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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Lagos de sedas

Entre o caos e o tempo há um sinal

Uma neve que refulge em cada dia

Sob a nossa capa de terra original

Sob a nossa breve maresia

Levantamos a noite como um sol

Levantamos a noite como um dia.

 

Tudo em nós se acaba

Tudo em nós começa

Tudo se destapa

Em tudo se tropeça.

 

Amargo peso...amarga aurora

Lembrar que a noite escorre...

Pela vida fora.

 

Decerto somos mundos

Incertos somos pedras

Desertos somos séculos

Despertos somos fundos

De lagos envoltos em sedas.

 

Começar já hoje a subir a solidão...

Trepar pela ilusão...

Colidir com a chuva e com o vento...

Acenar ao tempo

Sem mão.

A hora do acordar

Entremos neste paraíso barrado por intempéries

Entremos neste sulco que escorre do vórtice gelado das estrelas

Perdidos...como líquidos a escorrer para a profundidade do deserto

Encontrados...como leitos de rios subindo o riso desértico do espaço

Desfeitos...como raios de vida barrando a claridade da morte...

 

 

Saio para a madrugada como quem entra para o colo do destino

Os meus passos falam de segredos que não posso contar

Mas...procuro o ouvido...aquele onde descansa o som do mundo

Quem sabe se hoje as horas cairão mais suaves sobre o meu despertar.

 

Enquanto as folhas caem e o pó solidifica sobre os móveis

Escuto nas paredes o som de um sono sólido

Como se fosse a anestesia das horas.

Milagre de amor?

Inicio as minhas manhãs com a leitura do Expresso Curto que recebo na minha caixa de e-mail. Hoje li algo que acho ser meu dever partilhar. Penso que o jornalista do Expresso Germano Oliveira não se irá importar com a minha cópia da sua notícia. Devo ainda referir um outro jornalista que é o produtor e apresentador da Rádio Terra Nova, concelho de Ílhavo, distrito de Aveiro. O texto que reproduzo tem a autoria de Rui Almeida.

E a história é esta:

 

o Nicolau tinha três anos e adora comboios, assim que começou a andar pedia ao pai, o Gonçalo, para o levar à estação de Aveiro para ir ver as locomotivas, às vezes passava um alfa noutras um intercidades ou até um suburbano, porventura também um de mercadorias, não sei o que é pensar como uma criança porque fui uma há demasiado tempo mas imagino-o a sentir-se maquinista daquelas velocidades e formas distintas e a contar as carruagens e a decorar as cores, o Gonçalo e o Nicolau faziam frequentemente estes passeios pela estação porque já se sabe como o amor se consolida nestes rituais, o amor melhora com a cumplicidade de hábitos, mas um dia os médicos descobriram que o Nicolau tinha leucemia e pai e filho deixaram de ser vistos pelo Rui Almeida, ele vive junto à estação e por isso comovia-se da sua janela a ver aquela celebração do Gonçalo e do Nicolau de mãos dadas a admirarem os comboios, o Rui viveu algo parecido quando tinha sido a vez dele de ser criança e sabia portanto a importância daquela rotina entre pai e filho, mas entretanto o Gonçalo reapareceu na estação só, sem o Nicolau, a explicação foi esta: o filho teve de ser internado no hospital, aos três anos de idade a doença trocou-lhe os comboios pela quimioterapia e demais tratamentos, mas enquanto isso acontecia o Gonçalo ia para a estação filmar por vezes um alfa noutras um intercidades ou até um suburbano, porventura também um de mercadorias, o Gonçalo decorou os horários de cada comboio para filmar toda a diversidade da ferrovia e depois regressava ao hospital para mostrar os vídeos ao filho, ia e vinha e ia e vinha, que gesto tão simples mas tão profundamente perfeito pelo Nicolau, não sei o que é pensar como uma criança porque fui uma há demasiado tempo mas imagino-o a sentir-se preenchido de alegria por ser filho daquele pai, sobre tudo isto o Rui Almeida escreveu (há quase um ano )tem sido a melhor definição de amor que consigo: um pai a filmar comboios para mostrar ao filho doente” e a propósito disto eu adultero o O’Neill, “Há amor que nos toca Como se tivesse corpo”, há mesmo e não têm sequer de ser amores historicamente famosos porque às vezes só precisamos mesmo de conhecer estes amores anonimamente volumosos, sempre que penso neste homem na estação a filmar para o filho no hospital só me apetece ir abraçá-lo e a seguir aplaudi-lo ou vice-versa, “Há histórias que nos atingem Como se tivessem punhos”, mas o Nicolau fez quatro anos e está praticamente recuperado, o beijo do Jorge Cravo trouxe essa boa nova, que grande beijo mesmo ó Jorge, e o Rui Almeida escreveu um texto sobre tudo isto, é o que ando a ler e soube-me a beijos também:

