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folhasdeluar

folhasdeluar

A fonte do esquecimento

Não! Não estou cá para comer glórias

Nem para me vestir com ridículos corpos ausentes

Eu devoro as fogueiras...

Alimento-me de crueldades remotas

Ajeito-me com o demónio

Sou a infâmia em primeira mão

À lareira reinvento o gelo

Retalho as estrelas mais pesadas

Em mil pedacinhos...faço-as vibrar ...e girar

Desgraçadas das despedidas que me encontram no caminho

Esmago-as na terra preta...

Porque eu sou a loucura disfarçada de anjo adormecido

Tenho a ternura diabólica dos enfeitiçados

A minha alma está coberta de tatuagens

E a minha rua é um arsenal de espeluncas e bebedeiras

Não dilacero o meu espírito com espasmos raivosos

Não me preocupo com jóias sem brilho

Gosto de morder a terra...sofrer com ela

Gosto de percorrer as ruas escuras

E assustar mortalmente os transeuntes

Embruxado por um céu sem sombra

Dou urros e assobio para dentro das casas

Depois...deito-me para repousar...

Junto à fonte obstinada do esquecimento!

Ericeira antiga

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(Tese de licenciatura acabada em 1958)

O seu nome Ericeira ( Eyriceira = Oyriceira) significa, na origem, «terra de ouriços». No antigo brasão municipal está ao centro representado um ouriço.  A Ericeira possui foral desde 1229 concedido pelo Grão-Mestre da Ordem de Avis, Dom Frei Fernão Rodrigues Monteiro.

O ericeirence natural da vila, independentemente da sua profissão, chama-se jagoz. Os habitantes do concelho de Mafra são saloios, mas o ericeirence não, nada nele tem a ver com os saloios ( o saloio, trabalha a terra, o ericeirense detesta a o trabalho  agrícola), nem o aspecto físico, nem a maneira de ser, nem a sua psicologia.

Para o namoro o rapaz começa a perseguir a rapariga e esta aceita-o ou diz-lhe : Não me persigas, não te quero, não gosto de ti.

Os rapazes e as raparigas encontram-se, ao domingo no balho, e de semana, na praia, quando elas bão ò encalhar da lancha.

Ditado para as casadas «donzela p`ró casamento ou p`ra casa dela, dum cento bai uma».

Outro ditado: « os marít`mos e os pescadores não têm hora de cumêri».

Um prato: « a sopa de lagoista é uma especi`lidade, superior à caudêrada. A lagoista faz um caudo cor dum cinzento, qu`é de primeiríssima orde».

A ida à sartela ou a ida à Malhada, a que alguns chamam a pesca da fome de d`inberno, era a pesca pouco lucrativa de percebes e mexilhões, (outros tempos).

A mulher do pescador é arranjada, quer ande na benda, quer não. As que moram nos Bairros dos pescadores, como têm tanque lavam a roupa em casa.As do Sul lavam na Fonte do Cabo. A s do norte junto à Praia do Norte ou no Rio do Rego, P`rós lados do cimatéro.

A Praia do Sul também se pode chamar de Praia da Baleia, porque em 1888 deu ali à costa uma enorme baleia.

Alguns nomes:

Ti`Clementina, Hilário Cá-Cum ,Ti`Jôquim Marrão.

Algumas fotos:

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E muito mais há para ler neste belo livro sobre a minha querida Ericeira

 

Mausoléu

Um cão rosna quotidianas verdades

Os dias vulgares são monstros que circulam na nossa pele

A vida arrasta a perna decepada

Absurdos homens apoiam-se em ombros absurdos

O silêncio está estampado nas paredes

O silêncio é um vidro cortante

O melhor é fazer de cada parede

Um mausoléu de insultos

E de cada noite uma pedrada no charco do sono.

 

 

Tempo finito

O tempo é infinito. O espaço é infinito. Se nos dessem todo o tempo que é infinito. Se tivéssemos uma nave espacial para viajar pelo espaço que é infinito. Nunca a viagem acabava. E nunca o Homem chegaria a qualquer conclusão de si.Como também não chega sendo  o seu tempo finito.

 

Para além da minha compreensão

Olhar o espaço...

Desconhecer a distribuição dos planetas

Passar pelos dias como uma janela esventrada

Expelir pelas guelras dos peixes

O  pavor das paisagens encobertas.

 

Paralelo a mim...

