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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

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Poesia e outras palavras.

Asas de tempo

Amanhã não sei o que farei

Talvez desate em mim o tempo

Talvez abafe em mim o tempo

Talvez corra em direcção a nada

Talvez guarde um poema na gaveta.

Alguém me diz que devia mudar...reconstruir-me

Como se uma pessoa fosse uma casa...

Em cada compartimento um sentimento...

Uma frase...um quadro...uma angústia

Em cada canto um segredo...uma aspiração

Amanhã...talvez seja um sóbrio cidadão

A observar o mundo com olhos irrequietos

Como se estivesse dentro de uma solidão

Como se a claridade das ruas

Fosse a minha companhia secreta

Talvez passe junto a alguém que me conhece

Porque somos iguais...mas não sabemos...

Por isso somos desconhecidos

Se eu coubesse dentro de mim..

Escolheria um tronco de árvore...só para mim

E se chovesse...talvez me abrigasse por dentro das palavras

Como quem discorre sobre ideias descomunais

Amanhã..sei que tenho a tristeza garantida...

Sei que posso ser a voz que se cruza com outras vozes

E isso me basta...

 

Sossego de pedra

Dentro do sossego do outono...

Enrolado em folhas cai o tempo

Amanhã passará um carreiro de aves

Em direcção ao meu coração.

 

Pedra de dor a cobrir a ausência disfarçada em amplos azuis solares

Rumor de vento que seca os olhos...disfarçados...retesados...

Repartidos pelos recantos onde se esconde o mar...salgados...

 

Forma-se um pássaro dentro de mim

Acode-me o vento...disponho do tempo

Soletro doutrinas nas asas do vazio

Cada gota de chuva tem um sabor...

Em cada passo um ritmo...uma direcção...

 

Afogarei as mãos num riso de criança

Afastarei a espuma com gestos leves...

Carícias de seda...pele

Quem me leva...quem me levanta...

Só tu...que não me conheces...

"Carmina Burana"

Carmina Burana” é uma importante colectânea de poesia latina medieval (e também em alemão antigo) deve a sua popularidade, sobretudo à obra coral sinfónica do compositor alemão Carl Orff, de 1936, em que alguns poemas desta colectânea são postos em música. [….Tem sido discutido quais os limites da composição dos poemas coligidos, e a crítica, hoje, inclina-se para que o manuscrito seja do século XIII e recolha poesia composta neste século e no anterior, embora não seja de excluir que alguns poemas possam ser do século XI.

 

O poema aqui traduzido “In taberna”, parodia a certa altura um hino de S. Tomás de Aquino.

Vamos então à taberna:

 

Na taberna quando estamos,

De mais nada nós curamos,

Que do jogo que jogamos,

Mais do vinho que bebemos.

Quando juntos na taberna,

Numa confusão superna,

Que fazemos nós por lá?

Não sabeis? Pois ouvi cá.

 

Nós jogamos, nós bebemos,

A tudo nos atrevemos.

O que ao jogo mais se esbalda

Perde as bragas, perde a fralda,

E num saco esconde o couro,

Pois que num outro conta o ouro.

E a morte não val` um caco

Pra quem joga só por Baco.

 

Nossa primeira jogada

É por quem paga a rodada.

Depois se bebe aos cativos,

E a seguir aos que estão vivos,

Quarta rodada, aos cristãos juntos.

Quinta roda, aos fiéis defuntos.

Sexta, às putas nossas manas,

E sete às bruxas silvanas.

 

Oito, aos manos invertidos.

Nove, aos frades foragidos,

Dez se bebe aos navegantes,

Onze é para os litigantes,

E doze, dos suplicantes,

E treze, pelos viandantes.

Pelo Papa e pelo Rei

Bebemos então sem lei.

 

 

 

Bebem patroa e patrão,

Bebem padre a capitão,

Bebe o amado e bebe a amada,

Bebem criado e criada,

Bebe o quente e o piça fria,

Bebe o da noite e o do dia,

Bebe o firme,e bebe o vago,

Bebe o burro e bebe o mago.

 

Bebe o pobre e bebe o rico,

Bebe o pico-serenico,

Bebe o infante, bebe o cão,

Bebem cónego e deão,

Bebe a freira e bebe o frade,

Bebe a besta, bebe a madre,

Bebem todos do barril,

Bebem cento, bebem mil.

 

Nenhuma pipa se aguenta

Com esta gente sedenta,

Quando bebe sem medida

Quem de beber faz a vida.

E quem de nós se fiou,

Sem cheta s`arrebentou.

E quem de nós prejulgava,

Se quiser, que vá à fava.

 

Créditos -  Poesia de 26 séculos - de Jorge de Sena

 

 

 

 

Origens da língua portuguesa

O sânscrito foi a língua de uma magnificente literatura que simboliza o passado linguístico de todas as grandes literaturas ocidentais, pois que representa, ainda que diversificado, o tronco originário de todas as famílias de línguas ditas indo-europeias: o celta, o grego antigo, o latim ( e com ele as línguas românicas: português, espanhol, francês, italiano, etc.) As irânicas como o persa antigo, as eslavas, todas descendem desse tronco mítico. A literatura nesta língua divide-se em dois períodos principais : o védico (1500-1300 a.C.) e o dito clássico (350-a.C- 1000 d.C.). Aquele é dominado pelos Vedas, os Upanishads, os Sutras.***

 

Eis aqui alguns poemas traduzidos os sânscrito:

 

De Kalidasa

 

O professor que pensa que o que importa

é estar na cátedra ganhando a vida,

sem estudar mais, deixando que em si morra

a controvérsia que ao pensar acende,

não é senão mesquinho traficante

que a obra dos outros a retalho vende.