 

Este o texto de Rui Almeida:

 

Há tempos contei ao mundo uma história de amor. Era sobre um menino com uma enorme paixão por comboios. Um menino privado de ser menino, a debater-se com os azares da vida, uma doença rara que lhe resgatou os dias, transformando a sua normalidade numa hedionda rotina de sessões de quimioterapia e transfusões de sangue. Um menino que o pai traz pela mão à estação de comboios ao lado do prédio onde vivo. Um menino que a vida obrigou a ser menino de uma forma bem diferente de todos os outros meninos. Nestes meses que passaram aconteceu tanta coisa no mundo, de repente ficaram-nos as rotinas de pernas para o ar; mas para o pai daquele menino, tudo o que aconteceu no mundo se resume a um milagre. Semana após semana, tratamento após tratamento, o milagre foi acontecendo aos poucos. Sorrio ao tentar uma escala mental para o que a ciência explicaria de tudo isto, como passou de prognósticos iniciais tão sombrios para o sorriso bonito que nasce no Nicolau ao avistar a estação de comboios.
Estou em casa. O Gonçalo envia-me uma mensagem e convoca em mim um turbilhão de emoções. Avisa-me que vem ver os comboios com o pequeno Nicolau. Corro para a janela e não demoro a descobri-los.

Olho para aquele menino da minha janela e pergunto-me o que o terá salvo? A ciência ou o amor? Poderá a ciência sozinha ter operado aquele milagre em que era tão difícil acreditar, para quem estava, como eu, a uma janela de distância daquele amor tão puro?Pergunto-me, ao olhar para a foto no ecrã do meu telemóvel, o que entenderá de tudo isto o pequeno Nicolau. Uma foto que acabo de receber, um menino feliz, de mão dada ao seu papá, a extasiar-se com os comboios que passam. Projeto-o no futuro, daqui a anos suficientes para ser um adulto com preocupações de adulto, a ter de lidar com exigências e frustrações, saberá ele que o seu ADN é 100% amor e milagre? Conseguirá ele distinguir o importante do acessório, saberá ele ser o pai que teve, em todas as horas tão difíceis de uma idade tão fácil, um pai feito de amor, de comboios, de dedicação sem limites e sem interrogações?

Salvo? A ciência ou o amor? Poderá a ciência sozinha ter operado aquele milagre em que era tão difícil acreditar, para quem estava, como eu, a uma janela de distância daquele amor tão puro?

Estas lágrimas que reprimo troco-as por palavras que deposito num documento de word, palavras que são fraco testemunho do que tenho dentro do peito, saído há instantes da janela onde acenei amor ao Nicolau e ao Gonçalo, aqui sentado a tentar descrever este milagre do amor.

Gonçalo e Nicolau, está quase. Um dia, todo este interminável pesadelo que vos visitou será uma história que se conta resumida em frases que se dirão de cor. Uma mera recordação de um tempo que o tempo se encarregará de fazer soar irreal. Até lá, hoje, neste instante, aqui à janela de onde vos espreito, é-me urgente gritar este milagre do amor. É-me imperioso dizer-vos o quão inspirador me tem sido esse milagre. Está quase. O amor ganhou. Olho-vos da janela e tenho em mim essa certeza”

 

P.S.  Possam todos os meninos terem um pai como o Nicolau

Olhos de água doce.

Pergunto-me...

Se em mim nascesse a vontade de não ser mais que um pequeno e minúsculo silêncio

Se do meu corpo jorrassem constelações de velhas lendas sem sentido

E eu acreditasse que a vida é feita de impassíveis pedras astrais

Então...eu viveria como se tivesse um mar dentro dos meus olhos

E talvez até fosse capaz de dizer...

Como é que os rios talham esfinges no granito que dorme nas faldas das serras

Seria como se dentro de cada rocha me esperasse a eternidade

Mas eternidade que procuro vive numa outra idade...num outro tempo...

Porque agora sei....que essa eternidade...

Está nos teus olhos de água doce.

Andorinhas

O rio pergunta-me pelo destino do dia

Será que as folhas já começaram a cair na letargia das ruas?

No declive das horas o mundo continua a rebentar pelas costuras

Há aves caídas nas ruas...há passos de gente sem passeio...

E há apenas existências de pessoas que tombam na incerteza clara das horas.

 

O azul do céu assoma por sobre os ombros atarefados de gentes inóspitas

Os sinos rebentam como sirenes esmagadas por passos sólidos

As portas fecham-se como se ninguém soubesse

Que dentro das casas vive o caos...ou o amor...

Quem sabe ao certo que dias se escondem nas asas das garças?

Quem sabe ao certo o que os dias arrastam dentro de si?