Há um rosto de madrepérola a espreitar na profundidade dos sóis

As estações do ano deslocam-se como paisagens em torvelinho

Corropio deslumbrante de sangue a escorrer pelos mapas do coração

Espécie de rio a jorrar pela contrariedade dos espelhos

Como uma cicatriz de verão quebrado na clareira dos rostos

Ai braço de poros tatuados com tranças de um tempo sem idade

Ai força que sufoca a vida

Faca cravada nas costas da melancolia.

 

Côncavas bocas beijando a limalha das paisagens

Alucinação de águia sombria a piar em volta da aridez do mundo

Estancado o sangue... aberta a válvula da penumbra...

Olho o charco negro do meu mundo...e rejubilo

Magnificente luz...anel de fogo...lenta insónia...

Ornamentada por todas as coisas que voam

Para além da minha compreensão.

Inédito

Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal.[...] Dai-me a claridade daquilo que é exactamente necessário. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. ***

***espécie de poema inédito encontrado entre os papéis de Sophia de Mello Breyner

A espuma que se desfaz no pensamento.

Era noite mas não tinha anoitecido. A luz tinha sido comida. Pelas casas. Pelas árvores. Pelas estradas. A luz tinha desaparecido. Ele estava calado. Sentado nesse recanto de tempo raro onde os rostos se tornam infinito. Tinha nascido com um número-limite de palavras. Tinha-as gasto todas. As suas palavras eram como a luz. Tinham desaparecido no seu interior. Ele tal como  a luz estavam imersos nesse caos onde respira a profundidade das coisas. Ele estava nesse além de si onde se trava a feroz luta contra a solidão. Ele apenas esperava a exalação das flores. O canto sentido de um milagre. E via agora as paisagens que nunca vira. Baloiçavam nos seus olhos os escuros recantos de caminhos infinitos. Em redor de si não havia côr. Havia um gelado sopro de silêncio. Ele que tinha gasto as palavras via agora através dos poros. Sentia na pele a irreal plenitude das coisas impróprias. Sentia a secreta alegria de perceber a futilidade dessas coisas. E na nocturna vastidão da tarde dividiu-se em dois. E num impulso transformou-se em pássaro. A sua pele ali ficou. A sua alma desprendeu-se de si. E foi procurar toda a espuma que se desfaz no pensamento.

A canção que não representa Portugal.

É um sintoma de que ainda somos um país do terceiro mundo a vitória de uma música cantada em língua inglesa para representar Portugal no Festival da Eurovisão. Não interessa se o festival é ou não importante. Não interessa que aquilo não sirva para nada. O que aqui está em causa, o que demonstra esta vitória é que quem votou não tem consciência do que é sentir o orgulho de ser português. E o que é sentir orgulho na sua língua materna. Acho que não devia ser permitido haver canções a concorrer noutra língua que não a nossa. Alguém se sente representado por uma canção em inglês? Eu não! E se a nossa canção ganhar alguém sentirá orgulho pela vitória? Eu não! Se Portugal vencer não será a nossa língua a vencedora, será uma língua colonizadora do nosso festival. Uma língua boa para ser cantada. Sem dúvida. Uma língua melódica. Sem dúvida. Mas uma língua que nada tem a ver com a nossa cultura.

Cavalo negro.

Liberdade de ser como o penedo

Que desafia os ventos e descura o medo

E resfolega como um cavalo negro.

 

Liberdade de ser como a densa mata

Raiz mergulhada na fonte da palavra

Ave que voa rasa sobre a sua taça.

 

Liberdade de ser como o vidro na vidraça

Céu reflectido na claridade baça

Ele homem-véu seu rumo traça.

 

E se dentro de si procura o sossego

Se dentro de si alguma coisa carrega

É a fome de ser livre que o aconchega

E a sede de ser rio que o transporta

Pela imensa noite que o acorda

E lhe diz segredos de vacuidade

Que lhe falam sempre em seu nome

O nome da Liberdade!

Na perna do vento

Na perna do vento

Se apoia a formidável raiz do mundo

Homem-claustro a resplandecer na sombra de si

Silêncio-música a ecoar na sua harpa interior

Caminho que se escolhe com solenidade

Brusco olho encostado à insónia

Ilusão de interior esfaqueado

Homem que se consola com o peso da raiva

Homem amortalhado na sordidez dos dias

Mas que busca no sinal dos murmúrios

A libertação das suas penumbras

Como se ele fosse uma coluna erguida

Em nome da Liberdade.

 

Ele que é sensível ao esplendor dos rostos

Que não procura o rasto de si

Porque sabe que a sua ausência

É a sua forma de estar presente

E porque possui todos os caminhos e toda a paz …

É livre!