 

De Barttrhari

 

No prólogo, criança. Acto primeiro, um jovem

ardendo de paixão. No acto segundo, um pobre

que é rico, logo após, num interlúdio breve.

E, no último acto, esse Homem, trôpego e curvado,

sai do palco da vida, pois se acaba a peça

com que ele se estreou, ao ter nascido um dia.

 

****

 

Aquela que na ideia tenho acesa,

de mim não cuida, e a um outro homem quer.

E noutra que não é ela é que ele pensa,

e uma outra ainda há que só por mim suspira.

Ao diabo o amor, mais elas,e ele, e eu.

 

De Dandin

 

Vai, se tens que ir – disse ela. Rezarei

para que os deuses te protejam sempre.

E aqui te juro que hei-de renascer

lá onde quer que fiques, meu amor.

 

***

 

 

Oh, não me esqueças nunca!” - “ Como posso,

se o coração que lembra vai contigo?”

 

De Amaru

 

Depois que nos amamos, meu amor,

ainda arquejantes do potente amor,

então na tua fronte, meu amor,

aspiro inebriado o suor do amor;

e quando os nossos corpos para o amor

se enlaçam e deslaçam por amor

e se repousam de ter feito amor,

mais me inebria o perfumado amor

que em nós confunde um hálito de amor.

 

***Créditos – poesia de 26 séculos de Jorge de Sena

Apenas ele...

Para onde irá quem não sabe para onde vai?

Pés calçados...fumo de poeira...

Gelo nas traves de madeira

Solitário persegue o aroma da alfazema

Desconhecido....ergue o cálice da bebida

Os olhos...fogem para o espaço...

São vértices de brilho...travo de nada

Se lhe sussurrarem uma verdade ao ouvido...

Não a compreenderá!

Mas pensará profundamente sobre o que é uma verdade...

Cansado sentado em frente ao frio...desabrigado...

Escandaliza os que pensam que ele é apenas mais gesto sem sentido

Uma criatura que se abre ao frio como quem pede uma recompensa

Todos o olham...ninguém sabe quem é...

Apenas ele...ou nem isso...

Falta-me qualquer coisa que não sei

Falta-me qualquer coisa que não sei

Talvez uma vaga...uma manhã...uma neblina

Um sol a aquecer-me o olhar

Falta-me uma árvore onde possa descobrir as raízes dos dias.

 

Posso dizer que já vi muita coisa

E que muita coisa foi demais para a minha vista

Já vi em cada recanto do mar

Uma doçura e um fastio de algas azuis

E no desabafo das gaivotas

Uma espécie de mim.

 

Já sei que em toda a parte os poetas se sentam nas palavras

E depois calam-se...

Contemplam o rasar da luz pela tarde

Esquecendo o que está por detrás do parapeito das janelas

Mas quem quer saber o está por detrás das janelas?

Quem se importa com cortinas de chita que tapam a luz que sai das casas?

Quando um dia...

O poente acordar na cama serena do mar

Então já não será poente...será um outro tempo...a acenar...

E o poeta terá toda a vida...para entardecer...

 

Máscara

Amanhã...deixarei os meus pés marcados no pó do sossego

Amanhã...farei de cada sonho gasto uma escultura

Porém...sei que nas minhas mãos não nascerão flores

E que o espaço é uma imensa gaveta onde guardo os olhos

E o infinito é uma viagem ao invisível mundo das lembranças

Que troçam dos dias em que me deito a fingir

Que sou uma máscara!

Duas almas

Crescíamos por dentro do orvalho

Como se habitássemos um espaço sem sombras

Perante nós e as estrelas...

Facas pontiagudas cruzavam a noite

Quantas vezes desejámos ser alquimistas celestes

Quantas vezes quisemos afastar brancos fantasmas de cinza e cal

A nossa vida era um caleidoscópio de palavras erigidas em neblina e luz

E o riso escorria pela tela onde pendurámos os sonhos

Que depois bebíamos em improváveis taças

Cosidas no vidro nascido das pedras

Como se fôssemos apenas duas almas...

Juntas pela suavidade da noite....

Rio

Há um fogo brando que me ausenta os dias

Sinto uma breve febre de ser luz

Assomo à varanda que me mostra o exausto sonho

Onde sopra um cansaço de maresia

E assim...firme...ali estou...

E assim firme...ali descanso...

Pousam os meus olhos na folhagem das garças

Deslumbra-se a minha alma com tudo o que me escapa

E firme ali fico...como se não ficasse

Despojos de mim sopram pelas horas

O meu corpo ancora nas margens dos telhados

E das janelas saem brilhos avermelhados

O sol quer ser um joalheiro de preciosas luzes e de fados

Na distância brilham águas estreladas

Prata...cinza...branco... salgado que veste a vida das gaivotas

Daqui...lanço os olhos às memórias

E vejo-me...descalço....feliz...neste rio onde me banhei

Sem pensar em nada!

Falésia

Lume farto de dias...lume farto de horas...

Lume profundamente esquecido pelo acaso das ruas

E nós aves...asas partidas ao sonho

E nós perdidos...sonhados pela chama clara dos vulcões

Nada temos a dizer

Apenas chegámos...apenas estamos.

 

Temos os dias onde anunciamos as coisas que não fazemos

Temos as horas onde depositamos todas as promessas...vazias

Cada uma delas mais sobrenatural que a outra

Cada uma delas mais irritantemente falsa

E depois saltamos sobre os abismos

Que já não nos tolhem os passos

Porque em cada falésia está uma música...

Um sopro de pele...um aroma...

 

Duas gotas de alma caem de nós

Duas vidas encontram-se nas pálpebras dos poemas

E que servem...apenas...para a despedida...

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