Enquanto as penas das andorinhas...levemente...

Se acomodam às ruas silenciosas.

Cotovia

Nós... joguetes místicos de uma luz desconhecida

Gostávamos de saber quem somos

Quando passeamos pelos caóticos acordes dos dias

Mas não...é impossível...

Não há outro mundo onde possamos ser o que somos agora.

 

Que venha o vento acordar a febre das pedras

Que venha o vento ciciar às velas

Que venha o vento afagar o tom violáceo das tardes

Se em nós nada resta...se de nós nada sabemos...

Talvez uma fé desconhecida se erga dentro do turbilhão da alma

Talvez encontremos consolo nas coisas desconhecidas

Talvez a vida seja o pão que o diabo não amassou

E nós sejamos a cotovia que desperta quando nasce o sol

Para voar dentro dessa luz...que nos fere a vista.

 

Sejamos tempo

Fechemos os olhos e escutemos as folhas cair

Sejamos tempo...sonho...cinza e mar

E quando as papoilas nos desvendarem o sabor da luz

Sejamos o saibro com que se constrói a nossa alma.

 

Sobre a areia derreada pela espuma

Olhamos o voo inútil das garças

E como trágicas searas...despertamos...

Para a noite...

A hora dos pássaros

Era uma hora como todas as horas

Era um tempo habitado por tectos opacos

Era a côr...a cruz...o cheiro...era o agonizar do frio

Abri os olhos...e sobre a mesa o sol desfazia-se em palavras

Havia uma abóbada que as estátuas seguravam com o seu olhar sereno

Havia nas coisas um pouco de cada dia...um fumo...uma névoa

As mãos seguravam as pontas irremediáveis da água

Os pensamentos eram guizos...sonhos...teclas...

Na colina em frente...

Um rebanho mostrava-me como era a felicidade.

 

A linha da paisagem desembaraça-se no comprimento dos olhos

Quantas vezes morre um homem?

Quantas vezes dentro de si edifica paisagens que não conhece?

Num breve tempo...num breve espaço...

Salta da infância para a solidão

Coberto de tempo...cheio de azul...sôfrego de liberdade

Em si se abre a esteira que o conduz ao universo

Fora de si...as ruas e as esquinas onde as rugas tocam no silêncio

Dentro de si...o sudário que lhe cobre o outono

Onde as folhas que caem...são pássaros sem deus.

 

Palmo a palmo...

Palmo a palmo...

Percorro o vento que me fustiga a alma

Palmo a palmo...

Chego ao espaço que fica entre mim

E o lugar onde crescem as tardes

Nunca pensei ser outra coisa senão um corpo que se desfolha

E fico contente quando em vez de mim

Vejo uma sucessiva dança de fantasmas.

 

Chega o dia...

Levanto-me como se atingisse a superfície das coisas intocáveis

Como se sair à rua fosse uma ousadia que a minha sombra mostra

É simples não ter esperança...

É simples ocupar um espaço onde tudo é possível

É fácil lembrar-me da grande solidão das lonjuras que invento

Como se fossem sinais que dispenso...

braços que não estendo...fugas sem saída.

 

As manhãs repousam nas águas

Os gestos que não faço mancham as luzes que se dispersam

Tudo são velas ao vento...

Enfunações de fábulas quebradas

E nós...que abrimos esses portões por onde as rosas espreitam

Ouvindo cantar os sonhos sem rumo

Desarrumados por dentro de nós

Sabemos...que somos pescadores de outras águas...

E de outros destinos...

Deixando a alma a espreitar pelas frestas do nosso.

 

Sopro da alma

Como mortalhas de cinza que desvendam sonhos

As folhas caem fechadas...

Enquanto nós respiramos a derradeira espuma do granito...

 

Vejo o dia a acrescentar-se mim

Como se me forrasse de pássaros

E eu nada mais fosse que um simples fruto embrulhado em horas

Todos os dias renasço nas inumeráveis sombras que me cercam

Todos os dias acho que o meu olhar

Arredonda a chuva que cai na sonolência dos pátios

E vejo...aquele caminho minguado onde as folhas se tornam estéreis

Mas sei que é ali que as palavras repousam

Dentro da sua importância

E os meus olhos se aquecem

Na solidão das árvores que procuram o outono.

 

Os dias seguem como pálpebras de tempo transparente

E a superfície das coisas

É uma praia onde lentamente a distância absorve o que resta de mim.

 

Às vezes aponto para um lugar que fica acima do vento

Calado...sei que o meu corpo ocupa todo o espaço da minha sombra

E que o rumor do mar me trás todas as possibilidades

De me dispersar na espuma

Como se me afastasse das coisas sobrecarregadas de memórias

E os dias fossem vãos aromas encerrados em janelas

Leves...como inúteis sopros que escorrem da alma...

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