos respeita...

Que se enternece com as nossas mãos apertadas em torno de si próprias

Mesquinhas...

Sôfregas de segurar as singulares construções dos corpos...

As suas imperfeições e os seus mistérios.

 

Açores...

Deram-se as mãos...

Lá onde brilhava o júbilo faustoso de todas as belezas do mundo

A pedra negra resplandecia nos muros...

Protecção de uvas aos ventos

Nas falésias esburacadas ecoava o cântico aflito do mar...

A espuma subia pelas frestas basálticas

As nuvens espumosas tapavam metade da ilha...

Tudo vibrava no esplendor solarengo da luz

É ali que moram as divindades

Ali...onde o ser se torna etéreo e pequeno

Ali... onde se podem celebrar cânticos

E ouvir o som suave das ondas

Ali estão as florestas plantadas

Por deuses sem memória...

Para homens doces e fartos.

 

Ah belíssimas ilhas que veem ao longe

As suas irmãs coroadas pela auréola do Atlântico

Enquanto bebemos das fontes

Podemos inventar belos romances

Sem margens e sem palavras.

 

No mar víamos o esguicho das baleias

E a lendas dos pescadores

Vindas da bruma...desembocavam em nós

Belíssimos seres...as baleias...quase humanas

Ali onde não há tempo nem presente

Há ribeiros enfeitados com flores...vastas hortências

Amáveis ilhas...exultantes montes...

Tudo celebra o tempo das estrelas e das planícies solares.

 

Desembocámos em ti...

Como quem entra num coração de onde brota a mais cálida maresia

Tudo aqui foi desenhado pelas divindades...

Aqui as Cárites excederam-se no júbilo da beleza...

Floriramos como uma viagem pela maravilha que nunca acaba...

Encontrámos o pasmo nas asas de um fantástico açor..

Que nos enfeitiçou a alma

E até as nuvens se mostraram felizes

Perante  os nossos olhos prenhes de encantamento...

Quero ficar....

Falha... tens um corpo e uma alma

Falha... tens uma memória e um caminho...falha...

Tens-te a ti próprio e à tua falha

E sabes que no começo de cada vida há um romance inacabado...

Uma apoplexia de sentimentos...um desgaste.

 

Não me mostres como devem ser os dias

Em que as aves se despenham ao encontro das falésias

Fala-me das coisas pequenas...

Que encontras nas esquinas enfeitadas com solidões

Diz-me que te derretes com o riso inexplorado das andorinhas

E que o prazer vem sempre depois do prazer...

Como uma fome de terra virgem!

 

É tão simples a complexidade das pessoas...

Tão ritual...tão excêntrica

É tão simples olhar

E perceber que dentro dos olhos há ouro a brilhar no escuro da fantasia

E quando a boca se seca e os olhos se marejam de lágrimas..

Ali estamos como alguém que apenas está

Como alguém que se atreve a ser o tempo sensível de alguém

A dizer-lhe...

Afinal...não passo sem ti...

Não quero passar sem ti nem passar por ti...

Quero ficar...

 

 

Nunca poderei dizer quem sou

Nunca poderei dizer quem sou

Imperfeito ser de mãos postas no martírio

Porta de espinhos aurora inacabada

Ácido sangue riacho íntimo

Fiacre sombrio absurdo estilhaço

Esperança distraída deserto inútil

Magnânimo compasso de fogo

Eco rarefeito pesado enigma

Distracção de tempo absorto palmo

Sono de rua escorregadia salmo

Lugar vazio entardecer de pranto salto

Nudez de ternura sobretudo

Ternura...nua.

Cínicas varandas

Correndo ao acaso pela minha alma...

Luz furtivamente um arrepio de sentimentos

Certezas deliciosas...angústias transparentes...horas de lividez...

Como a profunda redenção da respiração embargada.

 

Perante o pasmo dos olhos...

A luz do céu deixou às claras a matéria intoxicada e terrosa

Onde brilha na ponta das estrelas o envelhecimento acendido da vida

O tempo acoitou-se nos amargos e cínicos vasos das varandas

E as minhas mãos opacas...

Sentindo a luminosidade fria das trevas... engelharam-se

Escrever tornou-se um castigo...uma chama devoradora

Um trago de veneno doce

Que se fixou na minha alma como uma pregadeira de brilhantes

Que depois se inflamou como uma vela perfumada de sonhos

Que agora corre ao encontro de dolorosos apelos de prazer

Como se tivesse de responder a  brados ansiosos

Que terão que esperar pela hora de serem expiados.

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